quinta-feira, 10 de maio de 2018

Conhecendo o Arquivo Público do Estado do Amazonas


Prédio do Arquivo Público do Estado do Amazonas, na rua Bernardo Ramos, Praça Dom Pedro II, Centro.

O Arquivo Público do Estado do Amazonas, localizado na rua Bernardo Ramos, na Praça Dom Pedro II, bairro Centro, foi fundado em 19 de agosto de 1897 através de um decreto do então governador Fileto Pires Ferreira (1896-1898), tendo como objetivo guardar e conservar os documentos oficiais emitidos pelo governo. Antes, quando da instalação da Província do Amazonas em 1852, já é citada a organização do Arquivo Provincial1.

A estrutura atual do arquivo foi definida pelo Decreto n° 19.670, de 23 de fevereiro de 1999, tornando-o uma Coordenadoria subordinada à Secretaria de Estado da Administração, Coordenação e Planejamento (SEAD), que recolhe, organiza e divulga os documentos de valor histórico oriundos de diferentes esferas do poder público do Amazonas. Entre 2015 e 2017 essa instituição passou por reformas em sua estrutura física e administrativa, com recuperação da fachada, organização e catalogação dos documentos feita por historiadores e arquivistas Em 23 de maio de 2017 foram aprovados o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade de Documentos das Atividades-Meio produzidos pela Administração Pública do Estado do Amazonas; e o Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas (SAGED-AM). Em junho do mesmo ano foram instituídas a Comissão Central de Avaliação de Documentos e as Comissões Setoriais de Avaliação de Documentos.

A Tabela de Temporalidade de Documentos das Atividades-Meio é o instrumento que passa a determinar os prazos de permanência de cada documento em sua fase de vida2 e o tipo de arquivo ao qual será destinado, podendo ser arquivo corrente, arquivo intermediário ou arquivo permanente. O Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas (SAGED-AM) dinamizou o trabalho sobre os arquivos, pois antes tratava-se apenas do destino dos documentos que já existiam. Agora o documento recebe tratamento desde sua criação, passando pelo uso, avaliação e arquivamento.

Os documentos do Arquivo Público do Estado do Amazonas são de natureza político-administrativa: Edições da Imprensa Oficial, edições do Diário da União, edições do Jornal do Comércio, Leis, Decretos, Constituições do Estado, Atas da Assembleia Legislativa, Falas e Exposições dos Presidentes da Província, documentos variados da Casa Civil e Atas da Polícia Militar do Amazonas. Os documentos originais mais antigos são datados de 1848, dos tempos da Comarca do Alto Amazonas, enquanto que em formato digital, através de cópias adquiridas em arquivos de Lisboa (Portugal) e Belém (PA), existem mapas, cartas e gravuras da Capitania de São José do Rio Negro. Além dessas fontes primárias, existe uma biblioteca de obras locais, nacionais e estrangeiras, com exemplares raros e há muito tempo esgotados, que está sendo organizada aos poucos, necessitando de um bibliotecário.

Ainda em fase de reorganização e de melhor catalogação, é difícil precisar a quantidade dos documentos em geral. Das informações obtidas na sondagem, sabe-se o seguinte: Do Diário Oficial do Estado já são mais 35. 532 exemplares (em circulação de 1893 aos dias de hoje), e de dossiês administrativos 21 mil.

O corpo de funcionários do Arquivo é formado por 11 pessoas, com formações variadas (Direito, Administração, Gestão Pública, Tecnologia da Informação, Serviço Social etc), efetivas ou que circulam por diferentes órgãos como a Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas (SEC-AM), que cuidam da catalogação e preservação dos documentos, da recepção aos visitantes e da conservação do espaço. Salienta-se que nenhum deles possui formação em História ou Arquivologia.

O Arquivo Público do Estado do Amazonas, assim como outras instituições que guardam documentos históricos, têm uma trajetória marcada mais por “baixos” do que por “altos”. O antropólogo Geraldo Pinheiro, em texto de 1949 publicado no Jornal do Comércio, afirma que naquela época os documentos apodreciam “nos velhos e desaparelhados arquivos da cidade”3, o que nos revela um histórico de descaso com esses lugares. Até 2014, a situação do Arquivo Público era de se lamentar: Infiltrações e rachaduras no prédio, documentos amontoados em péssimas condições em depósitos, em avançando estado de deterioração e ausência de lugares apropriados para o trabalho dos pesquisadores. No entanto, o processo de recuperação entre 2015 e 2017 abriu novos horizontes para o trabalho do historiador na região, assim como permitiu o delineamento de projetos promissores.

A Secretaria de Estado da Administração, Coordenação e Planejamento (SEAD) está pondo em prática projetos para dinamizar o Arquivo Público. O Arquivo da rua Bernardo Ramos não recebe mais os documentos das várias secretarias do Estado, de forma a não sobrecarregar o local. Cada uma das instâncias do Estado, agora, fica responsabilizada pela preservação de seus documentos. Aos poucos os documentos do Arquivo estão recebendo tratamento e sendo digitalizados (estima-se que desde a reforma 30% dos documentos já receberam algum tipo de tratamento). A eliminação dos documentos, até o momento, é feita a partir de trocas e doações à outras instituições ou particulares.

Com as amigas Luana, Evellyn e Larissa, do curso de História, no final da visita. À esquerda, a gerente Thâmara Pereira, que aos poucos vai implementando mudanças significativas na instituição.

É de suma importância destacar o papel de Thâmara Pereira, servidora pública e atual gerente desse arquivo. Formada em Direito, Administração, Serviço Social e Gestão Pública, e enfrentando a resistência e o descaso de uma antiga administração de quase 30 anos, que acumulava péssimos resultados, conseguiu empreender reformas e projetos jamais antes vistos na instituição. Seu principal objetivo é abrir o Arquivo Público não somente aos pesquisadores, mas à comunidade como um todo, pois as pessoas, em suas palavras “devem ocupar esse espaço e vê-lo como parte de um rico patrimônio histórico”.

Visitar o Arquivo Público do Estado do Amazonas, conhecer sua estrutura, documentação e funcionários, além de seu caráter metodológico, nos faz refletir sobre o processo e as condições de trabalho dos historiadores, sobre os caminhos, nem sempre planos mas por vezes tortuosos, por nós percorridos. Só podemos fazer as fontes falar, dar vida aos documentos, construir narrativas, se espaços como os arquivos públicos estiverem em perfeitas condições de uso.


NOTAS:


1 ANJOS, José Geraldo Xavier dos. Cronologia do Arquivo Público. Disponível em: servicos.sead.am.gov.br/arquivopublico/institucional/cronologia-do-arquivo-publico. Acesso em 02/05/2018.

2 “O ciclo de vida dos documentos está dividido em três arquivos ou idades: 1° - arquivo corrente ou de 1° idade, formado por documentos de uso exclusivo das instâncias que os geram e somente por elas consultados. 2° - arquivo intermediário ou de 2° idade, formado por documentos que deixaram de ser consultados, mas que podem ser solicitados caso surja alguma necessidade pelas unidades geradoras. A permanência destes em arquivos é temporária. 3° - arquivo permanente ou de 3° idade, formado por documentos que já cumpriram suas funções originais, e que agora são preservados em relação ao valor histórico-cultural que possuem, podendo ser consultados por instituições ou terceiros”. AMAZONAS (ESTADO). SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO. Manual Técnico do Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas. Manaus: ed, 2017, p. 11.

3 Manaus e seus historiadores. Jornal do Comércio, 26/02/1949.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Larissa Leite, 2018.

domingo, 6 de maio de 2018

Resenha: Um Olhar pelo Passado, de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1897)


Em 1990 a Prefeitura de Manaus reeditou o livro Um Olhar pelo Passado, publicado originalmente em 1897, pequeno trabalho de pouco mais de 20 páginas elaborado pelo jornalista Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1840-1919) e oferecido ao governador Fileto Pires Ferreira. A tiragem se esgotou rapidamente e o livro não voltou a ser reeditado, o que é uma pena. Apresento aos leitores uma breve resenha dessa obra:

O autor, filho de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), primeiro Presidente da Província do Amazonas, não tinha a pretensão de realizar um trabalho histórico, afirmando não "ter competência para fazer o histórico do desenvolvimento material da cidade de Manaus". No entanto, parte de seu trabalho é baseado no que viu durante a vida e do que foi encontrado "nos archivos públicos desta capital, Barcellos, Itacoatiara e Teffé" (ARANHA, 1897, p. 9).

O ponto de partida de seu livro é o ano de 1791, com a transferência, por iniciativa do governador Lobo D' Almada, da capital da Capitania de São José do Rio Negro de Barcelos para o Lugar da Barra, "por offerecer mais vantagens ao commercio e à administração dos negócios políticos e civis da Capitania" (ARANHA, 1897, p. 9). Bento Aranha lista os governadores da Capitania desde sua fundação em 1757: Joaquim de Mello e Póvoas, Gabriel de Souza Filgueiras (interino), Nuno da Cunha Athayde Vianna (interino), Valerio Corrêa Botelho d' Andrade (interino), Joaquim Tinoco Valente, posteriormente uma junta governativa formada por oito membros, Manoel da Gama Lobo d' Almada, José Antônio Salgado, José Joaquim Vitório da Costa e Manoel Joaquim do Passo.

Bento Aranha, agora, se dedica à fundação da cidade de Manaus, citando a criação, por Pedro da Costa Favela, auxiliado por um missionário e índios aruaquis, da primitiva aldeia onde hoje está localizada a capital do Amazonas. Posteriormente, padres carmelitas criaram uma Missão, cabendo a Manoel da Mota de Siqueira a construção da fortaleza. O autor cita a construção de outros fortes a partir da segunda metade do século XVIII: Os fortes de S. Gabriel da Cachoeira do Corucovi e de S. José de Marabitanas, construídos em 1763; o de S. Francisco Xavier de Tabatinga, em 1765; e o de S. Joaquim do Rio Branco, em 1775.


É dado destaque ao governo de Manuel da Gama Lobo D' Almada, que impulsionou a vida do Lugar da Barra, criando 


"1 padaria de pão de arroz moido em atafoma movida por bestas; 1 fabrica de panno de algodão (em rolos) tendo 18 teares e 10 rodas de fiar com 24 fusos cada uma; 1 cordoaria de cordas e amarras de piassaba e calabres; 1 fabrica de fecula de anil; 1 nora para distribuir agua para a fábrica de anil e para uma hora; 1 horta; 1 olaria com excellentes amassieiras, estendedouros, fornos calcinatorios e de torrefação de telha e ladrilho;1 fabrica de velas de cera; 1 açougue; 1 ribeira para a construcção de canoas; 1 fabrica de redes de fio d' algodão; 1 fabrica de redes de fibras de tucum, curauhá e murity; e muitos engenhos de moer canna e fabricar cachaça e mel"(ARANHA, 1897, p. 11-12).


Os anos finais do período colonial da Capitania de São José do Rio Negro foram administrados por uma junta provisória formada por Antonio da Silva Craveiro, Bonifacio João de Azevedo, Manoel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz. Em 9 de novembro de 1823 a Capitania de S. José do Rio Negro jura fidelidade à D. Pedro I. Uma junta governativa administraria a região até 1825, quando esta foi incorporada ao Grão-Pará na condição de Comarca.

Após citar a resolução de 1833 da Província do Grão-Pará que estabeleceu a divisão das comarcas e alterou os antigos nomes de suas vilas; e levantar alguns dados sobre o Lugar da Barra entre 1832 e 1852, Bento Aranha entra na segunda parte de sua obra, composta de reminiscências históricas, de  descrições de paisagens, ruas e caminhos de Manaus que viu entre 1852 e 1889:

"Era cortada a cidade da Barra, como a conheci em 1852, ao Norte pelo igarapé da Castelhana, que desagua no da Cachoeira Grande e pelo dos Remédios (Aterro), no logar denominado Mocó, cujas aguas lançam-se no Rio Negro. Este ultimo igarapé dividia o bairro da Republica do dos Remédios. Ao Occidente o igarapé da Cachoeira Grande limitava a cidade, e entre elle e o do Espirito Santo corriam os igarapés de S. Vicente, cuja fonte estava situada na extrema Occidental da rua da Palma, hoje denominada Saldanha Marinho; e o da Bica, seu affluente, que nasce na rua 10 de julho, ainda não existente nessa epocha, e cujo leito estende-se ao longo do largo da Polvora, formando com o igarapé da Cachoeira Grande o arrabalde denominado Cornetas e Sacco do Alferes. Abaixo do igarapé de S. Vicente desaguava no Rio Negro um outro que denominava-se do Seminário, cuja nascente era na rua Brazileira, tendo sido transformado depois na praça da Imperatriz. Estes dous igarapés formavam o bairro de S. Vicente, assim como o do Seminario e o do Espirito Santo o bairro que tomava o do deste nomes"(ARANHA, 1897, p. 15-16).

Rua da Palma, S. Vicente, Largo da Pólvora, Saco do Alferes, rua Brasileira, rua Feliz Lembrança, rua do Sol, rua da Lua, travessa do Cantagalo, rua das Flores e outros tantos nomes pitorescos de lugares há muito modificados ou desaparecidos. Casas cobertas de palha, protegidas por cercas de madeira, sobrados em construção e outros arruinados. Bento Aranha nos apresenta a geografia da cidade nos tempos provinciais, uma geo-história, sempre recorrendo à sua memória, como na passagem a seguir:

"Em 1865 existiam no igarapé de Manaus alguns sitios, sendo destes os mais longinquos o da Curiboca Mãe, de D. Maxima Alvarenga, da velha cabocla Patricia, do velho João Cuyabá, do velho Cidade, e da velha Clementina" (ARANHA, 1897, p. 16).

Das modestas transformações do período, cita a construção do Cemitério de S. José, a "[...] abertura das estradas Ramos Ferreira [...] e 7 de Dezembro" (ARANHA, 1897, p. 19) e de outras vias públicas. À essa descrição de logradouros públicos segue-se uma relação de construções existentes em Manaus antes de 1852, das quais destacavam-se o Palácio dos Governadores, o Quartel, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, o Forte de S. José da Barra do Rio Negro (em ruínas), o Hospital Militar, a Olaria e a Cordoaria. O livro termina com uma abordagem sobre os rios até então conhecidos e mais explorados, como o Madeira, Içana, Japurá e Purus, todos visados por comerciantes amazonenses, paraenses, portugueses, maranhenses e mato-grossenses.

Qual o lugar do autor e a importância de sua obra? Em um interessante texto publicado no Jornal do Comércio em 1949, o antropólogo Geraldo Pinheiro, traçando um breve panorama dos historiadores manauaras, afirma que inegavelmente o primeiro historiador da cidade foi Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, que se dedicava à pesquisa em arquivos, à organização de bibliotecas, ao uso da memória, e que escrevia textos de história em periódicos locais. Sobre um 'Um Olhar pelo Passado', diz o antropólogo que "[...] é sem favor algum a primeira contribuição à história topográfica da cidade, das suas ruas e nomenclaturas, tão bem explicada com amor e dedicação aí por volta de 1897" (PINHEIRO, 1949).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [original de 1897].

PINHEIRO, Geraldo de Macedo. Manaus e seus historiadores. Jornal do Comércio, 26/02/1949.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Anúncios diversos do Amazonas (1890-1925)

Continuando o texto sobre os anúncios do Amazonas, dessa vez trago recortes de periódicos, álbuns e revistas locais publicados entre 1890 e 1925, período em que verificam-se mudanças profundas nos hábitos e costumes da sociedade manauara, a abertura de novos estabelecimentos comerciais, o oferecimento de novos serviços e a evolução das técnicas de propaganda (produção e circulação), todos influenciados pela entrada de capitais estrangeiros na região.

Entre os anos finais do Império e os primeiros anos da República, com o aumento da demanda internacional pela goma elástica, Manaus, em processo de estruturação para se tornar uma capital comercial, se tornou um polo atrativo para diferentes profissionais, nacionais e estrangeiros. Nesse anúncio, o artista italiano Artur Luciani, formado pela Real Academia de Siena, na Itália, oferece serviços como pintura de quadros, de letreiros, trabalhos cenográficos e limpeza de quadros velhos e molduras. Atendia em três diferentes lugares da cidade: na casa do armador J. Carvalho & Cia, no ateliê de Francisco Candido Lyra, na rua Marcílio Dias, e no seu próprio ateliê, na antiga rua Conde d' Eu (rua Monsenhor Coutinho). Manaus, 1890.

Prezava-se cada vez mais pela qualidade e pela procedência dos produtos, fazendo-se questão de estampá-los com os mínimos detalhes nos informes. As farinhas de trigo das marcas Romeu e Julieta eram produzidas com trigo do Estado de Maryland, nos Estados Unidos. Acrescenta-se que eram produzidas dias antes do embarque, o que conservava suas propriedades, além de não receberem qualquer aditivo em suas fabricações. Manaus, 1893.

Os anúncios tornaram-se mais atrativos, com alta qualidade gráfica, textos bastante detalhados e, em alguns casos, com fotos do estabelecimento. A Livraria Palays Royal, de Lino de Aguiar & Cia, localizada na rua Municipal (rua Fileto Pires, Avenida Sete de Setembro) foi por décadas a mais importante da capital, abastecendo órgãos públicos e estabelecimentos de ensino, e editando livros didáticos e paradidáticos de autores como Agnello Bittencourt, Bertino Miranda e Djalma Batista. Recebia os principais lançamentos diretamente do Rio de Janeiro, além de encomendar obras e assinar jornais e revistas estrangeiras e nacionais. Além da livraria, também funcionava como papelaria e tipografia. Manaus, 1896.

Os hotéis, hospedarias e pensões se proliferaram na capital no contexto de seu crescimento e modificação do espaço urbano para atender as demandas impostas pelo capital internacional. Esses estabelecimentos atendiam viajantes e pessoas em vias de se estabelecer na cidade como operários, profissionais liberais e funcionários públicos. O Grand Hotel, instalado em um palacete na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro), possuía jardim, terraço para recreação, cozinha dirigida por um chefe, aposentados mobiliados e oferecia banhos frios e quentes, cervejas e outras bebidas geladas. Também recebia encomendas de jantares, banquetes e ceias. Notem que, por duas vezes, destacam-se as palavras higiene e ordem. Esses estabelecimentos recebiam diariamente a visita de fiscais da intendência, que avaliavam seus pormenores. Se irregularidades fossem encontradas, era dado um prazo para resolvê-las e, caso não fossem sanadas, o estabelecimento era interditado. Manaus, 1900.

Os bares e botequins, assim como os hotéis, também surgiram em grande número, indo da zona portuária às vias mais afastadas da região central. Notem a qualidade da divulgação do High Life Bar, de Bento & Cia, localizado em dois endereços, nas ruas Marquês de Santa Cruz (cujo prédio ainda existe) e Marechal Deodoro. Essa fotografia do interior do estabelecimento, além de nos apresentar um ambiente puramente masculino, nos permite ver o que era comercializado: bebidas de diferentes tipos (café, leite gelado, chocolate, chopes), farinhas, fiambres, queijos, peixes, frutas, conservas finas, charutos e cigarros. Manaus, 1910.

Novos estabelecimentos também eram abertos em cidades do interior do Amazonas. Não existia um único lugar em que as mudanças econômicas não chegassem, fossem elas positivas ou em sua maioria negativas. Como na capital, uma pequena elite prezava pelo mínimo de serviços mais sofisticados. Em Itacoatiara, o Café Internacional, propriedade de Ferreira & Martins, localizado em frente à Praça 13 de Maio, era uma pequena réplica dos grandes cafés instados em Manaus. Itacoatiara, 1910.

Além de fotos do estabelecimento, os anúncios também passaram a estampar fotos dos proprietários e do corpo de funcionários, trabalhos esses realizados por fotógrafos profissionais. Notem o interessante jogo de palavras que os Grandes Magazins de Modas e Confecções Au Bon Marché (o prédio ainda existe, funcionando como estabelecimento comercial), fazem para apresentar o restante das informações: o nome dos donos, Lifsitch & Russo, e a localização, na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro). Manaus, 1914.

Quando os anúncios não vinham acompanhados de fotografias, os desenhos também mostravam-se bastante ricos, como esse, uma personagem feminina mascarada, que estampa o informe da chegada de novos artigos para Carnaval, sempre bastante concorrido na cidade, na Perfumaria Universal, na rua Henrique Martins. Manaus, 1920.

A Fábrica 'Mimi', montada na rua 24 de Maio e movida à eletricidade, foi um grande empreendimento de época, propriedade de R. Costa & Cia, estando dividida em cinco sessões: panificação, bolacharia e biscoitaria, torrefação, trituração e moagem e artigos finos. O anúncio vem acompanhado das fotos de José Nunes de Lima, Chefe da empresa e diretor do estabelecimento e Antonio Romualdo Costa, sócio da empresa e Diretor-Técnico das seções fabris. Manaus, 1925.


FONTES (PERIÓDICOS E REVISTAS):

Jornal Amazonas
Diário de Manáos
Álbum Comercial de Manáos (1896)
Comércio do Amazonas
Indicador Illustrado do Amazonas (1910)
Revista Cá & Lá (1914)
Revista Redempção (1925)

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Anúncios diversos da Província do Amazonas (1857-1884)

No presente texto selecionei alguns anúncios de jornais que circularam no Amazonas no período provincial, entre 1857 e 1884. São recortes de casas comerciais, de grande e médio porte, de recompensas para captura de escravos, de serviços oferecidos por particulares, de produtos importados etc. A partir desses anúncios pode-se compreender parte da dinâmica comercial na Província do Amazonas, conhecer os produtos que circulavam na região e ter uma noção de como funcionava a publicidade no século XIX.

José Piranga, escravo negro e oficial de calafate, humilde e com 32 anos, fugiu do domínio de José Joaquim de França, no dia 9 de abril de 1857, levando consigo seu filho de nome Cipriano, de 13 anos de idade. Percebam como funcionava a circulação de escravos: José Piranga foi escravo do Capitão Thomaz, de Villa Bella, sendo posteriormente comprado por José Coelho do Itaituba, que o vendeu a José Joaquim de França, o anunciante. O proprietário oferecia uma gratificação a quem os trouxesse de volta, assim como a repressão àqueles que lhes dessem abrigo. Serpa (Itacoatiara), 10 de abril de 1857.

Mesquita e Irmãos, grandes comerciantes da época, estabelecidos na antiga rua do Imperador (Marechal Deodoro), anunciam para aluguel um escravo que entende de cozinha. O aluguel de escravos garantia uma boa renda aos proprietários. Manaus, 1866. 


O Major Tapajós, das 9 da manhã às 3 da tarde oferecia em sua casa serviços fotográficos, utilizando os mais diferentes sistemas. Também fazia retratos em casas particulares e tirava fotos de pessoas falecidas, revelando a existência da prática de fotografias mortuárias no Amazonas. Além de trabalhar com fotografias, concertava caixas de música. Manaus, 1866.

A Saboaria Vista da Alegre, de Amorim & Irmãos, foi premiada na II Exposição Nacional de 1866, no Rio de Janeiro. Além de comercializar na cidade, também exportavam seus produtos, sabões pretos e amarelos, para o interior da Província. O depósito ficava na rua Brazileira (Sete de Setembro), cuja referência era a loja de nove portas. Manaus, 1868.

José Joaquim Ribeiro Couto, proprietário da loja Ville de Pariz, localizada entre a Travessa da Matriz (Lobo D' Almada) e a rua dos Inocentes (Visconde de Mauá), investiu pesado na divulgação de seus produtos importados através de um rico e interessante trabalho artístico com motivos florais. As fazendas, perfumes, chapéus, cintos e outros objetos que anuncia formam uma ampulheta. Manaus, 1869.

Por 2 mil réis o quilo e meio (o pagamento deveria ser feito à vista) era possível encomendar gelo de Antonio Rodrigues Soares, estabelecido na Praça da Imperatriz (Praça da Matriz de Nossa Senhora da Conceição). Manaus, 1878.

Profissionais liberais também anunciavam seus serviços. O advogado Luiz Mesquita de Loureiro Marães atendia no escritório da redação do jornal Comércio do Amazonas, na rua Henrique Martins, N° 18. Manaus, 1880.

Todos os dias, das 5 às 7 da manhã, um certo 'Braga', morador da rua Henrique Martins, vendia leite de vaca, possivelmente ordenhado na hora. Esse tipo de comércio passaria a enfrentar grandes dificuldades a partir das décadas finais do século XIX, quando foram instituídos Códigos de Posturas mais rígidos em relação à comercialização de produtos naturais e a higiene envolvida nos processos. Manaus, 1880.

O doutor D. F. Deserbelles, cirurgião dentista, oferecia seus serviços em um gabinete dentário instalado em uma das casas do Barão de São Leonardo, no Largo de São Sebastião, após retornar de uma viagem pelo rio Purus. Manaus, 1884.


FONTES (PERIÓDICOS):

Estrella do Amazonas
Jornal  Amazonas
Jornal do Rio Negro
Comércio do Amazonas
Almanaque Administrativo, Histórico, Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas (1884)

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Os Arquivos de Manaus

Arquivo Público do Estado do Amazonas, na rua Bernardo Ramos, no Centro.

Os arquivos, públicos ou particulares, são os locais onde estão abrigadas, em boas ou más condições, as fontes documentais que servirão de norte para o trabalho do historiador, fontes essas que serão analisadas, problematizadas e entrecruzadas para a produção de narrativas históricas.

Em Manaus, essas instituições têm suas origens localizadas na segunda metade do século XIX, quando foi criada a Província do Amazonas, o que fez surgir, consequentemente, um sistema burocrático de emissão de documentos de diferentes tipos. O mais antigo e ainda em funcionamento é o Arquivo Público do Estado do Amazonas, fundado em 1897.

Nos últimos anos, algumas instituições como a anteriormente citada passaram por reformas em suas estruturas, tiveram seus documentos organizados, catalogados por historiadores e arquivistas, além de receber um corpo de funcionários capacitados para auxiliar os pesquisadores.

Listei abaixo alguns arquivos disponíveis para pesquisa na cidade. Confiram:

Arquivo Público do Estado do Amazonas

Rua Bernardo Ramos, N° 265, Praça Dom Pedro II, Centro.

Arquivo Público Municipal

Av. Desembargador João Machado, quadra 5, casa 20 - Conjunto Jardim Belvedere, Alvorada III.

Arquivo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)

Rua Frei José dos Inocentes, N° 132, Centro.

Museu Amazônico

Av. Ramos Ferreira, N° 1030, Centro.

Centro Cultural dos Povos da Amazônia

Praça Francisco Pereira da Silva (Bola da Suframa), Distrito Industrial/Crespo.

Cúria Metropolitana

Av. Joaquim Nabuco, N° 1023, Centro.

Arquivo Central do Poder Judiciário do Amazonas (TJAM)

Av. Constantino Nery, Flores.

Biblioteca Pública do Amazonas

Rua Barroso, N° 57, Centro.

Cartório Rabelo, 1° Ofício de Notas¹

Avenida Djalma Batista, N° 327, São Geraldo/Av. Eduardo Ribeiro, N° 647, Centro.

Imprensa Oficial do Estado do Amazonas

Rua Dr. Machado, N° 86, Centro.

MISAM (Museu da Imagem e do Som do Amazonas)

Centro Cultural Palacete Provincial, Praça da Polícia, Centro.

Museu Tiradentes

Centro Cultural Palacete Provincial, Praça da Polícia, Centro.


NOTAS:

¹ A pesquisa no Cartório Rabelo é paga, ficando entre 70 e 100 reais por pesquisador.


CRÉDITO DA IMAGEM:

SEAD, 2018.

Políbio de Megalópolis: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.). Estátua localizada no Parlamento de Viena, na Áustria.

Políbio de Megalópolis (200 a. C. - 118 a. C.) foi um historiador grego nascido na cidade de Megalópolis, na região da Arcádia. O período em que viveu, de derrocada do mundo helenístico e hegemonia do Império Romano, influenciou grandemente sua produção historiográfica, representada pela obra Histórias, formada por 40 volumes (cobre o período que vai de 220 a. C até 167 a. C.) e cuja análise central recai sobre diferentes aspectos da dominação romana e suas instituições políticas.

Feito prisioneiro pelos romanos, conheceu diretamente suas instituições políticas e como estas funcionavam. O principal elemento do pensamento histórico desse historiador grego diz respeito à história pragmática. A produção de uma narrativa histórica deveria ter uma utilidade, e para Políbio a utilidade da história seria a de que esta possibilitaria a compreensão do tempo presente das sociedades auxiliando nas formas de agir sobre estas. Por formas de agir, entende-se a prática política. Políbio trazia algumas concepções anteriormente vistas em historiadores como Heródoto e Tucídides, da história com um sentido pedagógico para as futuras gerações, mas inovava em certos aspectos:

"[...] Resolvi escrever uma História do gênero pragmático, primeiro porque há sempre uma novidade digna de tratamento novo - não seria possível aos antigos narrar eventos posteriores à sua própria época - e, em segundo lugar por ser considerável a utilidade prática de tal gênero de História, tanto no passado quanto - e principalmente - no presente, numa época em que o progresso das artes e das ciências tem sido tão rápido que as pessoas desejosas de aprender são capazes - digamos assim - de submeter a uma análise metódica quaisquer circunstâncias passíveis de exame. Sendo então o meu objetivo não tanto entreter os leitores quanto beneficiar os espíritos afeitos à reflexão [...], me dediquei a escrever este gênero de História" (POLÍBIO, Histórias, 9, 2).

Nessa passagem, fica claro que a história pragmática, para Políbio, era um gênero à parte de outras formas de trabalho histórico. O historiador grego não pretende entreter seus leitores. Isso está relacionado à prática de antigos historiadores que escreviam genealogias de famílias nobres e realizavam estudos sobre a origem de cidades, gêneros que, para Políbio, estavam voltados mais para o entretenimento do que para a reflexão. Tendo experiência em assuntos militares, interessava-se pela descrição das campanhas, aderindo ao militarismo cívico em oposição ao militarismo tirânico. Políbio realizou um trabalho metódico, pautado no exame crítico das fontes, no conhecimento dos lugares que cita em seu trabalho (o que evidencia a relação entre história e geografia) e na experiência com a política (em sua terra natal, foi eleito hiparco, comandante da cavalaria).

Também relaciona-se à sua história pragmática a ideia de que a história do mundo até então habitado e conhecido, o ecoumene, estava conectada a partir da Segunda Guerra Púnica:

"Até essa época os eventos mundiais tinham sido por assim dizer dispersos, pois não eram interligados por uma unidade de iniciativa, de resultados ou de localização; desde essa época, porém, a História passou a ser um todo orgânico, e os eventos na Itália e na Líbia interligaram-se com os da Hélade e da Ásia, todos convergindo para um único fim. Por isso a nossa História pragmática inicia-se nessa época" (POLÍBIO, Histórias, 1, 3).

As ações humanas, para o historiador, possuem início, causa e pretexto. Os dois últimos elementos de causalidade (causa e pretexto), seriam o fio condutor do primeiro (início). Sobre a Fortuna ou a intervenção divina, Políbio tem uma concepção interessante: Só se devem atribuir as causas aos desígnios divinos quando estas não podem ser explicadas dadas suas complexidades. Caso sejam naturalmente compreensíveis e alcançáveis pela razão, devem ser entendidas como eventos decorrentes da ação humana.

Sobre a concepção de história de Políbio, cujo cerne é a política, diz o professor de História Antiga da Unb, Henrique Modanez de Sant' Anna:

"Há, no tempo do nosso autor, uma versão estoica acerca da sucessão cíclica das formas de governo, a qual Políbio incorpora numa sequência curiosa de mudanças políticas vistas na história: da monarquia, a primeira forma de organização conhecida (para Políbio, ao menos), passando pelas revoluções e etapas intermediárias do processo (tirania, aristocracia, oligarquia e democracia), à democracia anárquica ou eclocracia, que conduz toda a sociedade novamente ao ponto de sua teoria cíclica, vale dizer, ad infinitum"(SANT' ANNA, 2012, p. 147).

João Emiliano Fortaleza de Aquino, professor de filosofia da Uece, em contrapartida, afirma que deve-se distinguir a noção de história cíclica das instituições políticas da concepção da prática historiográfica de Políbio, o que seria contraditório, tendo em vista ser ela uma "história pragmática, contemporânea e útil" (AQUINO, 2006, p. 66).

Para Políbio, o sucesso de Roma na dominação de vastas áreas do mundo conhecido explicava-se pela característica de sua constituição política, mista, constituída por monarquia (cônsules), aristocracia (senadores) e democracia (povo), o que evitaria que o sistema político se degenerasse em apenas uma forma de governo, com a união dos melhores elementos dessas formas de governar.

Políbio escreveu em dialeto ático, em prosa, sem recorrer a elementos estilísticos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AQUINO, João Emiliano Fortaleza. Memória e consciência histórica. Fortaleza: Editora Uece, 2006.

SANT' ANNA, Henrique Modanez. Políbio e os princípios de sua investigação histórica: algumas considerações. UFF: Revista Mundo Antigo, ano I, V. 01, N. 02 - dezembro de 2012.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://mototurismo.alidays.it

terça-feira, 24 de abril de 2018

Críticas ao conceito de ciclo econômico: Os estudos de João Pacheco de Oliveira

Mucambos de Santo Amaro (Pernambuco).

O nascimento do Brasil e outros ensaios: "pacificação", regime tutelar e formação de alteridades (2016), de João Pacheco de Oliveira, é uma espécie de relançamento de seu texto clássico O caboclo e o brabo (1979), célebre na explicação dos processos históricos da Amazônia a partir de uma visão não economicista e cíclica, fazendo uma crítica a essa abordagem, crítica essa que continua ecoando na atualidade.

Cristalizou-se, a partir dos estudos de autores tanto locais quanto de outras regiões, e de diferentes áreas das ciências humanas, o conceito de 'ciclo econômico' como base das análises referentes à História da Amazônia. Em 1979 e, mais recentemente, em 2016, guardadas as diferenças temporais, João Pacheco frisa a necessidade de que seja superada essa visão determinista da História.

De acordo com João Pacheco de Oliveira, a noção de ciclo econômico já está a um bom tempo ultrapassada, ainda que permaneça seu uso. O ciclo é generalizante, sintetizador, fechado em si mesmo. Estudar a região a partir desse modelo fechado faz com que não se dê conta de uma gama de relações sociais, de trabalho, de outros modos de produção que não o gomífero, mas paralelos e de certa forma a ele relacionados, pois além do produto rei, no topo da pauta de exportação, existem outros que demandam diferentes trabalhadores e formas de trabalho.

Como consequência, esse modelo obscurece tipos sociais, mascara conflitos e realidades distintas, servindo satisfatoriamente como forma de explicação para os que formam o topo das relações de poder econômicas. Pode-se pensar, teoricamente, na divisão feita pelo economista e cientista político liberal austríaco Joseph Schumpeter, segundo a qual o ciclo econômico está dividido da seguinte forma: boom, recessão, depressão e recuperação. Ou ainda no marxismo estruturalista, dogmático, aquele criticado por Edward Palmer Tompson, no qual seus teóricos dão mais atenção ao economicismo e não aos fatores humanos, culturais, como propulsores da luta de classes.

Com influências tanto do liberalismo quanto do marxismo economicista, o modelo cíclico não dá conta da complexidade, da heterogeneidade, das relações, dos modos de produção e da configuração histórico-social da região.

Formuladas e apresentadas as críticas, o autor sugere os estudos a partir do conceito de 'fronteira', aqui entendido não do ponto de vista geográfico, material, mas como uma categoria, um ponto de análise abstrato, representado pelas relações sociais, pelos conflitos, pela formação identitária.

O seringal, tomado como exemplo, entre o final do século XIX e o início do século XX, é o local da fronteira amazônica, palco de conflitos, de punição, de resistência, de articulação de diferentes modos de produção. Outro exemplo são os mucambos, onde a fronteira é marcada pela unicidade e pela heterogeneidade. Nesses agrupamentos existem tipos sociais marginalizados diversos, como escravos fugidos, ex-escravos, indígenas e brancos pobres. Essa é a heterogeneidade. No entanto, esses tipos sociais se unificam, tornam-se homogêneos, quando precisam resistir às agressões de particulares ou do Estado. No seringal e nos mocambos está representada a fronteira de relações sociais.

O estudo da região amazônica a partir da (s) fronteira (s) abarca um número variado de tipos sociais, de modos de produção interligados, de peculiaridades locais, mostrando-se mais abrangente que o modelo determinista e fechado de ciclo econômico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA, João Pacheco. O 'caboclo' e o 'brabo': notas sobre duas modalidades de incorporação da força de trabalho na expansão da borracha no vale amazônico no século XIX. Encontros com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, v.11, p.101-140, 1979.

_____________________. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contracapa, 2016.

CRÉDITO DA IMAGEM:

FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: Algumas notas sobre o typo de casa popular mais primitivo do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, s. d.