quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Manaus, sua origem: Imbróglio do aniversário de Manaus

Vista aérea de Manaus, 1990.

" Salve 24 de Outubro de 2005, data que Manaus completa 336 anos de fundação!". É feriado no município de Manaus; quase ninguém formalmente trabalha. No entanto, o cidadão comum mal sabe que essa exclamação é oriunda de uma verdadeira mixórdia, pois se trata de uma mistura de tempos, eventos e significados que rigorosamente nada têm a ver uns com os outros.

Começo pela "fundação" da cidade. Ainda não se conhece nenhuma evidência documental ou qualquer outra, que autorize afirmar que o governador e capitão-general do Maranhão e Grão-Pará, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1667-1671), tenha ordenado ao capitão Francisco da Mota Falcão a fundar a cidade de Manaus. No máximo, esse militar teria ordens para edificar, em 1669, um estabelecimento militar que ganhou o ostentoso nome de Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. Do mesmo modo, até agora nada corrobora que essa edificação ocorreu mesmo nesse ano. Porém, se for verdadeiro, qual o mês, qual o dia em que o ato da fundação teria ocorrido ?

Normalmente atos dessa natureza são solenemente registrados por autoridades do poder público. Por exemplo: a fundação do Forte do Presépio - núcleo remoto da cidade de Belém - teve origem na ordem expressa no Regimento de Francisco Caldeira Castelo Branco, no qual se ordenou que fosse erigida uma fortificação, cuja fundação data de 12 de janeiro de 1616; outro exemplo, é o da Fortaleza de São Joaquim, edificado na confluência dos rios Tacutu e Branco, cuja construção foi ordenada através da Provisão Régia de 4 de novembro de 1752, mas só iniciada as obras em 1775, já no governo do capitão-general João Pereira Caldas.

A confusão continua. Em 1969 as autoridades constituídas do Município de Manaus e do Estado do Amazonas festejaram o aniversário de 300 anos da cidade de Manaus. Porém, em 24 de outubro de 1998 as mesmas autoridades comemoraram o "Sesquicentenário de Manaus", isto é, os 150 anos da cidade de Manaus. Pelo festejo anterior dever-se-ia estar celebrando pelo menos os 329 anos da cidade.

Hoje, comemoram-se os 336 anos da cidade. Tentarei explicar essa confusa trajetória. Os antigos cronistas e os autores mais recentes estão de acordo de que a Fortaleza da Barra do Rio Negro foi fundada em 1669, mesmo sem uma documentação comprobatória. Em volta dessa edificação militar se desenvolveu um verdadeiro "curral de índios", local onde era amontoado o produto das caçadas humanas, transformado em plantel de escravos à espera do momento adequado para serem transportados para Belém.

Além do "curral de índios" que se compunha de uma população transitória, no entorno da Fortaleza também se desenvolveu um aldeamento composto principalmente pelos índios Baníuas, Barés e Passés oriundos dos rios Içana, Negro e Japurá, que passaram a viver na condição de índios aldeados. O conjunto Fortaleza da Barra e o seu entorno em 1790 abrigou a sede da Capitania do Rio Negro no governo Lobo d' Almada (1788 - 1799) com a denominação de Barra do Rio Negro. No entanto, oito anos mais tarde perdeu essa condição, sendo dessa forma rebaixada à categoria de um simples Lugar, pois a sede do governo voltou a ser a vila de Barcelos. Voltando, entretanto, à condição de sede do governo por volta de 1808, e assim se manteve até o fim do período colonial.

Com a incorporação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro ao Império brasileiro, em 1823, a Capitania do Rio Negro foi transformada numa simples Comarca da Província do Pará; não obstante isso, a Barra do Rio Negro continuou sendo a sede dessa jurisdição. No início da década de 1830, houve uma mudança no Império em termos político-administrativo; por conta disso, a Comarca do Rio Negro mudou de denominação, passando a ser chamada de Comarca do Alto Amazonas, cuja sede foi novamente, em 25 de julho de 1833, elevada a condição de Vila com a denominação de Manaus.

Em 1848, a Assembleia Provincial Paraense, através da lei N° 145 de 24 de outubro desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. Somente pela Lei N° 68, de 4 de setembro de 1856, de autoria do deputado João Ignácio Rodrigues do Carmo, foi que a cidade passou a ser definitivamente denominada de Manaus.

Portanto, temos agora as chaves para as duas idades da cidade de Manaus. A da fundação da Fortaleza da Barra do Rio Negro, 1669; e a elevação de Manaus à categoria de cidade, em 24 de outubro de 1848. Na primeira, mesmo com a incerteza, tem-se o ano; na segunda, tem-se o dia o mês e um ano; entretanto, ambas não correspondem à verdade histórica que se procura acerca do nascimento da cidade.

Se se contar da fundação da Fortaleza, Manaus completaria, hoje, 336 anos de idade; se se contar da elevação à categoria de cidade, Manaus teria, hoje, 157 anos. Para pôr fim a essa situação desconfortável, alguns poucos preocupados com as festas solenes do evento patrocinadas pelas verbas públicas resolveram "franksteinear" a data do aniversário natalício da cidade, passando a ser contado, a partir de 24 de outubro de 1669. O dia e mês de um evento e o ano de outro. Eis o imbróglio.

Na realidade inventaram um dia de feriado ao arrepio da História, quase característico daquilo que o historiador inglês Eric Hobsbawm definiu como "tradição inventada", que seriam as práticas, muitas vezes tácitas, que visam a inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição. Neste caso o subentendimento cedeu ao escancaramento. Virou lei.

Não sei se esse tipo de questionamento leva a algum lugar. Em todo caso, já que as elites que dominam o poder público manauense e amazonense necessitam tanto desses tipos de eventos cívicos para exercitarem seus discursos carregados de nativismo piegas, deveriam criar outros feriados, a exemplo da elite política nacional que festeja o Descobrimento do Brasil, em 22 de abril e a Independência, em 07 de setembro. No caso de Manaus, uma festa para a Origem de Manaus (não para fundação), e outra para a Elevação de Manaus à categoria de cidade. Assim tudo fica "bonitinho dentro do vidrinho" (bordão de um comunicador local), e se põe fim essa embrulhada. Contudo, o evento da origem necessita de pesquisas, que o poder público deveria incentivar.

Finalmente, ainda nessa linha de raciocínio "cívico", não caberia ainda, a criação do feriado comemorativo ao Descobrimento do Amazonas; o dia em que o bergantim do espanhol Francisco de Orellana penetrou no rio Amazonas? "

SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado em CD-ROM no Jornal do Commercio nos dias 22, 23 e 24. 10. 2005, em Manaus.

Manaus, sua origem: Tristeza e lágrimas na Cidade Flutuante

Postal "Rua da Cidade Flutuante", 1960.

Terminado o ciclo da borracha, um grande contingente de trabalhadores ficou abandonado nos seringais e nas cidades do interior. Buscando oportunidades e melhores condições de vida, essas pessoas migraram para a capital. A partir de 1920, começou a se formar na orla do rio Negro, mais exatamente no porto de Manaus, um enorme aglomerado de casas de madeira e palha, que ficou conhecido como Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial que chegou a ter cerca de 12.000 habitantes. A "cidade dentro da cidade" teve seu fim durante o governo de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964 - 1967).

Ninguém, absolutamente ninguém, pode discordar de que as autoridades estão mesmo dispostas a terminar de uma vez por todas com a famosíssima Cidade Flutuante. Diariamente, a reportagem vem assistindo o drama triste e um tanto doloroso das famílias que são obrigadas a abandonar seus lares de longos e longos tempos, para em seguida virem seus flutuantes serem destruídos. A quebra quebra de flutuantes todos os dias é o que há de mais triste que se pode imaginar. Temos visto por exemplo, as lágrimas que correm pelas faces [...] das mulheres e crianças que ficam sem teto.

A Capitania dos Portos do nosso Estado, enquanto isso, vem agindo severamente no processo de liquidação dos flutuantes [...]. A população desse submundo encontra-se aterrorizada em face da maneira violenta com que estão destruindo as casas. Por outro lado, quase todos os proprietários de estabelecimentos comerciais [...] estão com prazo marcado para abandonarem ou retirarem seus flutuantes daquele local.

[...] Não estamos contra as medidas adotadas pelas autoridades competentes, o que não concordamos é com a violência pela qual estão quebrando os flutuantes. Acreditamos que as autoridades sabem o que fazem ou do contrário as consequências para as pessoas desabrigadas serão terríveis.

Assim pois, apelamos as autoridades responsáveis para que continuem no processo de extermínio da Cidade Flutuante, mas que esse processo não venha a prejudicar de maneira fatal as humildes famílias ali residentes. É preciso muita calma, muita calma mesmo.

Tristeza e lágrimas na Cidade Flutuante. Jornal O Grito. Manaus, quarta-feira, 31 de março de 1965. Acervo pessoal.


Com o fim da Cidade Flutuante, em 1967, seus antigos moradores foram residir em outras áreas de Manaus, principalmente em bairros em processo de formação, como a Raiz, na zona Sul, e a Compensa, na zona Oeste.

Postal da Cidade Flutuante, 1960.


CRÉDITO DAS IMAGENS: http://catadordepapeis.blogspot.com.br/

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Destruição na Amazônia: o maior terremoto do Brasil

Ilustração sobre possíveis efeitos do terremoto no Amazonas em pintura da artista Marlene Costa.

Um terremoto na Amazônia devastou há mais de 300 anos uma grande área na margem esquerda do rio Amazonas, a aproximadamente 45 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. Fortes ondas no rio Amazonas alteraram o sentido da corrente de um de seus afluentes, o rio Urubu, e inundaram aldeias indígenas à semelhança de um tsunami de pequeno porte.
Relatado no diário do padre Samuel Fritz (1654-1725), que atuou na Amazônia durante 40 anos catequizando os índios, o terremoto de 1690 é atestado cientificamente pela primeira vez, com base em estudos sismológicos do pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), Alberto Veloso.
O estudo foi publicado recentemente na revista da Academia Brasileira de Ciências, em versão em inglês.
Em entrevista exclusiva concedida à agência Amazônia Real sobre sua pesquisa, Alberto Veloso diz que, após seus estudos, o terremoto de 1690 já pode ser considerado como o maior do Brasil. Ele estima que a magnitude do terremoto foi de 7 na escala Richter, sendo sentido a mais de mil quilômetros de seu epicentro, localizado na margem esquerda do rio Amazonas, a cerca de 45 quilômetros de Manaus, que na época era um ajuntamento de cabanas cobertas de palhas.

Leiam mais em: Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/pesquisa-atesta-que-terremoto-na-amazonia-em-1690-foi-o-maior-do-brasil/

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Comunidade Kalunga



Na língua banto, de origem africana, Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores (...), significa "lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família", ou "lugar onde nunca seca, arável, sendo bom para as horas de dificuldade". A terra começou a ser habitada em meados do século XVIII, quando africanos escravizados fugiram em busca de liberdade.

Era o período de colonização da região de Goiás em busca do ouro e da garimpagem, em que, além das populações nativas e indígenas, africanos foram escravizados como mão de obra barata. Em busca de libertação, estes escravos fugiram e criaram seu quilombo em uma terra de difícil acesso, com serras, vãos e rios; distante dos parentes e amigos que ficaram para trás. Os Kalungas representam um povo que se escondeu e luta, há mais de 300 anos, por sua comunidade, pela liberdade e sobrevivência. 

O quilombo Kalunga ocupa 237 mil hectares e abriga mais de 4.500 pessoas. São quatro núcleos principais de população: Contenda, Vão de Almas, Vão do Moleque e Ribeirão de Bois, que ficam nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Esse núcleos são formados por pequenos povoados como Engenho, Diadema, Riachão, Ema, entre outros. No entanto, mesmo com esta divisão, é difícil visualizar o habitat da população.

As festas populares dos Kalunga são sua marca registrada. A forte religiosidade do povo é demonstrada por meio dos festejos em homenagem aos santos de cada época. As festas são a caracterização genuína da cultura popular, em que o sagrado e o profano se misturam. Rezas e a dança da Sussa, o tradicional Levantamento do mastro do Divino e a mesa cheia de comidas e bebidas para a Festa do Império Kalunga, com a coroação do imperador e da rainha.

Mais do que comemoração religiosa, as festas têm um papel social. É nessas festas que parentes se reencontram, crianças são batizadas, são realizados casamentos, reivindicações são ouvidas por representantes políticos, etc. Quando reunidos, a nação Kalunga mostra ainda mais sua humildade, sua alegria e o valor de se preservar as tradições. Sempre dispostos para o trabalho e para o festejo, os Kalunga não veêm tempo ruim. Um exemplo da brasilidade mais genuína, que mais do que qualquer outra necessidade, requer respeito.




FONTE: Comunidade do Sítio Histórico Kalunga. Disponível em: http://www.encontrodeculturas.com.br/encontroteca/grupo/comunidade-do-sitio-historico-kalunga#.VDTNjfldXxE . Acesso em: 08/10/2014.


CRÉDITO DA IMAGEM: http://encantosdocerrado.com.br/

Manaus, sua origem: os limites da cidade em 1852

Planta da cidade de Manaus em 1852.


“Em 1852 a villa da Barra, hoje cidade de Manaus, conservava-se tal qual devera ter sido em 1832, tendo menos população e número maior de seus edificios em ruinas. Por um croquis da planta da villa, que foi traçado a vol d’oiseau por meu sempre lembrado pai – João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, nos primeiros dias do referido anno de 1852, (...) Era cortada a cidade da Barra (...), ao Norte pelo igarapé da Castelhana, que desagua no da Cachoeira Grande e pelo dos Remedios (Aterro), no logar denominado Mocó, cujas aguas lançam-se no Rio Negro. Este último igarapé dividia o bairro da República do dos Remédios.

Ao Occidente o igarapé da Cachoeira Grande limitava a cidade, e entre elle e o do Espirito-Santo corriam os igarapés de S. Vicente, cuja fonte estava situada na extrema occidental da rua da Palma, hoje denominada Saldanha Marinho; e o da Bica, seu affluente, que nasce na rua 10 de Julho, ainda não existente nessa epocha, e cujo leito se estende ao longo do largo da Polvora, formando com o igarapé da Cachoeira Grande o arrabalde denominado Cornetas e Saco do Alferes. Abaixo do igarapé de S. Vicente desaguava no Rio Negro um outro que denominava-se de Seminário, cuja nascente era na rua Brazileira, tendo sido transformado depois na Praça da Imperatriz. Esses dous igarapés formavam o bairro de S. Vicente, assim como o do Seminario e o do Espirito Santo o bairro que tomava deste o nome. O igarapé de S. Vicente lança-se por duas boccas no Rio Negro e forma a ilha de S. Vicente, onde se acha installada a enfermaria militar. Também desagua no mesmo rio o igarapé do Espirito-Santo, cuja nascente estava próxima do logar onde se acha edificado o theatro.”


(ARANHA, Bento. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Inprensa Oficial, 1897)



CRÉDITO DA IMAGEM: manausantiga.blogspot.com

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Manaus, sua origem: as esculturas da casa misteriosa

Desde pequeno, quando eu ia ao Centro, ficava olhando para o belo casarão branco e rosa, localizado na esquina das ruas Leovigildo Coelho e Quintino Bocaiúva. Esse casa me chamava a atenção pelo fato de eu nunca ter visto sair uma "viva alma" de dentro dela. Essa pulga atrás da orelha continua até hoje: não vejo ninguém entrar e nem sair. Outro ponto que chama a atenção são as belas esculturas que ornamentam o jardim da residência, que não está abandonada. São anjinhos, figuras femininas e até um coreto. 

As esculturas que fotografei são duas figuras femininas, que ornamentam a escadaria de acesso à casa. Elas possivelmente são Alegorias à agricultura, pois ambas carregam foices e feixes de trigo. Quanto as suas origens, elas podem ter vindo da Europa sob encomenda. As duas principais fornecedoras de escultura para o Brasil, Saracen Foundry, da Escócia, e Funderies do Val d´Osne, da França, produziam peças em larga escala e as vendiam em catálogos. Não é muito difícil encontrar peças semelhantes em todo o Brasil.



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Manaus, sua origem: As impressões de Alfred Russel Wallace sobre a Vila da Barra do Rio Negro

Vila da Barra do Rio Negro em 1848.

Alfred Russel Wallace foi um dos mais importantes naturalistas do século 19. Após conhecer o entomologista Henry Walter Bates, decidiu empreender uma série de viagens por regiões tropicais, para estudar sua fauna e a flora, além de lançar os fundamentos da Teoria da Evolução das Espécies. Os dois amigos partiram de Liverpool, em 27 de abril de 1848, em um pequeno navio, rumo à foz do rio Amazonas, nela chegando em 26 de maio do mesmo ano. Sobre a vila da Barra do Rio Negro (atual Manaus), Russel deixou preciosas anotações sobre a localização, atividades econômicas e costumes dos habitantes.

Sobre a localização da vila, ele nos informa que ela "está situada na margem leste daquele rio (Negro), cerca de doze milhas acima de sua junção com o Amazonas. E está localizada em um terreno desigual repleto de ondulações, cerca de trinta pés acima do nível das mais altas cheias, e é cortada por dois córregos, cujas águas, na estação chuvosa, atingem a considerável altura, havendo, porém, sobre eles duas pontes de madeira"

As ruas vão ser motivo de reclamação para os futuros viajantes. Para Wallace, "elas são regularmente traçadas; não têm, no entanto, nenhum calçamento, sendo muito onduladas e cheias de buracos, o que torna a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável, principalmente à noite".

As casas são simples "geralmente só tem um pavimento; são cobertas de telha vermelha e assoalhadas com tijolos, têm as paredes pintadas de branco ou de amarelo; e as portas e janelas pintadas de verde. Quando o sol bate sobre elas, o efeito é muito bonito."

Do Forte de São José da Barra, núcleo de origem da cidade, erguido em 1669, "só há, presentemente, uns restos de muralhas e um monte de terra".

Existiam duas igrejas católicas na localidade, a dos Remédios e a de Nossa Senhora das Graças. "Muito pobres e bastante inferiores à de Santarém". Manaus não possuía construções imponentes, situação que só iria mudar mais de 30 anos depois, graças a economia da borracha.

Existiam entre 5.000 e 6.000 habitantes, dos quais "a maior parte é constituída de índios e mestiços. Na verdade, não há ali uma única pessoa, nascida no lugar, da qual se diga que seja de puro sangue europeu, tanto e tão completamente se teêm os portugueses amalgamado (mesclado, misturado) com os índios".

Os comércio era baseado na exportação de castanhas, peixes e drogas do sertão, e as importações "são tecidos europeus, de inferior qualidade, cutilaria ordinária, colares, espelhos e outras bugigangas mais". Esses objetos de menor valor eram utilizados no comércio com os indígenas.

gêneros de primeira necessidade, ou produtos mais sofisticados como queijos, vinhos e trigo, "são sempre muito caros e, por vezes, não se pode obtê-los, quando chegam a faltar". 

"Os habitantes mais civilizados da Barra dedicam-se todos ao comércio, não havendo ali qualquer outra diversão, se assim podemos considerar, que não seja a de beber e jogar em pequena escala".

Além disso, hábitos cosmopolitas faziam parte dos costumes locais. "Aos domingos, principalmente, todos trajam as suas melhores roupas. As mulheres vestem-se elegantemente, exibindo lindos vestidos, confeccionados com gazes e musselinas francesas". Os homens deixam os afazeres nos armazéns e "trajam nesse dia bonitos ternos escuros, chapéu de castor, gravata de cetim e finíssimos sapatos de pelica".

O principal passatempo do dia era fazer visitar uns às casas dos outros , "para palestrar, tendo como assunto principal da conversação os escândalos, que se acumularam durante a semana".

Wallace fez uma conclusão que ficou famosa que passou a ser reproduzida em vários livros de História do Amazonas: "os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que qualquer outra comunidade civilizada". Apesar de ser um exímio naturalista, Russel tinha uma visão Eurocêntrica de mundo.



FONTE: WALLACE, Alfred Russel. Viagem pelo Amazonas e Rio Negro. Edição Brasilianas. Série 2°, vol. 158. 1939.


CRÉDITO DA IMAGEM: catadordepapeis.