quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A navegação na Amazônia antes do vapor

Porto de Itacoatiara, 1858. Desenho de C. Murand, do livro "Tipos e utilidades de veículos de transportes fluviais do Amazonas", de Moacir Andrade.

A navegação foi o único meio de transporte existente e indispensável à sobrevivência das populações instaladas, na Amazônia, mas bastante limitado, pelas gigantescas distâncias, dificílimas de serem vencidas à vela, remo ou sirga, até o advento do barco a vapor, que aqui teve o mesmo papel das locomotivas e das estradas de ferro, nos Estados Unidos, na anexação do oeste.

Em 1852, a principal rota comercial da região, ligando Belém a Manaus, rio Amazonas acima, era navegada por quarenta a cinquenta barcos a vela, que levavam de 60 A 90 dias, para vencerem este trajeto, sendo responsáveis pelo escoamento da produção extrativa e pelas importações dos gêneros e das manufaturas necessárias ao abastecimento das populações dos sítios e das cidades, ao longo daquele trajeto e acima dele.

Na navegação do rio Amazonas pode-se usar a vela durante as poucas horas em que o vento geral, o alísio de nordeste, sopra, das dez da manhã até as duas da tarde, daí a grande demora das viagens. Na dos seus afluentes, todos perpendiculares ao grande rio, esses ventos alísios só auxiliavam na travessia de uma margem para a outra, sendo todos os percursos feitos a remo ou à sirga. Por isso, o comércio de distribuição do interior das Províncias do Amazonas e de Mato Grosso possuía, neste trato, mais de 2000 canoas de diferentes tamanhos, pertencentes aos regatões, ocupados na compra dos produtos da terra, recolhidos às sedes municipais, para remessa à Belém, pois ainda não se instalara a hegemonia econômica de Manaus, sobre as demais localidades amazonenses, todas do mesmo tamanho. 

Expedição Smith & Love, 1836. Canoa coberta e índios remeiros, do livro "Narrativa de uma jornada de Lima ao Pará", de John Murray.

Nas equipagens desses barcos empregavam-se mais de 6000 pessoas: brancos e mamelucos, nas tarefas mais leves e de comando, índios civilizados e gentios, cafusos, negros e criminosos condenados às penas de galés perpétuas ou temporárias, como remeiros e tripulantes, em um trabalho estafante e insuportável, com freqüentes motins e fugas, e uma alimentação baseada no piraém, o pirarucu seco e salgado, e na farinha d`água, complementada pelo consumo do ipadu, ajudando a controlar a fome e a vencer o cansaço.

Este tipo de transporte ainda coexistiu por muito tempo com a navegação a vapor, devido aos altos preços das máquinas, pelas dificuldades de manutenção delas, pela inexistência de pontos de abastecimento de carvão de pedra ou lenha, em locais estratégicos, e pela falta de pessoal habilitado.

De janeiro a setembro de 1852, o tráfego, entre Belém e a Barra estava sendo feito por vinte e oito embarcações, com 228 tripulantes e 659 toneladas, saindo da Barra, e oito embarcações, com 58 tripulantes e 137 toneladas, saindo de Belém, com um movimento de mais de trinta e um contos de mercadorias nacionais e importadas. 

Em 1855, três anos depois do estabelecimento da navegação regular a vapor, ainda era grande o tráfego feito por este tipo de barcos, ainda existindo em toda a Província 100 grandes canoas de regatão, totalizando 405 toneladas e 258 tripulantes. 

Por isso, em 1856 e 1861, foi o seguinte o movimento das embarcações dos regatões, no porto de Manaus:

1856 1861
Entradas e saídas para o Pará 86 48
Entradas e saídas para o Interior 120 137
Tonelagem para o Pará 1810 1597
Tonelagem para o Interior 746 2702
Tripulantes 1117 433

As tripulações haviam diminuído, por existirem navios maiores, mas a tonelagem para o interior crescera, pela abertura dos novos seringais. Além dessas embarcações maiores, ainda existiam, em 1861, mais de 4.000 canoas de trânsito, em toda a Província.

Os fretes cobrados, em 1856, variavam com a mercadoria: 320 réis por arroba de cacau, ou por cada couro ou rede; 420 réis por arroba de breu, jutaicica, sebo, piassaba, pirarucu, peixe boi e puxuri; 500 réis por arroba de café, cumaru, cravo, borracha, grude de peixe, urucu, guaraná, salsa e tabaco; e, 640 réis por pote de óleo, manteiga de tartaruga e mixira, pacote de maqueiras, arroba de estopa e alqueire de castanha.


Antonio José Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.

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