segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Gregório de Tours (obra, metodologia e linguagem)

Gravura reproduzindo a aparência de Gregório de Tours, 1835.

A História de mais de um século depois de Eusébio já tinha passado por algumas mudanças significativas. Ela tinha tornado-se universal e, ao mesmo tempo, particular e local. As obras históricas medievais começavam com um esboço de História Universal, que misturava fatos bíblicos com história antiga, extraída de Orósio ou de Santo Isidoro de Sevilha, e das cronologias bíblico-seculares de Eusébio. Após essa breve história universal tinha início a crônica contemporânea, focada no local de origem do escritor.

Era frequente o uso das crônicas dos papas, que abordavam questões locais ligadas ao bispado de Roma. O mundo medieval “recém-nascido” era politicamente fragmentado, tendo como único elo os concílios instalados em diferentes cidades e as alianças entre dinastias, possuía uma história basicamente local. O principal registro de informações era feito através da sucessão de papas, bispos e abades, além do ano litúrgico baseado no calendário lunar, que poderia trazer, vez ou outra, narrativas de breves fatos contemporâneos.

A Magnum Opus de Gregório de Tours são as Histórias, ou História dos francos, constituída de 10 livros. Apresenta, logo no primeiro livro, uma história universal, passando rapidamente para assuntos gerais da Gália após as invasões francas no século V e a uma crônica contemporânea local nos seis últimos livros. A história universal é bem detalhada, a história contemporânea é marcada pela personalidade do autor. O autor escreve em latim simplório, sem regras gramaticais.

Gregório não ordena sua obra com uma cronologia essencialmente cristã, que só viria a ser criada na Britânia, pelo Venerável Beda, misturando, dessa forma, história secular com história eclesiástica. Ele próprio afirma que os fatos escritos em seu livro estão em ordem confusa e embaralhada.

Seu livro, nomeado erroneamente de História dos Francos, nos dá ideia de que ele aborda intensamente esse tema. Mas sobre esse povo, Gregório fazia apenas as digressões necessárias, quase inevitáveis, pois estes governaram a Gália. Os aspectos étnicos da Gália pouco importavam para Gregório. Ele, por exemplo, não cita o fato de que essa região da Europa possuía duas línguas: o latim e o franco. Gregório não era um grande conhecedor de obras clássicas, mas teve contato com os escritos de Orósio e Eusébio.

Acredita-se que a obra de Gregório seja homilética, isto é, voltada para a pregação religiosa, já que suas outras obras são martirológios, biografias dos patriarcas da Igreja, do santo protetor de Tours, São Martinho, e uma coletânea de milagres. A literatura sobre os santos, que vai povoar um bom tempo a Idade Média, relatava o nascimento desses personagens, suas mortes honradas e, rapidamente, passavam para os milagres a eles atribuídos.

Para Gregório, qualquer fato, desde que passasse para seus leitores algum ensinamento moral ou espiritual, merecia ser narrado, não importando se fazia parte da vida pública ou privada. Em seu livro, os homens, sejam eles grandes ou pequenos, exprimem seus sentimentos de raiva, estupidez, vingança e teimosia. Até os santos são passíveis de mostrar seus sentimentos, sejam eles bons ou maus.

O fato mais histórico da obra de Gregório é a conversão de Clóvis, rei dos francos, ao Catolicismo. Essa conversão é comparada ao que aconteceu com Constantino em 312. A conversão de Constantino se tornou uma analogia. Gregório descreve o temperamento forte e violento de Clóvis, que não tinha pena para com seus inimigos. Os reis francos e seus feitos tornaram-se tema recorrente em suas histórias. As ações de Clóvis são justificadas por Gregório como sendo bem vistas por Deus, que possibilitava que Clóvis as fizesse. Ideologicamente, em sua obra vinham críticas ao Arianismo.

Gregório é considerado um exímio contador de histórias, pois traz em sua obra diferentes classes sociais da Gália: escravos, domésticos, artesãos, freiras rebeldes, impostores, reis francos, bêbados e até mesmo alguns bispos e padres. Os milagres também são bastante utilizados em sua obra, e Gregório, mesmo reconhecendo seu caráter divino, algumas vezes não consegue entendê-los. Em sua obra, são contemplados personagens grandes e pequenos, ações boas e más.

Através de sua escrita, Gregório consegue interagir com o leitor, pois este detalha minuciosamente as ações e os sentimentos de suas personagens. As anedotas são bastante utilizadas, detalhes sobre o ambiente, a trama de um assassinato, tudo descrito, menos a aparência física. Gregório é episódico demais, pouco interessado em generalizações e contextos, mas sua História se destaca por sua curiosidade pelas pessoas, a inserção em suas análises de camadas diversas da sociedade da Gália, algo ainda não visto até aquele momento.


FONTES:


BURROW, John. Uma História das Histórias - de Heródoto e Tucídides ao século XX. Rio de Janeiro/São Paulo, Record. Tradução de Nana Vaz de Castro, 2013.


CRÉDITO DA IMAGEM:


www.gravuras-antigas.com




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