A Musa Clio escrevendo história, 1763. Franz Ignaz Günther.
A
produção historiográfica sempre esteve em poder das classes
dominantes, que a utiliza para manter seu status e garantir a
continuidade do que é considerado uma
história verdadeira. Duas
questões se constituem em empecilhos para essas classes: Primeiro,
nem todos os historiadores, produtores da escrita histórica, se
curvam diante de suas vontades; Segundo, é necessário
que se vigie constantemente os conteúdos transmitidos através do
ensino, visando sempre a manutenção do status quo. As posições
políticas, sempre divergentes e, muitas vezes, levadas ao extremo,
têm grande peso na interpretação do passado, “o
que constantemente levou a autênticas “guerras da história”1
Josep
Fontana, historiador catalão, faz um breve panorama de como ficou a
historiografia na Espanha durante a ditadura franquista dos anos
1930, década marcada pela ascensão dos embates políticos e
ideológicos entre liberalismo, comunismo e fascismo. Nas
escolas, universidades e outras instituições, a história abordada
era a Nacional, com forte cunho patriótico e doutrinador. O passado
espanhol era alterado em nome das convenções políticas, como
quando “uma
arqueologia impregnada de racismo nazista que menosprezava os iberos
mediterrâneos, revalorizava os celtas “ários” - esquecendo-se
definitivamente de possíveis mestiçagens celtibéricas – e que
chegou a procurar, num vaso antigo, antecedentes da saudação
fascista do braço erguido”2.
O
panorama da
Espanha não
sofre grandes mudanças com o fim da Ditadura Franquista. Ao assumir
o governo, o Partido Socialista Espanhol, e mais tarde o Partido
Popular, continuavam a “fabricar” e difundir a produção
histórica nos moldes patriotas e ultranacionalistas, com ameaça de
censura aos livros que não se enquadravam aos parâmetros
estabelecidos pelo Estado.
Saindo
da Península Ibérica, as
guerras da história se mostram mais violentas na outra parte do
Mundo Ocidental, com maiores agravantes após a divisão ideológica
causada pela Guerra Fria. Segundo Fontana, desde os anos 1930 se
notam conflitos no ensino de História nos Estados Unidos, onde os
livros que não se adequassem aos valores conservadores e patrióticos
eram censurados e eliminados. A Associação Nacional de Manufaturas,
nos anos 1940, possuía mais de 6.800 vigias locais, com a missão de
manter a educação livre do perigo do coletivismo, que pode ser
interpretado como Comunismo.
Após
o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão de duas forças
antagônicas, Liberalismo
(representado
pelos Estados Unidos) e Comunismo (representado pela URSS), os
Estados Unidos passaram a atacar a história progressista de
historiadores como Charles Beard e Carl Becker; e a elaborar uma
história objetiva, que transmitisse ensinamentos morais. Nunca
houve, nas palavras de Fontana, “uma
associação tão íntima entre os historiadores e o poder que se
estabeleceu nestes anos”3.
Historiadores
de prestigiadas universidades passaram a trabalhar na CIA, na OSS, no
Departamento de Estado e em outros órgãos do governo. A produção
historiográfica que começava a se formar nesses anos de embates
ideológicos visava não só a consolidação dos Estados Unidos como
principal potência mundial e a defesa dos valores tradicionais
americanos, mas também atendia ao interesse governamental sobre
informações dos
“inimigos”.
Surgem sovietólogos, kremlinólogos, matérias
universitárias
sobre a Ásia e a Rússia. O historiador George Kennan fixa as linhas
da política norte-americana em relação a URSS; e o professor
emérito de História Russa, Richard Pipes, num
primeiro momento, ataca o comunismo, para mais tarde, minar o estado
de bem-estar social.
Aliava-se
à história, nesse período, a sociologia, surgindo a sociologia
histórica, que interpretava os fatos históricos a partir de modelos
sociológicos esquemáticos. Também era produzida uma história
erudita, representada por maciços trabalhos de compilação
documental. Sociologia Histórica e História Erudita eram voltadas
para o estudo de conflitos sociais e formas de evitá-los ou
contê-los. Podem
ser citadas as obras de Barrington Moore Jr., Charles Tilly e Theda
Skocpol.
A
repressão tornou-se constante no cenário intelectual americano.
Livros considerados subversivos, com tendências pró-comunistas,
eram censurados. A Daughters of the American Revolution chegou a
denunciar 170 livros nessa categoria, que continham, por exemplo,
expressões sobre coletividade, algo considerado pró-comunista. Esse
clima repressivo permitiu o surgimento de uma História baseada na
predestinação, na doutrina Destino Manifesto e em outros “talentos”
considerados natos dos Estados Unidos. Não eram feitas menções às
conquistas dos nativos, a grupos marginalizados e não eram feitas
críticas sociais. Fontana, citando Gendzier, afirma que “voltava-se,
ao mesmo tempo, à doutrina da objetividade, à rejeição da
“ideologia” - isto é, das ideias dos outros – e da “construção
social”4
Os
Estados Unidos, representantes máximos do lado liberal da Guerra
Fria, tinham de estender sua influência para outros países. Seus
ideais eram difundidos através do Congresso pela Liberdade da
Cultura (CCF), dirigido pela CIA e amparados por recursos
provenientes do Plano Marshall. Eram
financiadas revistas propagandistas dos ideais norte-americanos da
Europa à Oceania: Na França, existiu a publicação preuves;
na Grã-Bretanha, a Encounter;
Cuadernos, na
Espanha; Tempo
Presente,
na Itália; e outras de mesmo cunho na Austrália, na
Índia
e no
Japão.
Outros
campos do conhecimento humano passaram por transformações radicais
dentro desse contexto. No
campo das Artes, por exemplo, o realismo, vertente utilizada para
popularizar as artes, é substituído pelo expressionismo abstrato.
Essa
vertente tem uma linguagem complexa, entendida apenas por uma pequena
elite intelectual. As exposições dos artistas expressionistas
abstratos eram financiadas pela CIA. No curso de Letras das
universidades, língua
e literatura passam a ser estudados sem se levar em conta o contexto
social e histórico, apenas o conteúdo do texto. É um estudo
elitista, que evita críticas tanto da direita quanto da esquerda. No
estudo de Ciências Sociais, a National Science Foundation pedia para
aqueles que solicitassem
apoio para seus estudos evitar
qualquer ligação com reformas ou bem-estar social. Se o apoio
viesse da iniciativa privada, os pedidos eram, por exemplo, que se
evitassem pesquisas sobre relações de raça.
Dando
um salto cronológico de quase 50 anos, Josep Fontana sai do período
da Guerra Fria e entra nos anos 90, afirmando, no entanto, que a luta
não terminou naqueles tempos de visível divisão ideológica. Nessa
década, o presidente George W. Bush empreendeu uma grande reforma na
educação dos jovens americanos, na
qual estava incluído o conhecimento das “diferentes heranças
culturais da nação”. A comissão encarregada da área da História
teve uma tarefa árdua ao englobar uma gama de minorias presentes
no país, numa tentativa de construir uma história verdadeiramente
global. Os novos parâmetros de ensino ficaram prontos em 1994, e
quase de imediato passaram a ser denunciados por grandes veículos de
comunicação do porte de Wall
Street Journal,
que os acusavam “como
uma conspiração para inculcar uma educação ao estilo comunista ou
nazista, dentro de uma campanha contra o multiculturalismo e contra
os “tenured radicals”: os professores “radicais” que se
acreditava, sem fundamento algum, controlassem os ensinos de
história, literatura ou antropologia nas universidades
norte-americanas”5.
Emergiam
novamente os conflitos da época da guerra, que de fato nunca foram
superados.
As
perseguições ao marxismo e seus simpatizantes continuava a
funcionar com o mesmo mecanismo dos anos 40: os vigilantes e
historiadores alinhados à classe dominante. O historiador David
Abraham foi perseguido pelo também historiador Henry A. Turner;
Norman Cantor atacava Lawrence Stone; Robert Conquest, que em seu
último livro mostrara como as “ideias revolucionárias devastaram
mentes, movimentos e países inteiros”, atacava o historiador
inglês Eric Hobsbawm, autor de História
do Século XX, livro
bem-aceito
até
nos
meios liberais britânicos.
Voltando
à Europa dividida, a Grã-Bretanha, alinhada ao lado Liberal, tinha
como instrumento de propaganda anticomunista o IRD ((Information
Research Department), que tinha como colaboradores o ilustre escritor
George Orwell, que em troca do apoio de divulgação internacional
das obras A
revolução dos bichos e
1984,
entregou
130 comunistas ao governo. Também colaborava o historiador e
“sovietólogo”
Robert Conquest. A
educação básica, no governo de Margaret Tatcher, foi alvo de
campanhas que visavam um ensino baseado em “valores britânicos”,
sem espaço ao multiculturalismo e às camadas mais baixas da
sociedade, que constitui objeto de estudo da História Social. A
História que Tatcher desejava nos currículos escolares era factual,
limitando-se aos feitos dos primeiros-ministros, questões políticas
e guerras.
Nem
sempre as Guerras da História se davam de forma tão abrangente como
ocorreu nos Estados Unidos. Às vezes, um único fato passado, quando
revisitado e interpretado sob diferentes tendências políticas, é
motivo para acalorados debates acadêmicos. Em 1989, nos 200 anos da
Revolução Francesa, chegava ao fim o regime soviético. Os
historiadores que naquele momento abordavam a Revolução
Francesa,
revisionistas, a
apresentava como um fenômeno sem consequências de transformações
sociais e ponto de partida de momentos políticos do século XX como
a Revolução Soviética e a vitória do bolchevismo.
A
Revolução Francesa começara a ser minada por um novo revisionismo
histórico, inaugurado por Alfred Cobban, que em 1964 afirmou que a
Revolução Francesa não possuía um caráter social; e que em 1789
não existia feudalismo de um lado e burguesia revolucionária do
outro. As formulações de Cobban tiveram
influência em historiadores ex-comunistas, que buscavam uma forma de
redenção pelo passado. Um desses foi o historiador François Furet,
que apoiado por grupos da direita norte-americana, teve
uma rápida ascensão no meio acadêmico, se apresentando ao público
como uma nova autoridade sobre a revolução. Furet,
que tinha uma maior preocupação com a historiografia do que com a
história, foi rejeitado nos meios acadêmicos. Outra característica
de sua produção era a divisão da revolução entre a liberal e
reformista de 1789; e a má, do período do terror, de 1792-1794,
antecedente do comunismo russo. Para Fontana, o cúmulo da
sem-vergonhice de Furet viria com o Dictionnaire
critique de la Révolution française (1988),
quando a
especialista Mona Ozouf e
os organizadores “permitiram-se,
por exemplo, excluir um nome como o de Albert Soboul, cuja obra de
pesquisador no terreno específico da história revolucionária é
superior às do diretor, sua cúmplice e do bando inteiro juntos”6.
Hunt,
Baker e Furet atacavam a interpretação social da revolução. Para
esses autores, para se compreender a Revolução Francesa é preciso
entender o “espaço conceitual em que foi inventada”. Foi
apontado, em uma revista de renome acadêmico, que os impostos eram a
causa do grande mal estar público que desencadeou a revolução.
Para Colin Jones, esses autores estavam reduzindo a Revolução
Francesa a um acontecimento linguístico, esquecendo suas implicações
econômicas e sociais. Essa
redução nada mais era do que uma tentativa de combater a
interpretação jacobino-marxista, vista pelos revisionistas como
dogmática e inflexível.
Mas
foi nessa interpretação que, segundo Fontana, ocorreram avanços
nos estudos sociais da Revolução Francesa. A história
universitária traz à tona questões sociais a tempos ignoradas
pelos revisionistas: as lutas na sociedade camponesa, caminho aberto
por Pierre de Saint Jacob; o enriquecimento de uns e o empobrecimento
de outros; diminuição da classe média; a
novas interpretações de Hoffman e Moriceau, sobre a crise do século
XVIII e sua inserção na longa duração; Kaplan com o abastecimento
de Paris; Markov e Anatoli Ado com a reaparição do feudalismo e o
balanço agrário, ignorados por Cobban; e McPhee e outros sobre as
revoltas camponesas e seus desdobramentos no século XIX. A
burguesia, desde o século XIX considerada a classe que encaminhou a
revolução ao seu ápice, não é uma invenção dos
jacobinos-marxistas, mas sim dos historiadores restauradores como
François Guizot. Num
primeiro momento, os burgueses, cansados da política do Velho
Regime, se juntaram à Revolução, “mas
que, uma vez conseguidas as mínimas liberdades reivindicadas, se
apressaram em pedir ao estado o controle social que os defendesse dos
trabalhadores”7.
Nessa
guerra, para Fontana, não há nada de positivo do legado desse
revisionismo que não apresentou novas perspectivas em relação ao
que atacava, na maioria das vezes, sem argumentos sólidos. Restou
uma história pós-revisionista, que busca na sociedade francesa
mudanças que nela se produziram a longo prazo.
A
Alemanha do pós-guerra estava arruinada não só em sua política e
economia, mas também em sua identidade histórica, que precisava,
depois do fim do nazismo, ser redefinida. Repartida entre as
potências vencedores do conflito, cada região, uma sob influência
capitalista e outra comunista, tinha uma forma de interpretar a
história recente alemã (nazismo e holocausto judeu). A República
Democrática Alemã, comunista, fazia a interpretação através do
mecanicismo dogmático stalinista, e, de acordo com a Terceira
Internacional, interpretavam o nazismo como um capitalismo
monopolista de estado. Surgia
a escola histórica Stamokap.
Essa visão histórica do nazismo foi divulgada na obra de Walter
Ulbritch, A
Legenda do Socialismo alemão
ou O
imperialismo alemão fascista.
Colocar
o Nazismo como um tipo de capitalismo implicava em reduzir a culpa
alemã, expandindo-a
para um âmbito mundial. Para
os membros da escola, a ascensão de Hitler não representou mudanças
socioeconômicas significativas na transição da República de
Weimar para a Ditadura nazista, tendo
em vista que, para eles, Hitler
nada mais era que um fantoche do capitalismo alemão, e que os
verdadeiros culpados pelos crimes nazistas eram os empresários e
banqueiros alemães. O holocausto judeu ficava em segundo plano,
pois, nessa perspectiva histórica, os principais perseguidos pelo
regime nazista eram os comunistas e os trabalhadores.
Na
República Federal Alemã, capitalista, a culpa pelo nazismo era
direcionada a um alvo específico, e evitava-se qualquer tentativa de
responsabilizar o sistema econômico capitalista. Os alvos eram
alguns poucos líderes do regime. Os
crimes cometidos na Alemanha Nazista, dentre eles o extermínio em
massa dos judeus, era responsabilidade dos dirigentes, não do povo
alemão. Os historiadores da República Federal, nacionalistas e
conservadores, consideravam o nazismo um regime totalitário
semelhante ao comunismo. O Holocausto, nas produções
historiográficas, era ocultado; e fabricavam-se resistências ao
nazismo. No entanto, na década de 1960, surgiriam historiadores
preocupados com a história social, como Hans-Ulrich Wehler e Jurgen
Kocka, da escola de Bielefeld, que defendia uma nova história com a
utilização de métodos e teorias das ciências sociais.
O
Holocausto, agora, passaria a ser estudado através de duas
vertentes, a intencionalista e a funcionalista. As duas vertentes
responsabilizavam dirigentes pelo massacre, mas divergiam entre si
nos seguintes aspectos: Para os primeiros, o
extermínio era um projeto prévio de limpeza “racial” da Europa;
Para os funcionalistas, esse extermínio foi realizado de forma
prática, sem um projeto prévio, pois o grande número de
prisioneiros era um problema, aos quais somava-se a invasão
soviética.
No
final dos anos 1980, a
culpabilidade desses dirigentes seria revista. Ernst Nolte,
historiador de direita, já afirmava, nos anos 70, tentava diminuir a
culpa das atrocidades nazistas, dando como exemplos “piores” as
ações norte-americanas no Vietnã e o regime stalinista. Em 1983,
ao publicar O
marxismo e a revolução industrial,
sustentava que o holocausto era uma resposta ao marxismo e à
Revolução Soviética. Em artigo publicado em 1986, Nolte afirmou
que o povo alemão deveria parar de aceitar as culpas a ele impostas.
Para esse historiador “Hitler
não havia feito mais que seguir o exemplo do comunismo soviético e
o extermínio dos judeus não havia sido mais que uma medida
preventiva para poupar os alemães do genocídio de classe com que os
ameaçavam os bolcheviques”8.
Ernst
recebeu uma resposta de Jurgen Habermas, que denunciava sua
característica apologética, isto é, de defesa ao nazismo ou
hitlerismo. O debate dividiu conservadores e sociais-democratas, mas
não se produziu novo conhecimento histórico.
Novas
pesquisas historiográficas vieram à tona, e os argumentos de Nolte
e dos revisionistas iam
perdendo espaço. Essas
novas pesquisas, segundo Fontana, mostraram que Stálin não atacaria
a Alemanha, e Hitler sabia disso. A guerra preventiva de Hitler foi
um pretexto para atacar a nação russa, numa investida final contra
o “bolchevismo-judeu”.
O ataque à Rússia e o extermínio de milhões de judeus “não
foram fatos bélicos “normais”, senão que representam um novo
tipo de guerra encaminhada à aniquilação total e sistemática,
pela fome e pelas execuções, de milhões de seres humanos em nome
da luta contra os fantasmas hitlerianos do judeu-bolchevismo”9.
Os argumentos dos historiadores conservadores cada vez mais ficavam
insustentáveis. Guerras da História surgiam entre os judeus, em
críticas a obras como A
destruição dos judeus da Europa,
de Raul Hilberg, por ter minimizado a resistência desse povo durante
o nazismo; Einchmann
em Jerusalém, de
Hannah Arendt, por afirmar que alguns judeus colaboraram com o
holocausto; e Por
que o céu não se escureceu?, de
Arno Mayer, por ter afirmado que o anti-bolchevismo foi tão
importante quanto o anti-semitismo e que era um elemento para
explicar o holocausto.
Os
debates cessaram por um tempo, mas voltaram com força em 1996, ano
da publicação de Os
verdugos voluntários de Hitler,
de Daniel Goldhagen. A
polêmica da obra surge quando Goldhagen, revisitando fontes já
conhecidas, sustenta que o Holocausto judeu foi o ápice natural do
anti-semitismo alemão, arraigado em sua cultura. Dentre as fontes
está Christopher Browing, que culpava “homens ordinários” pelos
crimes, enquanto Goldhagen culpava “alemães ordinários”. A
obra, criticada por não possuir rigor científico, foi reconhecida
por Hans-Ulrich, por formular a abordagem sobre um tema incômodo
como era o da participação da população alemã durante o regime
nazista.
Terminada
a repercussão do livro de Goldhagen, surgiu uma nova linha de
pesquisa, ou frente de guerra: o papel dos grandes industriais
durante o regime nazista. Essa
nova guerra emergiu depois de mais de 50 anos de silêncio político,
que começava a ser quebrado. Esses grandes grupos industriais, que
tiveram forte participação nos crimes cometidos entre 1939 e 1945,
blindavam-se através da construção de histórias empresariais,
produzidas acadêmicos renomados. Em 1998, Michael Pinto-Duschinsk
publicou um artigo com o título “Vender o passado”, no qual
denunciava os historiadores que, bem pagos, aceitavam fazer as
histórias de empresas alemãs, visando apagar seus passados ligados
ao nazismo. Em 1999, o historiador Jonathan Steinberg trazia mais uma
denúncia
sobre o passado judeu e o nazismo, dessa vez sobre o ouro dos
semitas. Steinberg
e mais um grupo de historiadores, reunidos pelo Banco Alemão,
estudando documentos da sucursal do banco de Istambul, chegaram à
conclusão de que um quarto do ouro era proveniente dos campos de
concentração.
No
mesmo ano, o estudo de documentos das quatro sucursais do banco da
Alta Silésia, revelou pagamentos realizados para construir o campo
de Auschwitz. O grupo de Steinberg ficou em evidência, sendo acusado
de ter sido financiado pelo Banco Alemão para ignorar, no início,
essa documentação. Em 1997, o judeu norte-americano Feldman,
patrocinado pelo banco, deu uma entrevista em Frankfurt, na qual
reclamou da demanda “de velhos trabalhadores-escravos, nem todos
judeus, apresentadas nos Estados Unidos, o que podiam gerar
ressentimentos e aumentar o anti-semitismo”. As denúncias acabaram
da melhor forma para empresas, que indenizaram os poucos
sobreviventes que existiam na época. Essa conclusão, característica
das classes dominantes,
“mostra,
por um lado, a extraordinária eficácia com que os controladores da
história conseguiram manter um silêncio tão duradouro sobre estas
questões incômodas. Mas mostra também seu fracasso a longo prazo,
quando as vozes críticas, que não foi possível silenciar de todo,
reavivaram a consciência coletiva”10.
Assinada
a rendição do Japão, o general MacArthur, através das reformas
impostas aos derrotados, elimina o ensino tradicional,
ultranacionalista e que cultuava o imperador. Pretendia-se criar um
currículo baseado em valores de paz e democracia. De
início, não existiam livros que se adequassem ao desejo
governamental, o que fez com que os antigos fossem utilizados,
censurando-se as partes inadequadas. As escolas tinham a autonomia de
escolher os livros que lhes interessavam, com um limite, em 1955, de
173 exemplares. Os professores mostraram-se simpatizantes da
esquerda, fazendo com que o controle estatal e a censura a textos
aumentasse nas instituições. No ano seguinte, meio milhão de
professores foram às ruas do Japão protestar contra a medida. Ainda
assim, textos que mostravam o “lado ruim” do Japão durante a
Guerra, foram censurados.
O
tradicionalismo nipônico volta nos anos 1980, durante o governo
Nakasone, quando se afirmava que os japoneses eram mais inteligentes
que os norte-americanos, “porque
o Japão era mais homogêneo do ponto de vista racial e tinha menos
imigrantes (esqueceu de dizer que os imigrantes que viviam no Japão
eram também mais discriminados, como o eram os dois ou três milhões
de hurakumin, ou japoneses descendentes de velhos ofícios
infamantes”11.
Os
livros produzidos a partir dessa década defendiam as ações do
Japão durante a guerra, a invasão à China e a invasão da Ásia.
Em 1998, a “Sociedade para fazer novos livros de texto de
História”, comandada pelo professor Fujioka, da Universidade de
Tóquio, apresentava a introdução de um sentido de orgulho na
história nacional; a oposição à culpa dos japonenses pelos crimes
cometidos durante a Segunda Guerra; e a eliminação partes de livros
que fizessem referência a
temas como o das mulheres coreanas forçadas a servir como
prostitutas aos soldados, que para os revisores nada mais eram que
mulheres bem remuneradas que se voluntariavam a esse trabalho.
Esses
exemplos de Guerras da História, escolhidos entre tantos outros com
a mesma ferocidade ideológica, segundo Fontana, revelam “que
os debates a que se referem têm pouco a ver com a ciência e muito
com o contexto político e social em que se movem os historiadores”12.
Os
historiadores que se dedicaram, aliados ao Estado ou a instituições
privadas, a manipular a História, foram verdadeiros serviçais do
poder.
1FONTANA,
Josep. “As Guerras da História”. In: A História dos Homens.
Bauru, (SP).
2Ibidem,
p. 345.
3Ibidem,
p. 347.
4Ibidem,
p. 353.
5Ibidem,
p. 355-56.
6Ibidem,
p. 361.
7Ibidem,
p. 364.
8Ibidem,
p. 370.
9Ibidem,
p. 371-72.
10Ibidem,
p. 377.
11Ibidem,
p. 378.
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