Gravura reproduzindo a aparência de Gregório de Tours, 1835.
A
História de mais de um século depois de Eusébio já tinha passado
por algumas mudanças significativas. Ela tinha tornado-se universal
e, ao mesmo tempo, particular e local. As obras históricas
medievais começavam com um esboço de História Universal, que
misturava fatos bíblicos com história antiga, extraída de Orósio
ou de Santo Isidoro de Sevilha, e das cronologias bíblico-seculares
de Eusébio. Após essa breve história universal tinha início a
crônica contemporânea, focada no local de origem do escritor.
Era
frequente o uso das crônicas dos papas, que abordavam questões
locais ligadas ao bispado de Roma. O mundo medieval “recém-nascido”
era politicamente fragmentado, tendo como único elo os concílios
instalados em diferentes cidades e as alianças entre dinastias,
possuía uma história basicamente local. O principal registro de
informações era feito através da sucessão de papas, bispos e
abades, além do ano litúrgico baseado no calendário lunar, que
poderia trazer, vez ou outra, narrativas de breves fatos
contemporâneos.
A
Magnum Opus de Gregório de Tours são as Histórias, ou História
dos francos, constituída de 10
livros. Apresenta, logo no primeiro livro, uma história universal,
passando rapidamente para assuntos gerais da Gália após as invasões
francas no século V e a uma crônica contemporânea local nos seis
últimos livros. A história universal é bem detalhada, a história
contemporânea é marcada pela personalidade do autor. O
autor escreve em latim
simplório, sem regras gramaticais.
Gregório
não ordena sua obra com uma cronologia essencialmente cristã, que
só viria a ser criada na Britânia, pelo Venerável Beda,
misturando, dessa forma, história secular com história
eclesiástica. Ele próprio afirma que os fatos escritos em seu livro
estão em ordem confusa e embaralhada.
Seu
livro, nomeado erroneamente de História dos Francos, nos dá ideia
de que ele aborda intensamente esse tema. Mas sobre esse povo,
Gregório fazia apenas as digressões necessárias, quase
inevitáveis, pois estes governaram a Gália. Os
aspectos étnicos da Gália pouco importavam para Gregório.
Ele, por exemplo, não cita o fato de que essa região da Europa
possuía duas línguas: o latim e o franco. Gregório não era um
grande conhecedor de obras clássicas, mas teve contato com os
escritos de Orósio e Eusébio.
Acredita-se
que a obra de Gregório seja homilética,
isto é, voltada para a pregação religiosa, já que suas outras
obras são martirológios, biografias dos patriarcas da Igreja, do
santo protetor de Tours, São Martinho, e uma coletânea de milagres.
A literatura sobre os santos, que vai povoar um bom tempo a Idade
Média, relatava o nascimento desses personagens, suas mortes
honradas e, rapidamente, passavam para os milagres a eles atribuídos.
Para
Gregório, qualquer fato,
desde que passasse para seus leitores algum ensinamento moral ou
espiritual, merecia ser narrado,
não importando se fazia parte da vida pública ou privada. Em seu
livro, os homens, sejam eles grandes ou pequenos, exprimem seus
sentimentos de raiva, estupidez, vingança e teimosia. Até os santos
são passíveis de mostrar seus sentimentos, sejam eles bons ou maus.
O
fato mais histórico da obra de Gregório é a conversão de Clóvis,
rei dos francos, ao Catolicismo. Essa conversão é comparada ao que
aconteceu com Constantino em 312. A conversão de Constantino se
tornou uma analogia. Gregório
descreve o temperamento forte e violento de Clóvis, que não tinha
pena para com seus inimigos. Os reis francos e seus feitos
tornaram-se tema recorrente em suas histórias. As ações de Clóvis
são justificadas por Gregório como sendo bem vistas por Deus, que
possibilitava que Clóvis as fizesse. Ideologicamente,
em sua obra vinham críticas ao Arianismo.
Gregório
é considerado um exímio contador de histórias, pois traz
em sua obra diferentes classes sociais da Gália:
escravos, domésticos, artesãos, freiras rebeldes, impostores, reis
francos, bêbados e até mesmo alguns bispos e padres. Os milagres
também são bastante utilizados em sua obra, e Gregório, mesmo
reconhecendo seu caráter divino, algumas vezes não consegue
entendê-los. Em sua obra, são contemplados personagens grandes e
pequenos, ações boas e más.
Através
de sua escrita, Gregório consegue interagir com o leitor, pois este
detalha minuciosamente as ações e
os sentimentos de suas
personagens. As anedotas são
bastante utilizadas, detalhes sobre o ambiente, a trama de um
assassinato, tudo descrito, menos a aparência física. Gregório
é episódico demais, pouco interessado em generalizações e
contextos, mas sua História se destaca por sua curiosidade pelas
pessoas, a inserção em suas análises de camadas diversas da
sociedade da Gália, algo ainda não visto até aquele momento.
FONTES:
BURROW, John. Uma História das Histórias - de Heródoto e Tucídides ao século XX. Rio de Janeiro/São Paulo, Record. Tradução de Nana Vaz de Castro, 2013.
CRÉDITO DA IMAGEM:
www.gravuras-antigas.com
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