1° imagem: parte da pintura O triunfo da morte (1562), de Peter Bruegel. 2° imagem: Catedral Gótica de Orvieto, Itália.
Texto produzido a partir de exercício avaliativo sobre História Medieval I ministrado pelo Professor Dr. Sínval Carlos Mello Gonçalves como primeira nota da disciplina.
Aprendemos
no ensino básico que a Idade Média é uma
parte
da História da Europa que vai do século V ao século XV. O ano de
476, com a queda do Império Romano do Ocidente, é o marco
inaugural; e o fim ocorre em 1453, quando os turcos otomanos tomam
Constantinopla, capital do Império do Oriente. Vez ou outra, um
professor ou professora podem se referir a esse milênio de história
europeia como a “Idade das Trevas”, marcada
pela supremacia e opressão da Igreja e por crises e guerras. Outros,
no entanto, podem fazer o contrário, se referindo a esse recorte
histórico como uma época de avanços técnicos, de fabulosas
produções artísticas e de
valorização das tradições.
O objetivo desse texto é justamente esse: entender como foram
construídas, ao longo dos séculos, diferentes imagens desse período
histórico.
O
nome que esse período recebe, Idade “Média”,
já carrega um
estigma, como se este fosse algo menor entre a Antiguidade Clássica
e a Idade Moderna. Em
1469, o bibliotecário do Vaticano e humanista Giovanni Andrea,
cunhou o termo Idade Média (medium
aevum, media tempestas, mediae aetas),
uma idade do médio, intervalo entre a Antiguidade Clássica, período
de esplendor cultural para os humanistas, e a Idade Moderna, tempo em
que viviam, marcado por inovações e revalorização da cultura
greco-romana.
Francesco Petrarca (1304-1374) em seu poema épico África,
utilizou a palavra escuridão para se referir à sua época.
Ela
surge como instrumento historiográfico no recorte da história em
três idades (Antiguidade, Idade Média, Tempos Modernos) feito pelos
eruditos alemães no século XVII, dos quais podemos citar Rausin, em
1639; Gisbertus Voetius; em 1644; e Georg Horn, em 1666. Nesse ponto,
por mais que ainda seja
intervalo, ela ganha destaque ao aparecer como uma parte integrada à
história ocidental. O
historiador eclesiástico Caesar Baronius, recuperando os escritos de
Petrarca, cunhou o termo saeculum
obscurum
(século obscuro, Idade das Trevas).
Os
iluministas do século XVIII, mergulhados no
espírito crítico e na valorização da razão, e amantes das
liberdades burguesas, veem na figura da Igreja medieval e no modelo
de Estado os sinônimos de obscurantismo e supressão da liberdade de
pensamento. Adam Smith, autor de A
Riqueza das Nações, vê
na economia feudal e no controle estatal os contrapontos ao
liberalismo e progresso de sua época. O século das “Luzes” foi
decisivo para a construção da imagem duradoura que ficou da Idade
Média: Uma época de fanatismo
religioso, irracionalismo,
repressão intelectual e
atraso econômico.
O
Movimento Romancista do século XIX, em oposição às visões
negativas forjadas anteriormente pelo Iluminismo, ao qual fazia
oposição, e ao racionalismo e liberalismo de
sua época, idealizou
a Idade Média como um período de espiritualidade, de exaltação
das tradições nacionais e
das visões fantásticas de mundo. Inúmeras
obras com temática medieval cavaleiresca foram publicadas no
período, como Ivanhoé, romance histórico de Walter Scott. As
nações europeias buscam suas raízes históricas nos francos, nos
gauleses, nos celtas, nos
visigodos e nos saxões.
Segundo
o historiador e professor Jérôme
Baschet (2006) “[…] a
Idade Média convida, com particular acuidade, a uma reflexão sobre
a construção social e sobre a função presente da representação
do passado” (p. 26). Analisando
essa citação podemos compreender como as representações,
construções da Idade Média, feitas em tempos posteriores, atendem
a interesses distintos, que vão desde a depreciação (século XV) à
valorização (século XIX).
Como
devemos, então, nos referir
a Idade Média? “Nem legenda negra, nem legenda rosa”, escreveu
Le Goff. Devemos evitar tanto a imagem de uma Idade das Trevas como a
idealização de uma época de ouro. É
uma característica comum das culturas humanas
buscar através de
construções do passado
bases para se assentar como novas e civilizadas, ou
valorizar o passado para criticar sua própria época.
FONTE:
BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo Editora, 2006.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
www.sanderlei.com.br
www.aascj.org.br
Excelente texto!
ResponderExcluirMuito obrigado, Reid. O livro do professor Jérôme Baschet, considerado uma síntese, nos faz pensar esse período da História Ocidental de outras formas. Abraços.
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