Mais um texto recuperado do historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Ele foi publicado originalmente na Série Memória da Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto (AM) com o título Os divertimentos públicos de antanho. Nesse texto o autor aborda, da Província às transformações advindas com a economia gomífera e a República, os locais de divertimento da sociedade manauara.
O já demolido Cine Guarany, na Av. Floriano Peixoto, no Centro.
Mário Ypiranga Monteiro
São escassas as informações que temos a respeito de centros de atrações para adultos e menores. Parece que devemos aos primeiros jornais uma ou outra nota muito sucinta, que disfarça de certo modo uma negligência não proposital. Geralmente o aspecto social da região - Manaus, por exemplo- não despertava a atenção do noticiarista nem mesmo a curiosidade do fotógrafo, do desenhista, oficial ou não. Somente a partir de 1870 (naquela altura Manaus já possuía seis fotografias) é que se fala em Pastorinhas, posto que o bumbá fosse notado desde 1787.
De 1865, mais ou menos, são as notícias na imprensa sobre bailes carnavalescos em sedes de clubes, fazendo-se notabilizar o carnavalesco Joaquim José da Silva Pingarilho, que explorou a mina de ouro durante vinte anos, com pouca concorrência. Isto não significa que o ambiente social daquela época para trás não comportasse um derivativo erótico tão animado como a dança. O índio sempre foi festeiro, e o caboclo, seu imediato, ao construir a casa reserva sempre a sala para os dançarás. Naquele tempo os habituês das festas eram obrigados a levar suas cadeiras, pois o Pingarilho e outros não eram de muitas mordomias.
Depois das animadas festas carnavalescas assume a liderança, por muitos anos, o teatro, que aliás sempre foi uma fórmula de expressão social mesmo entre as populações indígenas, que não usando a tecnologia comunicada pelos portugueses, desde o descobrimento, faziam-no através os vários rituais em que tomava parte toda a comunidade. O primeiro teatro coberto, construído de palha - "Thalia" - (e crismado de "Porco Espinho") ficava no sítio da praça de Tamandaré, esquina das hoje ruas de Miranda Leão e Marquês de Santa Cruz. Chamavam-no assim por causa das pontas da palha viradas para cima por influência do sol. Depois dele foi construído o de madeira, chamado "Éden Theatro", do mesmo Pingarilho associado ao sr. José Casemiro do Prado. Nesse começaram a aparecer companhias líricas europeias, francesas, italianas e portuguesas, e fez-se perfeita "diva" a senhora Eufrásia. Parece que foi nele que se representou a tragédia "A Calúnia", original de Casemiro do Prado. Depois do "Éden Theatro" veio o "Apolo" já de cantaria de pedra, localizado onde hoje é os fundos da Loja Bemol. O teatro parece haver sido a coqueluche dos animados habitantes de Manaus, que nunca o perderam de vista, valorizando-o até que em 1881 se definisse por um teatro maior e mais luxuoso.
Apesar do seu isolamento como simples Comarca e depois Província, a região possuía atrativos que variavam de tempo e de lugar, salientando-se as diversões familiares. Manaus possuiu um velódromo (praça do Rio Branco), Carrocel (mesmo local), Recreio Aurora, onde se corriam touros (atrás da futura Penitenciária), balneários públicos (Cachoeira Grande, Pancada), e particulares, circos itinerantes, "gabinetes physicos", onde os charlatães pescavam coelhos de cartolas, saraus com quadrilhas à francesa e rural, os cotillons, os "salões de leitura", particulares, as bibliotecas, os museus. O mais importante desdes era o Museu Botânico, dirigido pelo dr. João Barbosa Rodrigues. Na entrada do século surgiu o Jardim Zoológico, de propriedade e direção do súdito francês Mr. Pressier, estava localizado em casarão da rua de Belém, próximo ao Entroncamento, numa área bastante ampla, mas não possuía muitas espécies estranhas ao meio, somente um velho leão, e pavões reais que haviam sido adquiridos do espólio do dr. Eduardo Ribeiro. Havia uma anta domesticada, que servia para passear crianças e obter-se fotos originais.
O fonógrafo, primeira manifestação do que seria o gramofone, depois a vitrola e mais tarde a eletrola, funcionava em casa particular da praça dos Remédios. Afastado do centro urbano, a casa "Bilhares", que deu nome ao bairro, do barão de Floresta Bastos, atraía nos domingos e feriados uma multidão de aficionados do bilhar. Existe uma boa fotografia de 1914, mostrando a casa rústica e no pátio uma profusão de autos Ford, o que vem desmentir a irritante premissa de que em Manaus "não havia muitos carros motorizados" e a população só se deslocava a pé ou em montaria. De fato, todas as grandes famílias possuíam de preferência seus landoletes, seus tilburis, suas charretes, suas seges de uma parelha, suas berlindas, mas era também notória a invasão dos automóveis. E tinham os bondes elétricos, e antes dos bondes, a "machambomba", ou locomotiva que arrastava vagões de madeira. Não tivemos bondes puxados a parelha de burros, como no Pará. Nós saímos da máquina a vapor - o locomóvel - cuja estação central ficava em casa da avenida de Epaminondas (lado da praça do General Osório) e terminal da antiga Estação de Bondes, à praça do Comércio.
O cinema surgiu na vigência do século, exibido no Teatro Amazonas, mas o decano dos cinemas foi o Politheama, localizado então na avenida de Eduardo Ribeiro, onde era a casa comercial Lojas Populares, do Braga. A firma Fontenele & Cia, francesa, construiu a sede do Politheama no antigo lugar denominado Pitiú, um chavascal drenado pela comuna, formado pelo igarapé dos Remédios. O Cine Odeon só surgiria mais tarde, para concorrer com o outro. O segundo Politheama era de armação "Império", coberto de corrugado inglês e consta que sua planta é da autoria do engenheiro arquiteto M. Pimentel, que planejou a estrutura do Hipódromo Amazonense.
O Politheama, como depois o Cassino Julieta, são pré-frabricados, e dos poucos materiais que resistiram ao impacto das soluções anti-estéticas do momento atual.
Resta-nos o trabalho de contestar, como inverossímil, quem dá o igarapé de Manaus, fim da rua Doutor Almino, como local de banho das famílias de Manaus. Que alguém ali tomasse banho não seria novidade, pois se sabe de afogamentos de rapazes que disputavam mergulhos, saltando do convés de navios ali ancorados, inclusive o colombiano "Narino". Mas alegar que aquilo era "ponto de encontro da sociedade amazonense" é pura invencionice, pois os locais de encontro das famílias eram os convescotes domingueiros na Cachoeira Grande e na Pancada. Ou nos balneários particulares, que existiram desde a metade do século XIX, conforme vamos tentar elucidar noutra lâmina desta coletânea de memórias avulsas.
FONTE:
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Os divertimentos públicos de antanho. Manaus, Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 6° ed, n° 112, novembro de 2002.
CRÉDITO DA IMAGEM:
Acervo do pesquisador Ed Lincon
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