segunda-feira, 4 de março de 2019

Laborum Meta: O Cemitério de São João Batista, em Manaus

Arco de entrada do Cemitério de São João Batista. FOTO: Durango Duarte.

O Cemitério de São João Batista está localizado no bairro de Adrianópolis (antigo bairro do Mocó, Vila Municipal), na zona Centro-Sul de Manaus. Foi a quarta necrópole oficial (excetuando-se os cemitérios indígenas) aberta na cidade, antecedida pelas dos Remédios, São José e São Raimundo; e é a mais antiga em funcionamento, tendo sido Tombado, através do Decreto N° 11.198 de 14/06/1988, como Patrimônio Histórico Estadual. O terreno em que foi erguido, assim como todo o bairro, pertencia a família do Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Mello Cardoso, tendo sido comprado pelo município em 1890 e 1903 (MENDONÇA, 2002).

No expediente de 3 de julho de 1890, do governo de Augusto Ximeno de Villeroy, a Intendência Municipal ficou autorizada a “[…] desapropriar o terreno escolhido e indicado e a fazer construir nele um cemiterio” (GOVERNO DO EXM. SR. DR. A. X. DE VILLEROY, EXPEDIENTE DO GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, DE 4 DE JULHO DE 1890 In AMAZONAS, 09/07/1890). A Intendência Municipal autorizou, em 19 de setembro de 1890, que o Intendente João Carlos Antony fizesse o orçamento das despesas para construção do novo cemitério, seu arruamento, destocamento e construção de uma cerca de arame farpado. Na sessão ordinária de 03 de março de 1891, “o sr. Intendente Antony communicou á Intendencia que o terreno destinado ao novo cemiterio acha-se todo destocado e prompta a respectiva cerca” (INTENDENCIA MUNICIPAL, Sessão Ordinaria de 03/03/1891).

Com as obras já bastante avançadas, o Governador Eduardo Gonçalves Ribeiro decretou o fim dos enterros nos cemitérios de São José e São Raimundo:

Decreto N° 95, de 2 de abril de 1891

Proíbe inumação nos cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, manda que os enterramentos sejam feitos no novo cemitério e dá outras providências a respeito.

O Governador do Estado do Amazonas, tomando na devida consideração o que expuseram o Provedor da Santa Casa de Misericórdia e o Dr. Inspetor de Higiene Pública sobre o inconveniente de continuarem as inumações a ser feitas nos Cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, por estarem cheios, e atendendo que o novo cemitério mandado preparar pela Intendência Municipal já está apto para receber enterramentos, decreta:

Art. 1° - Ficam absolutamente proibidos enterramentos nos cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, passando a serem feitos no novo cemitério mandado preparar pela Intendência Municipal.

Art. 2° - Passam a ser administrados e mantidos pela mesma Intendência os cemitérios públicos, cessando in totum os encargos que com eles tinha e os proveitos que deles auferia a Santa Casa de Misericórdia.

Art. 3° - A Intendência manterá ou alterará, como julgar acertado, as tabelas dos rendimentos dos cemitérios, bem como a do pessoal neles empregados.

Art. 4° - Enquanto não for publicado novo regulamento para todos os cemitérios do Estado, será no da capital executado o de n° 11, de 26 de maio de 1859, nas partes que não estiverem explicita ou implicitamente revogadas por deliberações posteriores e nas que não o forem pela Intendência com relação à administração e preços da tabela.

Art. 5° - Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio do Governo do Estado do Amazonas, em Manaus, 2 de abril de 1891, 3° da República.

Eduardo Gonçalves Ribeiro” (DECRETOS, LEIS E REGULAMENTOS. Administração Fileto Pires Ferreira, 1889 a 1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II – 1891, p. 105. Acervo da ACA).

Além da proibição dos enterramentos nos antigos cemitérios, é interessante notar o caráter secular da nova necrópole, sendo encerrada a administração da Santa Casa, que cuidava dos Cemitérios da cidade. Essa foi uma das mudanças ocorridas com a separação entre Estado e Igreja, promulgada pela Constituição de 1891, ficando estabelecido no artigo 72, § 5º, que “os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891). No entanto, como salientou a historiadora Adriana Gomes,

[…] na prática, os cemitérios ficaram mantidos sob o controle de particulares ou ordens confessionais, alguns com o caráter de monopólio. A ineficácia da secularização dos cemitérios forjou a liberdade assegurada aos crentes quanto a realização de seus cultos de acordo com a confissão religiosa profetizada” (GOMES, 2014, p. 5).

Isso ocorreu no novo cemitério, com a Prefeitura, ao longo dos anos, sedendo áreas para enterramentos exclusivos de membros de irmandades religiosas, destacando-se as da Santa Casa de Misericórdia (1891), Santíssimo Sacramento (1904) e Filhas de Sant’Anna (1913).

Terminadas as obras, o Cemitério foi inaugurado em 05 de abril de 1891. No dia 17 do mesmo mês recebeu aquele que é considerado o primeiro inumado, o poeta, político e historiador Aprígio Martins de Menezes, cujo túmulo encontra-se destacado da quadra em que está localizado. Deve-se salientar que, durante as pesquisas para a confecção do livro ‘Manaus entre o Passado e o Presente’, a equipe de Durango Martins Duarte encontrou o nome de uma criança chamada Maria como sendo a primeira enterrada, no dia 6 de abril de 1891 (DUARTE, 2009, p. 147). O aumento das rendas estaduais e municipais propiciado pelas atividades ligadas à borracha garantiu a construção e remodelação de um cemitério digno de uma cidade onde eram gerenciadas as atividades comerciais de importação e exportação. Ele fazia parte de um pacote de obras criado para dotar a capital de uma estrutura condizente com sua posição de grande centro comercial assumida em fins do século XIX.

Capela de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.

O cemitério foi sofrendo transformações significativas até ser conhecido da forma como é nos dias de hoje. A cerca de arame farpado foi substituída por uma de pau a pique em 1900 por ordem do Superintendente Arthur Cezar Moreira de Araújo, bem como foi construída uma rampa de acesso pelo Boulevard Amazonas (Avenida Álvaro Botelho Maia) e um portão com saída para a Avenida Major Gabriel. Em 1901, através do projeto de Lei N° 233, foi concedido um jazigo perpétuo a Etelvina D’ Alencar (1884-1901), imigrante nordestina assassinada na Colônia Campos Salles (AMAZONAS, 10/07/1902, p. 97). Foi na administração do Superintendente Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa (1902-1907) que foram realizadas as mudanças mais drásticas. Através da Lei N° 338, de 27 de maio de 1904, “Autoriza a Superintendência Municipal a reconstruir o cemitério de São João, desta cidade, e abre para esse fim o necessário crédito na Lei orçamentária em vigor” (LEI N° 233, DE 27 DE MAIO DE 1904 In: MENDONÇA, 2008, p. 148). Autorizado pela Lei N° 430, de 12 de dezembro de 1905, “manda proceder nesta necrópole a construção de muro com portões e gradil de ferro nas faces que limitam com o boulevard Amazonas e avenida Major Gabriel e no local do antigo necrotério uma Capela de estilo” (MENDONÇA, 2008, p. 142). O muro e os gradis ficaram prontos em 1905; a Capela de São João Batista, em 1906. No portão foi fixada uma frase em latim que dá o tom positivista ao cemitério: Laborum Meta, que significa fim dos trabalhos. A morte, nessa corrente filosófica, era vista como um processo que igualava os homens; e o Cemitério o espaço onde seria cultuada a memória desses homens. Exemplo disso são os grandes funerais de membros da elite política, intelectual e econômica local, noticiados na imprensa em forma de necrológios ou matérias especiais. Em 1913, o enterro de Agesilau Pereira da Silva (1846-1913), advogado e Presidente da Província do Amazonas entre 1877 e 1878, foi descrito da seguinte forma pelo Jornal do Comércio:

O enterro do illustre politico doutros tempos teve o cunho soberbo de uma apotheose consagradora, toda ella moldada na manifestação de um cultual sentimento affectivo, que bem significou as ultimas perolas de sua corôa de gloria. Dahi a innumeravel quantidade de representantes de todas as classes que, em romaria, lhe visitaram os despojos durante a noite de ante-hontem e o dia de hontem, e aquella intermina legião de amigos e admiradores que o acompanharam á ultima moradia e assistiram, com os olhos em lagrimas, descer o seu corpo ao seio da Grande Mãe” (JORNAL DO COMÉRCIO, 28/01/1913).

Entre 1911 e 1922, de acordo com o Relatório da Commisão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, organizado a mando do Prefeito Basílio Torreão Franco de Sá, foram feitos os seguintes reparos e obras: Pintura do gradil, dos portões de ferro e caiação dos muros, em 1911; a concessão, através da Lei N° 772, de 02 de outubro de 1913, de uma área para os enterramentos das irmãs de Sant’Anna; a reconstrução da capela e a construção de uma casa para a administração, em 1916; Limpeza geral, delimitação dos quarteirões com cercas de pitangueiras, levantamento das sepulturas perpétuas, identificadas com marcos de alvenaria, com as iniciais S.P., a numeração e a data de inumação em 1921; e a construção, em 1922, dos muros dos lados norte e oeste, “numa extensão de 588,70m; três sentinas, um grande mictório, um quarto para guardar ferramentas e materiais e um banheiro, terminando também a edificação do sumidouro, então apenas iniciada. Todas estas obras foram feitas com alvenaria de pedra e tijolo” (RELATÓRIO DA COMMISSÃO ORGANIZADORA DO TOMBO DOS PRÓPRIOS DO MUNICÍPIO, 1922).

Monumentos funerários do Cemitério de São José, localizados na quadra 04 do Cemitério de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.

Em 11 de janeiro de 1926, a Prefeitura, na gestão de Hugo Carneiro, lançou um edital destinado aos interessados em transladar os restos mortais de seus familiares do antigo Cemitério de São José para o de São João Batista (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO AMAZONAS, 11/01/1926). No dia 18 de dezembro desse mesmo ano é publicado o edital de exumações. Foi construído, em 1932, um ossuário que guarda os restos mortais de 48 pessoas originalmente enterradas no Cemitério de São José e cujos restos não foram reclamados. Os monumentos funerários, enfileirados na quadra 04, foram transferidos no mesmo ano. No ano de 1928 a Prefeitura cede uma área do São João Batista, que ocupa as quadras 03, 04 e 05, para a construção do Cemitério Judeu, que passou a ser administrado pelo Comitê Israelita do Amazonas, criado em 1929. Até 1927 os enterros de judeus eram feitos em solo cristão (PONTE, 2013, p. 19).

Elaborei um pequeno roteiro destinado aqueles que desejam visitar o Cemitério de São João Batista. Ele é composto por 18 túmulos, pela quadra do Cemitério de São José e o Cemitério Judeu. Chamam a atenção pela arquitetura e pela história dos que neles estão inumados.

Roteiro – Cemitério de São João Batista:

Quadra 02: Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), José Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008); Quadra 04: Túmulos do Cemitério de São José; Quadra 05: Simplício Coelho de Rezende (1841-1915), Ária Paraense Ramos (1896-1915); Quadras 03, 04 e 05: Cemitério Judeu (1928); Quadra 06: Delmo Campelo Pereira (1933-1952), Joana Taveira da Cruz (1819-1911), Jazigo da família Nogueira da Silva e Aprígio Martins de Menezes (1844-1891); Quadra 07: Adriano Jorge (1879-1948), Jazigo da família de José Carneiro dos Santos; Quadra 08: Jazigo da família Salem José e escultura do cachorro Douglas, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1928-2009), Álvaro Botelho Maia (1893-1969); Quadra 10: Leopoldo Tavares da Cunha Melo (1891-1962); Quadra 11: Santa Etelvina D’ Alencar (1884-1901), Shalom Emanuel Muyal (m. 1910); Quadra 13: Teresa Cristina (1964-1971).























Eduardo Gonçalves Ribeiro.























Joaquim Rocha dos Santos.
















José Jefferson Carpinteiro Péres.






















Simplício Coelho de Rezende.
























Ária Paraense Ramos.















Cemitério Judeu.

























Delmo Campelo Pereira.
























Joana Taveira da Cruz.
























Jazigo da família Nogueira da Silva.
























Aprígio Martins de Menezes.
























Adriano Jorge.























Jazigo da família de José Carneiro dos Santos.























Jazigo da família Salem José.



















Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo.















Álvaro Botelho Maia.
















Leopoldo Tavares da Cunha Melo.















Etelvina D' Alencar.























Shalom Emanuel Muyal.

























Teresa Cristina.








FONTES:

Governo do Exm. Sr. Dr. A. X. de Villeroy, Expediente do Governo do Estado do Amazonas, de 04 de julho de 1890 In: Amazonas, 09/07/1890.

Intendência Municipal, Sessão Ordinária de 03/03/1891.

Decretos, Leis e Regulamentos. Administração Fileto Pires Ferreira, 1889 a 1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II – 1891, p. 105. Acervo da ACA.

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em 03/03/2019.

AMAZONAS. Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes por occasião da Abertura da 2° Sessão ordinaria da 4° Legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Governador do Estado Silverio José Nery em 10 de julho de 1902.

Jornal do Comércio, 28/01/1913.

Relatório da Commisão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município. Manaus, 1922.

Diário Oficial do Estado do Amazonas, 11/01/1926.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o Passado e o Presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.

MENDONÇA, Roberto. Centenário da Vila Municipal. Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto. Série Memória, 6° Ed, N° 91, novembro de 2002.

____________________. Administração do Coronel Lisboa. Manaus: Edições Muiraquitã, 2008.

GOMES, Adriana. O processo de secularização do Brasil no limiar da República e a criminalização do espiritismo. Sacrilegens – Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião – UFJF, 2014.

PONTE, Maximiliano. Certas mulheres que vieram de longe: As “pobres mulheres” sepultadas no Cemitério São João Batista de Manaus. Boletim do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB), n° 48, agosto de 2013.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Instituto Durango Duarte.
Fábio Augusto





sábado, 2 de fevereiro de 2019

Resenha: Folhas do Norte - Letramento e Periodismo no Amazonas (1880-1920), de Maria Luiza Ugarte Pinheiro


Os jornais, nos últimos anos, tem sido uma das fontes mais utilizadas nas produções acadêmicas no campo da História. Não é difícil encontrar trabalhos produzidos exclusivamente com eles, bem como aqueles em que foram a maior parte do material empregado. Essa guinada se deu entre as décadas de 1980 e 1990, período em que os periódicos passaram a ser vistos como fontes importantes na compreensão dos processos históricos, haja vista serem instrumentos de propagação ideologias, modos e modas, oferecendo muitas informações de outras épocas e se mostrando frutos desses contextos históricos. No Amazonas já existem algumas monografias, dissertações e teses alicerçadas nas páginas amareladas dos jornais, mas se comparado a outras regiões, ainda são poucas as pesquisas locais em que eles são utilizados como objetos ou fontes de estudo. Pode-se citar como trabalho pioneiro o catálogo ‘Cem anos de Imprensa no Amazonas (1850-1950)’, organizado na década de 1990 pelos professores do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É um levantamento precioso sobre os jornais que foram publicados no Amazonas entre a segunda metade do século XIX e a segunda metade do século XX.

Foi pensando nessa lacuna em nosso Estado que a professora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, do Departamento de História da UFAM, publicou, em 2015, ‘Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas (1880-1920)’, resultado de sua tese de Doutorado defendida em 2001 na PUC-São Paulo. Neste livro a historiadora Maria Luiza analisa o surgimento, desenvolvimento e expansão do letramento e da imprensa no Amazonas.

O livro é divido em duas partes, cada uma com três capítulos. No primeiro são abordadas a Oralidade e Letramento no Amazonas (1850-1880). Em uma região vasta e pouco povoada, de maioria indígena e com forte tradição oral, a cultura letrada fazia parte da realidade de poucas pessoas, em sua maioria ligadas à máquina burocrática e, ainda assim, de forma deficiente entre esse seleto grupo. A autonomia surgida com a criação da Província em 1850 não foi suficiente, pois as escolas criadas pelos Presidentes, tanto na capital quanto no interior, sofrem com a carência de profissionais para preencher os quadros de professores de primeiras letras.

É nesse contexto, em que a língua portuguesa ainda não estava consolidada entre a população, que surge a imprensa no Amazonas. Maria Luiza foge da tradicional polarização oralidade x letramento, mostrando “[…] como a utilização de novas linguagens – o humor, a charge e a caricatura – no interior do periodismo pode se constituir em mecanismos que expressam não só tensões, mas também mediações com o universo oral local” (p. 71). Dessa forma, o surgimento de periódicos em uma região deficitária no domínio das letras é fruto de uma relação de trocas, penetrações, submissões e concessões entre o dito e o escrito.

Em Feição e feitura dos primeiros jornais do Amazonas são analisados os primeiros passos dos jornais no Amazonas (1851), os oficiais e ligados a partidos políticos, produzidos em tipografias e financiados pelo Estado; e os manuscritos e datilografados, de baixa tiragem, pequenos empreendimentos de pessoas sem especialização na área. Estes últimos, a “pequena imprensa”, compõe o grosso da obra. Os jornais enfrentaram dificuldades de diferentes tipos, tais como um público acostumado mais com a oralidade que a leitura, a falta de mão de obra especializada (tipógrafos), de oficinas tipográficas bem montadas, de material (papel, tinta) e perseguições políticas, com a destruição de redações e ataques a jornalistas.

Por volta de 1880-1900, a circulação de capitais surgida com o sistema econômico gomífero propiciou a importação de máquinas de impressão, de materiais e atraiu profissionais estrangeiros altamente qualificados para trabalhar nas oficinas tipográficas. Ainda assim, uma gama de pequenos jornais, feitos em sua maioria de forma artesanal, continuavam a surgir, mostrando como o acesso às novas técnicas era restrito e oneroso e a existência de pessoas obstinadas em deixar registradas suas visões da sociedade. São periódicos com nomes curiosos que evidenciam seu caráter popular: KCT, A Matraca, A Marreta, O Raio, A Mutuca e O Chicote, apenas para ficarmos em alguns exemplos. Inúmeros foram publicados, tendo uma existência efêmera, evidenciando assim os problemas da empresa jornalística. O aparecimento de um novo jornal era geralmente celebrado, mas o clima de tensão entre a grande e a pequena imprensa era uma realidade, conforme assinala a autora: “Ao longo das duas primeiras décadas do século XX, as pequenas folhas, de estilo mais despojado e de linguagem coloquial, passam a ser cada vez menos toleradas no interior do periodismo e constantemente confrontadas por jornais que, projetando-se como portadores diletos do refinamento cultural e da vida civilizada, passaram a impor regras e convenções, defendendo a restrição da atividade jornalística à esfera da norma culta burguesa” (p. 105).

Intelectuais de renome regional e nacional como Thaumaturgo Sotero Vaz, Péricles Moraes, Álvaro Botelho Maia, Arthur Cézar Ferreira Reis, Agnello Bittencourt e Mário Ypiranga Monteiro, que fizeram parte da Academia Amazonense de Letras (AAL) e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), iniciaram suas carreiras nos jornais antes de atingirem o auge de compor os quadros de imortais e membros dessas instituições culturais. Aliás, uma tendência na maioria das cidades brasileiras na virada do século XIX para o XX. Foi através da imprensa que os homens de letras amazonenses externaram seus pensamentos, digladiaram-se em correntes literárias, traduziram obras, introduziram valores e ideologias na população e utilizaram a linguagem popular para manter esse contato. É isso que fica evidente em Do jornal à academia: Elites intelectuais e Periodismo no Amazonas.

Em uma região tida como culturalmente acanhada, distante dos centros letrados como Rio de Janeiro e São Paulo, que esterilizava seus grandes nomes, esses escritores, sociólogos, historiadores e professores vão criando nas páginas dos jornais diários, médios e pequenos, através de conferências e correspondências com autores da “corte literária”, uma fervilhante ambiência cultural que foi o núcleo, em 1909, da Universidade Livre de Manaus, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, em 1917 e, da instituição de maior relevo, a Academia Amazonense de Letras, em 1918. Essa elite intelectual não é apenas fruto de um novo momento do Amazonas, em que a economia gomífera permite a reestruturação de parte da vida urbana, do aparato jornalístico, da incorporação de mão de obra estrangeira e especializada. Maria Luiza Ugarte Pinheiro lembra que “tanto quanto instituída, a imprensa institui, instaura e dinamiza a cultura letrada e os valores da sociedade burguesa ocidental, ao mesmo tempo, que por eles é potencializada” (p. 153). Os articulistas locais discutem, traduzem os anseios diante das mudanças operadas, modificam o cenário influenciando a opinião pública.

A riqueza do “ciclo da borracha”, recuperada idilicamente pela historiografia mais tradicional, foi sendo construída em meio a contradições sociais características das áreas do globo incorporadas ao modelo capitalista como fornecedoras de matérias-primas. Tais contradições mostravam-se em diferentes aspectos cotidianos. O trabalho era o principal deles. Baixos salários, carestia e insalubridade faziam parte do dia a dia de operários, nacionais e estrangeiros, que garantiam o funcionamento de todo um sistema econômico. Foi através da imprensa que esses operários, ainda não plenamente organizados mas conscientes de suas condições, faziam reivindicações por melhores salários, planejavam greves, discutiam, em linguagem acessível, teorias sociais, e criticavam a indiferença do empresariado local. Jornais anarquistas, socialistas, de trabalhadores de diferentes áreas (caixeiros, gráficos, estivadores etc), produzidos sem maiores artifícios técnicos, vieram a luz no Amazonas entre 1890 e 1928, período marcado pela expansão e declínio da economia gomífera. Iam da simples defesa ao engajamento teórico mais elaborado. Essas são as Folhas Operárias, tema do quarto capítulo.

Não sendo diferente de outras realidades, no seio desses próprios jornais operários existia a contradição, pois muitas vezes, além do discurso endereçado às classes laboriosas, que davam sentido a essa modalidade jornalística, estava o elogio, implícito ou explícito, ou mesmo a submissão, ao patronato e às oligarquias políticas. Ainda assim, “suas páginas desnudam as contradições mais profundas de uma cidade que acabou idealizada como exemplo de progresso e civilização nos trópicos” (p. 173). Não raro sofriam, por parte dos grupos de poder anteriormente citados, represálias em que o empastelamento, invasão e destruição de tipografias e escritórios, bem como o ataque a líderes sindicais (que desempenhavam a função de redatores, diretores, repórteres), foram as principais formas de silenciamento.

O humor é uma forma diferenciada de se relacionar com o cotidiano, utilizando para tal a irreverência e a linguagem coloquial, que lhe dão o tom. Ele está presente em todas as sociedades e relacionado de forma inconteste aos contextos históricos pelos quais elas passam, tornando-se assim uma fonte valiosa para a compreensão de realidades passadas. A imprensa europeia, já no século XVIII, permitiu sua rápida propagação nas cidades, fosse em tempos de Revolução, em que prevalecia a ácida crítica política, fosse em épocas mais amenas. No Amazonas da virada do século XIX para o XX não foi diferente. Jornais humorísticos foram surgindo com a promessa de amenizar ou servir de alternativa a seriedade da imprensa mais tradicional. Enxergando diversas possibilidades de análises, a historiadora os recupera no quinto capítulo, O Humor no Periodismo Amazonense.

Foram identificados por Maria Luiza três tipos de jornais humorísticos: Os de entretenimento, que teciam críticas ao cotidiano; os de humor político, voltados para as críticas a política local e nacional; e os moralizadores e segregadores, em que os artigos eram verdadeiros ataques a homossexuais, prostitutas, negros e imigrantes nordestinos. “O jornal de humor, a propor o entretenimento, desafia e afronta o instituído, o consagrado e, ao fazê-lo, atrai a atenção de um conjunto de leitores que não só demandam atitudes de independência e de liberdade de pensamento e expressão, mas também desejam ver esgarçadas as contradições de uma sociedade que lhes parecia putrefata” (p. 234). Esses jornais atendem os anseios populares, dialogam com eles, assim como fazem parte de uma esfera burguesa que através do chiste criticava setores populares da sociedade considerados atrasados e indesejados no espaço urbano. As imagens, charges e caricaturas, de acontecimentos do dia a dia, de membros da elite, políticos e acontecimentos nacionais e internacionais, surgem de forma tardia, mas se fazem presentes no periodismo amazonense. Esses recursos visuais, em uma sociedade marcada por altos índices de analfabetismo, permitem a leitura e diferentes interpretações que não seriam possíveis apenas com textos escritos.

Uma das principais mudanças verificadas a partir da segunda metade do século XIX foi a condição da mulher. De submissa e encerrada na esfera privada do lar, ela passa a ocupar os espaços que antigamente lhe eram proibidos. As transformações econômicas e o acesso à instrução foram fatores decisivos para que as mulheres se tornassem cada vez mais membros ativos da sociedade, reivindicando a emancipação frente ao patriarcado. Essas vozes ecoaram, não sem dificuldades, pelos jornais. A Mulher no Periodismo – último capítulo – fez representar-se e foi representada de várias formas.

Assim como vinha ocorrendo na Europa e na América do Norte, as mulheres, no Amazonas, estavam ganhando espaço e maior visibilidade. De uma forma interessante e pouco vista na historiografia local, Maria Luiza as localiza através da iconografia (com destaque para as cenas do filme No Paiz das Amazonas, de Silvino Santos, produzido em 1922) desempenhando diferentes trabalhos, tais como os de lavadeiras, costureiras, operárias, coletoras de guaraná e de ovos de tartaruga. O mundo letrado, formado majoritariamente por homens, reagiu. Pelas páginas dos jornais, artigos e caricaturas criticavam a ascensão das mulheres, vista como uma forma de subversão da “ordem natural” que lhes outorgou a condição de donas de casa, e uma ameaça a predominância masculina, visto que elas começavam a ter ocupações anteriormente restritas a esse grupo. Na imprensa elas tinham pouco espaço. Apareciam nas notas do colunismo social, nos romances e crônicas nos rodapés das páginas, sempre associadas a assuntos superficiais. O final do século XIX, no entanto, viu surgir o Abolicionista do Amazonas (1884), formado por mulheres da alta sociedade que lutavam pela abolição da escravidão. Treze anos depois, aparecia em Codajás A Rosa (1897). Em 1909, o Grêmio, em Manaus. Os periódicos anteriormente citados tinham diferentes tipos de abordagem, indo da “aceitação” da condição da mulher como mãe e dona de casa até a luta pela equiparação salarial. A historiadora salienta que, “contudo, não se deve concluir que a ação das mulheres na imprensa demonstrasse sempre uma postura apática ou alienante e invariavelmente submissa. Embora difícil de aquilatar, não há como duvidar do fato de que os avanços atuais foram construídos lentamente nos rastros das centelhas lançadas por essas pioneiras” (p. 315).

O pioneirismo do trabalho da historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro reside no uso que fez dos pequenos jornais, esquecidos ou ignorados pela antiga historiografia local em detrimento dos grandes jornais empresa. Os recuperando em arquivos precariamente organizados (com uma ou outra exceção) deu luz a um cotidiano mais popular, vívido, impregnado de contradições, abarcando a relação entre oralidade e letramento, o surgimento dos primeiros jornais, a atividade das elites intelectuais no periodismo, as dificuldades do nascente jornalismo operário, o humor e a presença da mulher no periodismo amazonense.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ruas de Manaus: Lima Bacury

Rua Lima Bacury. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

A rua Lima Bacury começa no antigo Igarapé dos Remédios, posteriormente do Aterro e atual Avenida Floriano Peixoto, em frente a Praça Heliodoro Balbi (antiga Praça 28 de Setembro, Praça da Constituição), atravessa as ruas Izabel, Dr. Almínio e Avenida Joaquim Nabuco e termina no Igarapé de Educandos, trecho aterrado e transformado em Avenida Lourenço da Silva Braga. Ela fazia parte do antigo bairro dos Remédios.

Sua abertura possivelmente seu deu antes de 1870. Em 1875 a Câmara Municipal de Manaus lhe outorgou o nome de rua da Concórdia, em homenagem, de acordo com o historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro “a ascensão do ministério de 25 de maio de 1875” (MONTEIRO, 1998, p. 169). Não foi possível identificar que ascensão de ministério foi essa que o autor cita, mas a palavra concórdia tem relação com paz, harmonia, podendo ser este nome uma alusão ao fim de alguma disputa política ou militar.

Coronel Francisco Ferreira de Lima Bacury (1848-1917). FONTE: Jornal A Capital, 27/10/1917.

Tal nomenclatura desaparece em 9 de março de 1892, quando a rua, por proposta do Intendente Antônio Dias dos Passos, passou a homenagear o jornalista, político e militar Coronel Francisco Ferreira de Lima Bacury (1848-1917). Lima Bacury nasceu em Manaus em 04 de outubro de 1848, falecendo na mesma cidade em 26 de outubro de 1917 aos 69 anos. Residia na rua Igarapé de Manaus. Foi amanuense da Secretaria da Província, Deputado Estadual, Federal e Inspetor do Tesouro do Estado. Foi homenageado com o nome de uma rua por sua participação nos movimentos políticos de 1891-1892 que culminaram na deposição do Governador Gregório Thaumaturgo de Azevedo e na restituição e ascensão de Eduardo Gonçalves Ribeiro ao Governo do Estado do Amazonas. Sobre o assunto, ver o texto A Revolta de 14 de Janeiro de 1892. Os anúncios dos estabelecimentos comerciais antigamente estabelecidos na rua da Concórdia, bem como os de compra e venda, passaram a indicar a mudança do nome da rua:

"Casas à venda
Vendem-se duas casas à rua da Concordia, hoje Lima Bacury.
Quem pretender dirija-se á Ismael Victorio Gomes (AMAZONAS, 14/02/1893).

Dois registros produzidos pelo fotógrafo alemão George Huebner em 1890, quando a nomenclatura ainda era Concórdia, nos permitem ter uma noção de como era essa rua desde sua abertura até os anos finais do século XIX. No primeiro temos a via no sentido de quem vai para o Igarapé dos Remédios (Avenida Floriano Peixoto); no outro, em sua parte final, à margem do Igarapé de Educandos. O terreno, por ser margeado por dois igarapés, era bastante alagadiço, além de ser irregular. A iluminação era feita por postes rústicos possivelmente no período provincial. As casas, em sua maioria, eram simples, mas algumas já apresentavam algum refinamento arquitetônico, sendo, no entanto, divididas por cercas de madeira.

Rua da Concórdia (Lima Bacury), sentido Igarapé dos Remédios, 1890. FOTO: George Huebner. FONTE: Instituto Moreira Salles.

Rua da Concórdia (Lima Bacury), sentido Igarapé de Educandos, 1890. FOTO: George Huebner. FONTE: Instituto Moreira Salles.

Por volta de 1895 funcionou nessa rua uma escola noturna cujo professor responsável era Cyrilo Leopoldo da Silva Neves (DIÁRIO OFICIAL, 17/01/1895). Em 1897, conforme a relação de obras e pagamentos efetuados entre 23 de julho de 1896 e 31 de dezembro de 1897, ela foi desaterrada ao custo de 4:375$000 réis (DIÁRIO OFICIAL, 01/03/1898). Quando do aterro daquela parte do Igarapé dos Remédios, posteriormente transformada em Avenida Floriano Peixoto, a rua Lima Bacury “[…] ficou por esse modo ligada á Praça da Constituição (Praça Heliodoro Balbi, da Polícia)” (MENSAGEM, 15/01/1901).

Se tem notícia, entre 1914 e 1915, do funcionamento da sede da Sociedade União dos Alfaiates de Manáos nessa rua e, na década de 1920, da existência de uma vila chamada Costa. Em 1956 ela teve o calçamento consertado, bem como recebeu a “[…] mudança da tubulação de esgôtos do trecho entre Dr. Almínio e Izabel” (MENSAGEM, 1956, p. 120). Em 1958 o trecho entre a Avenida Joaquim Nabuco e rua Dr. Almínio foi recalçado. Foi da rua Lima Bacuri que se idealizou, em 1972, a ponte que ligaria o Centro ao bairro de Educandos. Os primeiros pilares foram construídos, mas o projeto foi modificado e escolhida a ligação pela rua Quintino Bocaiuva que resultou na Ponte Pe. Antônio Plácido de Souza, concluída em 1975. Até a demolição do Cine Guarany em 1984, a Lima Bacury era uma rua de trânsito livre. Quando o cinema veio abaixo, poucos anos depois foi erguido um ponto de ônibus que fechou o trânsito de carros para a Avenida Floriano Peixoto.

Ao longo da via podem ser vistas construções de estilos e épocas variadas, como os belos casarões da família Péres. Boa parte, no entanto, já foi demolida ou encontra-se grosseiramente modificada. Dois partidos políticos foram sediados nessa rua, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Movimentam a tradicional Lima Bacuri alguns estabelecimentos, podendo ser destacados a Livraria Sebo Alienígena, referência em vinis, livros e revistas, o Bar do Metal, o Bar da Claudinha e, desde fins da década de 1970, a Escola de Samba Balaku Blaku.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus, Editora da Universidade do Amazonas, 1998.


FONTES:

Amazonas, 14/02/1893.

Diário Oficial, 17/01/1895.

Diário Oficial, 01/03/1898.

Mensagem lida perante o Congresso dos Snrs. Representantes em sessão extraordinaria de 15 de Janeiro de 1901 pelo Dr. Silverio José Nery, Governador do Estado.

Mensagem à Assembleia Legislativa apresentada pelo Governador do Estado do Amazonas Plínio Ramos Coelho por ocasião da abertura da sessão Legislativa de 1957.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Jornal A Capital, 27/10/1917.

Instituto Moreira Salles.

Jornal A Capital, 27/10/1917.



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Meus agradecimentos ao amigo Eros Augusto Pereira da Silva pela cessão do livro do historiador Mário Ypiranga Monteiro. Infelizmente o primeiro dos dois volumes da obra foi furtado da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, na rua Barroso, impossibilitando a pesquisa no local.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Ruas de Manaus: Rui Barbosa

Rua Rui Barbosa. Foto de 1973. FONTE: Instituto Durango Duarte.

A rua Rui Barbosa, de apenas 2 quarteirões e uma das mais antigas de Manaus, tem início na Avenida Sete de Setembro, do lado do Colégio Amazonense Dom Pedro II, atravessando a rua Henrique Martins e terminando na rua Saldanha Marinho. Até ser conhecida pelo nome atual, teve outros cinco.

Seu primeiro nome foi rua do Curral ou do Curral das Éguas, nomenclatura de origem popular que “lhe adveio da concentração de mulheres erradas (atividade prostitucional)” (JORNAL DO COMÉRCIO, 17/06/1976) naquela parte da cidade conhecida como bairro da República, fronteiro ao bairro do Espírito Santo, desde os primeiros tempos da Província. Nela ficava, na esquina com a rua da Palma (Saldanha Marinho), a tipografia do jornal Amazonas; o já desaparecido casarão de Pedro Henriques Cordeiro; as tabernas de Joaquim das Neves Garcia, Sergio Rodrigues Pessoa e Antônio Sarmento Pereira (AMAZONAS, 27/07/1881); os alugadores de carroça José Castor Juanati e Manuel Gonçalves da Costa; e a Torrefação de Café de José Ferreira da Silva (ALMANACH, 1884). Por proposta do vereador Antônio Davi de Vasconcelos Canavarro, a Câmara Municipal, em 31 de julho de 1867, mudou seu nome para Rua da União.

Ela conservou esse nome até 1890. Em 11 de novembro daquele ano, o Superintendente Municipal Silva Teles oficializou o projeto que a batizava com o nome de rua Campos Sales. Tratava-se de uma homenagem ao político paulista Manuel Ferraz de Campos Sales (1841-1913), futuro Presidente da República (1898-1902) e, na época, Ministro da Justiça. Seis anos depois, em 1896, nova nomenclatura lhe é dada. A via passa a se chamar rua Afonso de Carvalho, em referência ao Coronel da Guarda Nacional e político Raimundo Afonso de Carvalho (1860-?), que em 1907, após a renúncia de Constantino Nery, assumiu o Governo do Estado. Sua antiga residência, construída entre 1907 e 1908, entre as ruas Ramos Ferreira e Ferreira Pena, existe até os dias de hoje. Já nesse período, seus principais estabelecimentos eram o Colégio Santa Rita, os hotéis Faneca e dos Artistas e a Mercearia Vinagre.

Por volta de 1910, nova denominação, dessa vez lembrando um amazonense. Jorge de Moraes (1878-1947) nasceu em Manaus, indo jovem para a Bahia, onde cursou Medicina. Posteriormente, na França, aprofundou seus estudos, especializando-se como clínico geral e médico cirurgião. De volta a Manaus, atuou como cirurgião da Santa Casa de Misericórdia e da Beneficente Portuguesa, médico do Instituto Benjamin Constant, membro da Comissão de Saneamento e médico legista. Oferecia em jornais os serviços de “curativos para moléstias do útero, operações, partos e syphilis” (JORNAL DO COMÉRCIO, 19/01/1910). Entra na política em 1905, sendo eleito Deputado Federal. Em 1909 é eleito Senador pelo Amazonas, renunciando em 1911 para assumir a Prefeitura de Manaus, posto em que ficou até 1913, sendo o primeiro Prefeito eleito da capital. Anteriormente, em 1910, foi o responsável por fazer os agradecimentos ao Presidente do Conselho de Ministros da França George Clemenceau, em visita a capital federal. Em 1927 é mais uma vez eleito Deputado Federal, ficando no cargo até 1930, quando teve o mandato interrompido pela Revolução de 1930. Jorge de Moraes assumiu a Prefeitura em um período marcado pela crise econômica. O historiador Agnello Bittencourt assim descreve sua administração:

O ex-senador apenas pode realizar pequenos empreendimentos, arrancados ao magro orçamento do município. Terminada sua gestão, o prefeito estava cansado e irritado, coisa costumeira na sua psicologia. […] Quem quiser melhor conhecer as realizações municipais do triênio administrativo do Dr. Jorge de Moraes, procure o excelente “Anuário de Manaus para 1913-1914”, organizado por Heitor de Figueiredo – 1913 – Lisboa” (BITTENCOURT, 1973, p. 293).

Jorge de Moraes morava nessa rua, ao que se sabe, desde os tempos em que era chamada Afonso de Carvalho. Seu palacete, com um belo monograma, localizado no n° 177, quase no fim da rua, resiste às mudanças do entorno, puramente comercial e quase destituído de seu patrimônio histórico edificado, cujos últimos exemplares, em sua maioria, foram transformados em óticas, algumas com várias décadas de atividades naquela artéria.

Antigo palacete do Dr. Jorge de Moraes. FOTO: Ed Lincon, 2018.

Em 1930, essa rua deixava de se chamar Jorge de Moraes para, até os dias de hoje, ser conhecida como Rui Barbosa (1849-1923), uma homenagem ao famoso jurista, escritor e político soteropolitano da República. Tal mudança não foi aceita de imediato, ecoando insatisfações décadas mais tarde. O escritor João Chrysostomo de Oliveira, em artigo publicado no Jornal do Comércio, escreveu que “a homenagem ao ilustre estadista baiano é muito justa mas injustíssima a substituição do nome de Jorge de Moraes pelo da “Águia de Aya”. Ele chegou a pedir que a Câmara Municipal de Manaus restaurasse “[…] o nome de Jorge de Moraes para a rua da sua antiga residência”, batizando com o nome Rui Barbosa a Avenida Tarumã ou “[…] outra via mais conveniente” (JORNAL DO COMÉRCIO, 08/08/1993). De acordo com o historiador Mário Ypiranga Monteiro, em seu Roteiro Histórico de Manaus, a rua Rui Barbosa “foi das poucas ruas que findaram em ser beneficiadas com asfalto, ainda podendo ver-se as paralelas de aço dos trilhos de bondes” (MONTEIRO, 1998, p. 615).


FONTES:

Amazonas, 27/07/1881.
Almanach Administrativo, Historico, Estatistico e Mercantil da Provincia do Amazonas, 1884.
Jornal do Comércio, 19/01/1910.
Jornal do Comércio, 17/06/1976.
Jornal do Comércio, 08/08/1993.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro, Conquista, 1973.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus, Editora da Universidade do Amazonas, 1998.


CRÉDITO DAS IMAGENS:


Instituto Durango Duarte.
Ed Lincon.

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Meus agradecimentos aos amigos Eros Augusto Pereira da Silva, pela cessão do livro do historiador Mário Ypiranga Monteiro, e Ed Lincon Barros da Silva, pela foto do palacete do Dr. Jorge de Moraes.








terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Museu Botânico do Amazonas (1883-1890)

O antigo prédio do Museu Botânico do Amazonas, posteriormente transformado em Asilo Orfanológico Elisa Souto e Instituto Benjamin Constant. FONTE: The City of Manáos and the country of Rubber Tree, 1893/Instituto Durango Duarte.

O Museu Botânico do Amazonas, primeira instituição científica da Província, foi criado no governo de José Lustosa da Cunha Paranaguá em 18 de junho de 1883 através da Lei Provincial N° 629, sendo efetivamente inaugurado em 16 de fevereiro de 1884 já na administração de Theodoreto Carlos de Faria Souto. Surgiu por iniciativa da Princesa Isabel (1846-1921) e por intermédio do engenheiro, botânico e naturalista mineiro João Barbosa Rodrigues (1842-1909), pesquisador com larga experiência sobre a flora amazônica. No Relatório Provincial de 25 de março de 1883, o Presidente José Paranaguá destacou a proposta de Barbosa Rodrigues (feita em 1882) de ser construído um museu botânico na capital da Província e as bases para o seu funcionamento. Essas bases seriam formadas, dentre outras coisas, pelo estudo de todas as plantas da flora amazonense, de suas propriedades químicas, medicinais e econômicas, a construção de um ervário, um laboratório, a publicação de uma revista de caráter histórico, geográfico e etnográfico sobre a Província, distribuída nos estabelecimentos científicos nacionais e estrangeiros; e a troca de materiais com os museus da Europa mediante a existência de duplicatas no ervário. “Para cabal desempenho terá o museu um botanico, um chimico, quatro ajudantes, dous serventes e um porteiro”. Os ajudantes, quer do botanico, quer do chimico, um servirá tambem de secretario, outro de photographo, outro de desenhista, e outro de preparador.(AMAZONAS, 25/03/1883).

Barbosa Rodrigues também fez o orçamento da construção da sede do museu, da montagem do laboratório, da compra de livros, mobiliário e a manutenção anual com os funcionários, as gratificações e a impressão da revista. Todos os itens somados custariam a Província 120:000$000. A ideia de um museu voltado para a pesquisa botânica, histórica e etnográfica gerou debates na Câmara dos Deputados. O Deputado Passos de Miranda, representante da Província do Amazonas, apresentou um aditivo de 30:000$000 anuais para o estabelecimento do museu botânico durante uma discussão sobre o orçamento para a agricultura, o comércio e as obras públicas realizada em 24 de outubro de 1882, com a justificativa de que as pesquisas sobre as propriedades das plantas amazônicas seriam extremamente vantajosas para o engrandecimento da economia e medicina locais e nacionais. Passos de Miranda questionava-se sobre o estado de abandonado dos recursos naturais e a inexistência de uma entidade voltada para o estudo destes: “Ora, se n’aquella immensa região, n’aquella flora riquissima, pódem-se encontrar tantos recursos para o desenvolvimento das sciencias e das artes, da industria e do commercio, como se deixa completamente abandonada?” (AMAZONAS, 25/03/1883). Passos de Miranda recebeu o apoio do Deputado Adriano Pimentel, também representante do Amazonas, no levantamento do aditivo e na sugestão do nome de Barbosa Rodrigues para a direção da instituição.

O museu foi instalado inicialmente, conforme o Relatório Provincial de 25 de março de 1885, em uma casa alugada localizada na Ilha de Caxangá, onde ocorreu a inauguração em 16 de fevereiro de 1884. Posteriormente foi transferido para uma das propriedades do Barão de São Leonardo, o prédio que futuramente daria origem ao Instituto Benjamin Constant (1894) e que antes foi o hospital de variolosos. Seu último endereço foi o Liceu, o Gymnasio Amazonense Dom Pedro II. Pela Lei N° 749 de 17 de maio de 1887, ficou autorizada a transferência do Asilo Orfanológico para o prédio do Barão de São Leonardo, ocorrida em 6 de julho de 1888, sendo transferido o museu para o Liceu, ficando este reduzido a uma sala.

Em 1885, a notícia da inauguração do quadro do ex-presidente José Paranaguá nas dependências do Museu nos dá uma dimensão de sua organização e acervo. Na sala em que foi colocado o quadro, voltada para a etnografia, ficavam armas de caça, armas de guerra e remos, objetos de madeira e palha. Nela existiam quatro armários divididos em 2 seções alfabeticamente ordenadas. O primeiro era formado por flechas, tangas, maracás, sandálias e colares de diferentes tribos. Tigelas de barro, panelas e alguidares poderiam ser vistos na parte inferior. O armário número dois possuía objetos de pedra do Amazonas e de Minas Gerais. No terceiro armário, vestimentas e máscaras tikunas, uma máscara do jurupary, pequenas panelas cheias de curare e flechas dos campás e mahuxacas (sic). Na parte superior, uma igaçaba vinda de Carvoeiro e um forno do rio Uaupés. No quarto, crânios encontrados no rio Purus e panelas do rio Jutaí. As portas do museu eram encimadas por flechas colocadas em rosetas e o teto era adornado com redes e flechas de várias tribos. A segunda sala era a de Botânica, onde ficavam armazenadas as coleções de diferentes plantas nativas e importadas. Por último, a terceira sala era ocupada pela biblioteca do diretor. Esperava-se que “[…] nossa população seja despertada pelo desejo de ver o que é nosso e que está alli colleccionado cuidadosamente em numero superior a 1000 objectos diversos”. Apesar de todo o entusiasmo, não se deixou de notar como o funcionamento do museu era deficitário, estando “hoje com seu pessoal reduzido a um director e secretario. Nem ao menos ha alli um servente para conservar as salas” (A PROVÍNCIA, 06/08/1885). Através da Lei N° 689, de 10 de junho de 1885, foram extintos os cargos de ajudante de químico, desenhista e porteiro, “[…] que nunca foram preenchidos, e cujos ordenados importavam, por anno, em 9:600$” (AMAZONAS, 21/09/1885). Foi uma constante na trajetória do museu a falta de mão de obra especializada para preencher seu quadro de funcionários. Foi nomeado secretário o jornalista fluminense Joaquim Augusto do Campos Porto (1855-1908). Deve-se esclarecer que boa parte do acervo era composto por coleções pessoais de Barbosa Rodrigues adquiridas na época em que comandou o Ministério da Agricultura e esteve no Vale Amazônico, entre 1872 e 1875.

No relatório de 1886 do museu, o diretor informava que o herbário possuía 1281 espécies vegetais, de 78 famílias e 322 gêneros, sendo classificadas e catalogadas mais de 5000 espécimes. Destes eram novos 56. O acervo botânico seria aumentado com coleções dos Estados Unidos, México e Chile. Do primeiro país viriam 800 espécies ofertadas pelo botânico John Donnell Smith. A seção etnográfica era formada por 1103 artefatos indígenas de 60 tribos do vale amazônico. Foi contratado, para auxiliar na montagem do laboratório de química, o bacharel Joseph Eugenio Aubert, que atuou entre 24 de novembro e 29 de dezembro de 1885. Esperava-se para maio de 1886 a chegada do químico Francisco Pfaff, “muito conhecido na Europa, professor da Universidade de Genebra e 1° ajudante do celebre Graëbe” (AMAZONAS, 25/03/1886). Nesse documento Barbosa Rodrigues expõe as dificuldades enfrentadas pelo museu desde sua fundação:

O museu que até agora tem tido uma existencia anormal, o que impede a sua organisação regular, de modo a satisfazer seus afins, apesar de repetidos pedidos e exigencias como que vai entrar em novo caminho para encetar trabalhos que produzirão os resultados que se tem em vista, com sua creação. Apezar porém, da falta quasi absoluta de meios de prosperidade, tem elle marchado, e, ainda que vagarosamente, dando resultados que vão além da expectativa de nacionaes e estrangeiros que visitam” (AMAZONAS, 25/03/1886).

Com todas as dificuldades, com materiais pagos pelo próprio Barbosa Rodrigues e que muitas vezes chegavam atrasados, o laboratório químico foi inaugurado em 16 de fevereiro de 1886 em comemoração aos dois anos de sua inauguração. Nesse ano o museu participa da Exposição Sul-Americana em Berlim. Em 29 de julho desse mesmo ano é realizada a primeira exposição sobre a História do Amazonas. Sobre esse evento, publicou-se o seguinte na imprensa: “[…] aplaudimos de coração a exposição do museu botanico, ao mesmo tempo que damos parabéns á província, por ter occasião de encontrar reunidos elementos que fallam de sua existencia no decorrer dos annos, elementos que são subsidio forte para historiadores e homens de sciencia” (JORNAL DO AMAZONAS, 29/07/1886). Percebe-se nessa fala que, além de ser um centro de pesquisas na área da botânica, o Museu de Barbosa Rodrigues foi responsável pela constituição de uma história oficial da província, recuperando os elementos materiais que atestariam sua antiguidade.

O surgimento do Museu Botânico do Amazonas está inserido no contexto da expansão do positivismo e do cientificismo evolucionista na segunda metade do século XIX. Institutos Históricos, Academias de Belas Artes e Museus surgem nas províncias brasileiras, ao molde das instituições europeias, formadas por membros vindos da elite intelectual, como núcleos de consolidação da soberania nacional, de debates da formação do Império, de seus elementos sociais e naturais e de propagação dos ideais de progresso e civilização. Como pôde ser visto em alguns pontos destacados por Barbosa Rodrigues, o museu manteria fortes relações com pesquisadores e instituições europeias. De acordo com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, quando surgem, “[…] os estabelecimentos locais se constituem em espécies de home lands para viajantes financiados por instituições estrangeiras, e principalmente para a Antropologia que se iniciava enquanto disciplina no Brasil” (SCHWARCZ, 1989, p. 38).

De 1885 a 1891 Barbosa Rodrigues publicou os seguintes trabalhos: A Pacificação dos Krichanas (1885), Relação dos productos enviados enviados para a Exposição de Berlin (1886, folheto), O Tamakuaré (1887), O Muirakaty (1889) e Poranduba Amazonense (1891). “Juntem-se a essa relação pequenos folhetos sobre plantas novas, artigos de jornaes sobre historia natural e um vocabulario completo da língua tupy e mais de 20 de differentes dialectos (inedito) e ver-se-ha que, em sete annos de trabalho, o resultado é realmente suprehendente” (CAMPOS PORTO, 1891, p. 76).

A revista, Vellosia, só veio a luz nos anos finais, sendo publicado um único número dividido em dois volumes, entre 1888 e 1891, este último reeditado no Rio de Janeiro pelo ex-secretário Campos Porto, período em que a instituição já havia sido desativada. Ela trazia descrições de plantas descobertas no Amazonas, estudos de Paleontologia, Arqueologia e Etnografia. Sua aparição tardia, sem atingir a meta pretendida (uma revista trimensal), explica-se pelas dificuldades financeiras em garantir sua impressão. No Relatório de 1888 do museu, Barbosa Rodrigues escreveu que o “[…] volume de Revista, relativo ao anno passado está no prelo desde julho do mesmo anno, não tendo sido possível, apesar de todos os exforços fazel-o apparecer” (AMAZONAS, 05/09/1888).

Os anos finais do museu foram os mais críticos. O orçamento de 1887, que era de 28:700$, foi para 13:400$000. O de 1889 não foi sancionado, mas, mesmo assim, reduzido novamente para 24:900$000. Na administração de Joaquim de Oliveira Machado a verba foi reduzida para 22:500$000. O então secretário Joaquim Campos Porto, em histórico traçado em 1891, expressa seu descontentamento: “Ao passo que se regateavam verbas minimas, as leis orçamentarias vinham cheias de gratificações, licenças por dous annos com vencimentos integraes, subscripções, concertos de escolas, igrejas, etc., tudo de uma imoralidade revoltante” (CAMPOS PORTO, 1891, p. 73). Quando da instalação da República em 15 de novembro de 1889, Barbosa Rodrigues foi nomeado pelo Governo Federal para assumir o cargo de Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, posição que a muito almejava, em 25 de março de 1890. Perdia o Museu Botânico do Amazonas a única pessoa especializada na flora amazônica capaz de dirigi-lo. Dessa forma, o Governador Augusto Ximeno Villeroy, em 25 de abril de 1890, declarou extinto o Museu Botânico do Amazonas:

O Governador do Estado do Amazonas, tendo em vista o decreto n. 42 desta data, que extinguiu o Museu Botanico, resolve dispensar o cidadão João Barboza Rodrigues de director e o cidadão Philadelpho Camillo Pessôa de porteiro do mesmo museu.

O Governador aproveita esta occasião para agradecer ao cidadão João Barboza Rodrigues os eminentes serviços que prestou á Patria enriquecendo a sciencia com colossaes trabalhos sobre a flora indigena. Seus vastos trabalhos sobre as Orchideas attestam que este judicioso investigador é o legitimo herdeiro do laborioso Martius.

O Governador lembra ainda as interessantes pesquizas sobre os habitantes primitivos da America, e especialmente do Brazil, como um dos titulos de benemerencia do infatigavel Brazileiro; e ao desperdi-se de tão digno cidadão felicita-o pela elevada prova de apreço com que o distinguiu o Governo Provisorio (CAMPOS PORTO, 1891, p. 74).

Enfrentando problemas financeiros e técnicos desde sua criação, e agora sem um diretor especializado, terminava assim a trajetória de 7 anos do Museu Botânico do Amazonas, a primeira grande instituição científica do Amazonas. Nesses 7 anos, em meio a dificuldades as mais diversas, foram catalogadas plantas, fósseis, artefatos indígenas, realizados estudos históricos, etnográficos e antropológicos e produzidos folhetos, tratados e realizadas exposições que foram de extrema importância para os primeiros passos das atividades científicas genuinamente amazonenses.



FONTES (RELATÓRIOS E EXPOSIÇÕES):


Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da segunda sessão da decima sexta legislatura em 25 de março de 1883 pelo presidente, José Lustosa da Cunha Paranaguá.

Exposição com que o ex-presidente do Amazonas exm. sr. dr. José Jansen Ferreira Júnior passou a administração da Província ao 1° vice-presidente exm. sr. Tenente Coronel Clementino José Pereira Guimarães, em 21 de setembro de 1885.

Relatorio com que o exm. sr. dr. Ernesto Adolpho Vasconcellos Chaves, presidente da Província do Amazonas, installou a 1° sessão da legislatura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 25 de março de 1886.

Relatorio com que o exm. sr. dr. Joaquim Cardoso de Andrade abrio a 1° sessão da 19° legislatura da Assemblea Provincial do Amazonas em 5 de setembro de 1888.


PERIÓDICOS:

A Província, 06/08/1885.
Jornal do Amazonas, 29/07/1886.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CAMPOS PORTO, Joaquim. Histórico do Museu Botânico do Amazonas. In: Vellosia. Rio de Janeiro, 1891, p. 61-80.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-1910. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Vértice/IDESP, 1989.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Instituto Durango Duarte.