terça-feira, 19 de julho de 2016

Prefácio dos Estudos Históricos de René Chateaubriand (III)

François-René de Chateaubriand. Pintura de Anne-Louis Girodet de Roussy-Trioson.

Terceira e última parte da série de postagens Prefácio dos Estudos Históricos de René Chateaubriand, no qual o autor romântico discorre sobre os temas Escola Histórica da Alemanha, Filosofia da história e a história na Inglaterra e na Itália.

Escola Histórica da Alemanha. Filosofia da história. A história na Inglaterra e na Itália

Próximos a nós, enquanto fundávamos nossa escola política, a Alemanha estabelecia suas novas doutrinas e nos ultrapassava nas altas regiões da inteligência: ela fazia entra a filosofia na história, não essa filosofia do século XVIII, que consistia em lavrar sentenças morais ou antirreligiosas, mas essa filosofia que procura a essência dos seres; que, penetrando o envelope do mundo sensível, procura se não há ali sob esse envelope alguma coisa mais real, mais viva, causa dos fenômenos sociais.

Descobrir as leis que regem a espécie humana; tomar por base de operações as três ou quatro tradições disseminadas entre todos os povos da Terra; reconstruir a sociedade sobre essas tradições, da mesma maneira que se restaura um monumento a partir de suas ruínas, seguir o desenvolvimento das ideias e das instituições nessa sociedade; assinalar suas transformações, indagar à história se não existe na humanidade algum movimento natural, o qual, manifestando-se em épocas fixas nas posições dadas, pode fazer predizer o retorno desta ou daquela revolução, como se anuncia a reaparição dos cometas cujas curvas foram calculadas: esses são interesses imensos. Quem é o homem? De onde vem? Para onde vai? Que veio fazer aqui? Quais são seus destinos? Os arquivos do mundo forneceriam respostas para essas questões? Existe em cada origem nacional uma idade religiosa? Dessa época passa-se para uma época heroica? Dessa época heroica a uma época social? Dessa época social a uma época propriamente humana? Dessa época humana a uma época filosófica? Existe um Homero que canta em todos os países, em diferentes línguas, no berço de todos os povos? A Alemanha se divide sobre tais questões em dois partidos: o partido filosófico e o partido histórico.

O partido filosófico-histórico, à cabeça do qual se coloca Hegel, pretende que a alma universal se manifesta na humanidade por quatro modos: um substantivo, idêntico, imóvel, é encontrado no Oriente; outro individual, variado, ativo, encontra-se na Grécia; o terceiro se compõe do dois primeiros numa luta perpétua e existiu em Roma; o quarto sai da luta do terceiro para harmonizar o que estava diverso: existe nas nações de origem germânica.

Assim o Oriente, a Grécia, Roma, a Germânia oferecem as quatro formas e os quatro princípios históricos da sociedade. Cada grande massa de povos, colocados nessas categorias geográficas, tira de suas posições diversas a natureza de seu gênio, o caráter de suas leis, o gênero de eventos de sua vida social.

O partido histórico se atém somente aos fatos e rejeita toda fórmula filosófica. Niebuhr, seu ilustre chefe, cuja perda recente foi deplorada pelo mundo letrado, compôs a história romana que precedeu Roma; mas não reconstruiu seu monumento ciclópico em torno de uma ideia. Savigny, que seguiu a história do direito romano desde sua época poética até a época filosófica à qual chegamos, não procura mais o princípio abstrato que parece ter dado a esse direito uma espécie de eternidade.

A escola filosófico-histórica de nossos vizinhos procede, como se vê, pela síntese, e a escola puramente histórica, pela análise. Estes são os dois métodos naturalmente aplicáveis à ideia e à forma. A escola histórica diz que o fato coloca em movimento o espírito humano: esta última escola reconhece ainda um encadeamento providencial na ordem dos eventos. Essas duas escolas tomam na Alemanha o nome de sistema racional e sistema supranatural.

Afinadas com as duas escolas históricas, marcham duas escolas teológicas que se unem às duas primeiras segundo duas diversas afinidades. Essas escolas teológicas são cristãs; mas uma faz sair o cristianismo da razão pura; a outra, da revelação. Nesse país onde tantos altos estudos são levados tão longe, não ocorre a ninguém que a falta da ideia cristã na sociedade seja uma prova dos progressos da civilização. [...]


FONTE GERAL DA SÉRIE DE POSTAGENS:

MALATIAN, Teresa. Chateaubriand. In: MALERBA, Jurandir. Lições de história: o caminho da ciência no longo século XIX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. pp 113-131.

CRÉDITO DA IMAGEM:

commons.wikimedia.org

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