quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Como se fosse hoje, o Guarany

O texto a seguir foi publicado no jornal Amazonas Em Tempo em 06 de agosto de 2002. Nele o pesquisador Ed Lincon nos apresenta de maneira concisa a História do Cine Guarany, cinema histórico localizado no Centro de Manaus, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, que caso ainda existisse, teria completado ontem 81 anos.

COMO SE FOSSE HOJE, O GUARANY

O antigo Cine Guarany, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, no Centro de Manaus. FONTE: Acervo de Ed Lincon.

Quem tem mais de 40 anos sabe que o Cine-Theatro Guarany fez parte da vida de muita gente. Da infância, adolescência, juventude, dos idílios que se concretizavam após o início das sessões, enfim, de uma Manaus mais tranquila, mais culta, mais familiar. Hoje, se estivesse "vivo", o Guarany estaria completando 64 anos de existência. Talvez nem tenha "morrido", já que está na memória de muitos manauenses.

O pesquisador Ed Lincon, profundo conhecedor da história do Cine-Theatro Guarany, conta ao Em Tempo, em um texto limpo e sucinto, como tudo começou. "No dia 6 de agosto de 1938 era inaugurado em Manaus aquele que seria o cinema mais querido e amado por todos, o Cine-Theatro Guarany, antigo Cassino Julieta (1907) e depois Cinema-Theatro Alcazar (1912). O Guarany, conforme o sentimento nacionalista da época, foi pintado de verde e amarelo como a bandeira brasileira, substituindo o vermelho e o verde dos tempos do Alcazar".

Lincon diz que o filme de inauguração foi A Carga da Brigada Ligeira, com Errol Flynn e Olivia de Havilland. O cinema era de propriedade da empresa Cinema Avenida Ltda, de Antônio Lamarão e Adriano Bernardino, que mais tarde se tornaria o verdadeiro proprietário, alterando o nome de empresa para A. Bernardino Ltda. Desde sua inauguração, o Cine Guarany manteve a tradição de comemorar todos os anos no dia 6 de agosto o seu aniversário, tendo como comandante da festa Vasco José de Faria, conhecido pela criançada como "Vovô Vasco".

Conforme Ed Lincon, Vasco Faria era português, da cidade do Porto, e foi morar em Manaus aos 13 anos. Era figura obrigatório na porta do Guarany até sua morte em 15 de agosto de 1969. As festas do Guarany começavam às 9 horas do dia 1° e iam até o dia 6, quando havia sorteio de prêmios, distribuição de bombons, balões, gibis e exibição de filmes ao ar livre numa tela montada em dois postes de ferro, localizados no pavilhão São Jorge, conhecido popularmente como "Café do Pina", quando este se situava em frente ao cinema, no meio da rua.

"Para se fazer a projeção ao ar livre, era realizada uma verdadeira mágica para a época, já que o projetor era fixo; o projecionista do Guarany jogava o foco contra um espelho, que conduzia as imagens em movimento para a tela do lado de fora. Antes das sessões, para a realização dos sorteios dos prêmios, o 'Vovô Vasco' contratava radialistas como Ivens Lima, da Rádio Rio Mar, e Belmiro Vianez, da Rádio Baré", escreve o pesquisador.

A frente do cinema era toda enfeitada com bandeirolas multi-coloridas e havia dois potentes alto-falantes tocando músicas de sucesso da época. Tinha também salva de tiros de foguetes de um "mini-canhão" e fogos de artifícios para abrilhantar a festa. Além de Vasco Faria e Adriano Bernardino, outras pessoas ajudavam a organizar a festa, como o velhinho espanhol Domingos Romero, que era o porteiro e que abria as cortinas da tela; Manoel Farias (bilheteiro), e João Miranda, que confeccionava os cartazes dos filmes na entrada.

"No dia 6 de agosto de 1955, ao comemorar 17 anos de fundação, o Guarany inaugurava a "tela panorâmica", com distribuição de revistas, kibons, petecas, balões e sorteio de uma bola de futebol, três garrafas de Martini e outros artigos. Antes da primeira sessão, a criançada trocava gibis na entrada, comendo doces, esperando ansiosas pelo início da festa. Outras figuras características na porta do Guarany eram o xerife Tom Mix, cujo nome (Orlando Braga) verdadeiro ninguém sabia, e que curtia os filmes de faroeste e se vestia a caráter (chapéu, cartucheiras sem revólveres e estrela no peito), e o cego Jaú, que pedia esmolas. Os dois, mesmo não sendo funcionários, tinham o respeito e a admiração dos frequentadores", comenta.

A programação da festa do Guarany consistia em festival de desenhos pela manhã, filmes de aventura ou bang-bang na sessão da 1 h da tarde, filmes românticos na sessão das 4 h, e à noite, chanchadas ou filmes clássicos de aventura. As festas tinham o patrocínio de empresas como J. G. Araújo, Antônio M. Henriques & Cia,, Braga & Cia Ltda., Casa Canavarro, Drogaria Universal e Central de Ferragens.

O Cine Guarany realizou sua última festa de aniversário em agosto de 1964, após a revolução de março, não sendo mais possível a realização dos sorteios, nem a exibição de filmes ao ar livre, cujos postes ficaram abandonados por longos anos até serem retirados em 1972. Após a morte de Vasco Faria, o Guarany entrou em decadência.

Em 1973, enquanto os outros cinemas de Manaus - Odeon, Popular, Ideal, Palace, Éden, Avenida, Victória e Polytheama - fechavam suas portas, apenas o Guarany e o Ipiranga sobreviveram heroicos ao fantasma da demolição e venda até os anos 80, quando o primeiro foi demolido e o outro foi vendido para uma loja de eletrodomésticos.

"Hoje, no lugar do velho e saudoso Guarany, existe uma 'caixa de concreto' denominada Banco, e apenas na lembrança dos mais velhos ficou retida a imagem de momentos inesquecíveis, como o 'Vovô Vasco' Faria e as festas do Guarany", lamenta Lincon.


Como se fosse hoje, o Guarany. Amazonas Em Tempo, 06/08/2002.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Cemitério São João Batista: Túmulo do Santo Rabi Shalom Emanuel Muyal

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

O túmulo do santo popular Rabi Shalom Emanuel Muyal está localizado na quadra 11 do Cemitério São João Batista.

Pouco se sabe sobre o Rabi Shalom Emanuel Muyal. Ele teria vindo de Salé, no Marrocos, para Manaus em 1908. Naquele período a comunidade judaica no Amazonas já possuía um número considerável de membros. Dois anos depois, em 12 de março de 1910, morreu vítima de uma doença tropical.

Quem nos informa sobre os milagres de Shalom Emanuel Muyal é a antropóloga Fabiane Vinente dos Santos, no artigo 'Hagiografia de Cemitério: História Social e imaginário religioso nas canonizações populares em Manaus', de 2008:

"O primeiro “milagre” do Rabino teria acontecido pouco depois de sua morte, por intermédio de uma senhora da comunidade judaica de Manaus que havia cuidado dele durante a doença que o levou à morte. Ela teria conseguido curar apenas usando as mãos uma terceira pessoa de um grave problema ósseo e atribuiu o fato à influencia do rabino, de quem havia tratado antes. 

Um segundo milagre foi descrito num relato publicado na revista Morashá, por David Salgado (2006): 

[...] Outra situação muito conhecida na comunidade manauara é a de um senhor - ainda me lembro bem dele naquele estado - com um problema sério no pescoço que o impedia de andar com a cabeça na posição vertical; esta sempre pendia para o lado. Depois de ter consultado médicos em busca de uma solução para o problema, sem nenhum resultado satisfatório, a mãe do rapaz tomou importante decisão. Abraçada em sua fé no Eterno, D'us de Israel, dirigiu-se certa manhã à tumba de Ribi Muyal, onde fez um pedido especial para que seu filho tivesse pleno restabelecimento". (1)

O túmulo de Shalom Emanuel Muyal recebe, de seus devotos católicos, placas em agradecimento às graças alcançadas, fixadas dentro ou fora da grade que o circunda. As inúmeras pedras vistas sobre seu túmulo são deixadas por judeus. Elas, diferente das flores e velas, que tem uma curta duração, são duradouras, simbolizando a memória que as gerações conservarão do ente falecido.

Reproduzo abaixo algumas das inúmeras placas de agradecimento:

"Agradeço graça alcançada em 02-02-78".

"1989 uma graça alcansada (sic) de Rabi Shalon (sic) agradeço muito, muito".

"1996 recebi as graças que pedi Rabi Shalon (sic)".

"1999 outra graça alcansei (sic) de Rabi Salon (sic) agradeço muito".

"Graça alcançada. 25.02.02. Eva".

Shalom Emanuel Muyal está enterrado em solo cristão do Cemitério São João Batista. O Cemitério Judeu de Manaus, que compreende as quadras 03, 04 e 05 do Cemitério São João Batista, só foi inaugurado em 1928, após cessão daquela área do cemitério pelo município. Em 1980 houve a tentativa, por parte do sobrinho de Shalom Emanuel Muyal, Eliahu Muyal, membro do parlamento de Israel e Vice Ministro dos Transportes  entre 1980 e 1982 (2), de transferir seus restos mortais para Israel. No entanto, essa ação gerou manifestações da comunidade católica local, devota de Shalom. No final das contas, seus restos mortais ficaram em Manaus.

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Seu túmulo é bastante simples. A lápide tumular foi construída com mármore. Na cabeceira tumular, uma estrela de Davi. Seu epitáfio está escrito em alto relevo, em português do lado direito e hebraico do lado esquerdo: "Aqui jaz Ribbi Salom H. Moyal Fallecido a 12 de março de 1910. Q E D". A estrutura de alvenaria e a grade que o protegem são mais recentes. No alto dessa estrutura fica uma placa de mármore com o nome do falecido.

NOTAS:

(1) SANTOS, Fabiane Vinente dos; MAIA, Jean Ricardo Ramos. Hagiografia de cemitério: História Social e Imaginário religioso nas canonizações populares em Manaus. Revista Eletrônica os Urbanitas, São Paulo, v. 5, 2008, p. 13-14.

(2) SALGADO, David. A verdadeira história de Ribi Muyal, em Manaus. Portal Amazônia Judaica. Disponível em: http://www.amazoniajudaica.org/167563/A-Verdadeira-Hist%C3%B3ria-de-Ribi-Muyal-em-Manaus. Acesso em 25/07/19.





sábado, 20 de julho de 2019

Cemitério São João Batista: Mausoléu de José Francisco e Luiz Pinho, Heróis da Força Policial do Estado

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

O mausoléu dos Heróis da Força Policial do Estado, José Francisco e Luiz Pinho, está localizado na quadra 15 do Cemitério São João Batista.

Não se têm muitas informações sobre José Francisco e Luiz Pinho. Sabe-se apenas que pereceram no cumprimento de seus deveres durante o Bombardeio feito contra cidade de Manaus em 08 de outubro de 1910.

O Bombardeio de Manaus teve motivações políticas, sendo fruto das disputas oligárquicas entre os Nerystas e os Bittencouristas. Governava o Amazonas na época do bombardeio o Coronel Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt (1908-1913). Bittencourt, anteriormente, fora secretário geral do Governador Silvério Nery (1900-1904) e vice-governador de Constantino Nery (1904-1907). Bittencourt, antigamente aliado dos Nery, se tornou um grande opositor destes, denunciando suas antigas administrações, os empréstimos duvidosos, não pagos, e os gastos pessoais exorbitantes. Bittencourt foi acusado pelos apoiadores de Nery de estar realizando uma péssima gestão e de manter negócios particulares enquanto ocupava o cargo de governador, o que era proibido. Por conta disso, Bittencourt foi declarado inapto para exercer o cargo. 

Uma carta de renúncia foi forjada pelo Senador Silvério Nery, pelo vice-governador do Estado Sá Peixoto e outros membros do Congresso, interessados na queda de Bittencourt. No entanto, Bittencourt não entregou o cargo, oferecendo resistência armada. Nery e Sá Peixoto, com apoio do Senador gaúcho Pinheiro Machado, opositor de Bittencourt e apoiador da oligarquia Nery, tomaram medidas drásticas: O bombardeio da cidade de Manaus, por navios da Flotilha da Marinha de Guerra vindas do Rio de Janeiro, no dia 08 de outubro de 1910.  O bombardeio ocorreu às 5:30 da manhã. Militares do Exército desembarcaram e foram em direção ao Palácio do Governo, onde foi travada uma luta com a força policial do Estado. O governador Bittencourt se refugiou no Pará. Seu antigo aliado, Sá Peixoto, assumiu o governo (1). José Francisco e Luiz Pinho podem ter morrido tanto vítimas dos disparos dos navios quanto do enfrentamento no Palácio do Governo.

Encerradas, por ora, essas disputas políticas, com a retorno ao estado de normalidade, Antônio Bittencourt, que estava refugiado em Belém, no Pará, voltou a Manaus no dia 31 de outubro de 1910, assumindo novamente o Governo do Estado. Para tal teve apoio do Presidente Nilo Peçanha. Tomando conhecimento das baixas ocorridas, mandou construir um monumento-túmulo em homenagem aos dois militares.

O mausoléu dos Heróis da Força Policial do Estado foi inaugurado às 9:30 do dia 08 de outubro de 1911, primeiro aniversário do bombardeio, contando com a presença do Governador do Estado, das forças policiais e de milhares de pessoas que fizeram uma grande romaria até o Cemitério São João Batista (Jornal do Comércio, 09/10/1911). O trabalho foi executado pela Marmoraria Ítalo-Amazonense, de Cesare Veronesi.

FOTO: Fábio Augusto, 2018.

O mausoléu foi construído inteiramente com mármore de Carrara, com exceção da base, possivelmente de 1910 e feita de alvenaria (recebeu uma pintura recente de cor prata). Do pedestal parte uma coluna, forma clássica de um monumento erguido para a posteridade. Quando ela está partida, simboliza a morte prematura, inesperada, de seus homenageados. Ao lado da coluna, duas piras simbolizam o fogo eterno, a lembrança duradoura dos atos dos dois praças e a determinação de ambos. Em outubro de 2018 as duas estavam intactas. Em visita no mês de fevereiro do ano corrente, a do lado direito tinha sido arrancada. A tampa tumular, com uma cruz em baixo relevo, não é da época da construção. De acordo com relato de Eros Augusto Pereira da Silva, a original foi danificada e substituída em 2010. O epitáfio está inscrito no pedestal da coluna:

"A memoria dos heroes da Força Policial do Estado José Francisco e Luiz Pinho. Viandante que passas descoidado detem-te um pouco e considera que este pobre tumulo guarda em seu seio os restos mortaes de duas vitimas do crime de 8 de outubro de 1910".

Todos os anos, no mês de outubro, a Polícia Militar do Estado do Amazonas se dirige até o Cemitério São João Batista para reverenciar a memória de José Francisco e Luiz Pinho, Heróis da Força Policial do Estado e personagens de um episódio marcante de nossa História.

FONTE:

Jornal do Comércio, 09/10/1911.

NOTA:

(1) O Bombardeio de Manaus é um episódio deveras complexo para ser analisado em seus pormenores nesse texto. Para conhecer seus desdobramentos na íntegra, ver FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: Militares e Civis na construção da ordem republicana no Amazonas (1910-1924). USP, São Paulo, 2015. Tese (Doutorado em História).

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Cemitério São João Batista: Túmulo do Coronel Leopoldo de Moraes e Mattos

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

O túmulo do Coronel Leopoldo de Moraes e Mattos está localizado na quadra 10 do Cemitério São João Batista.

Pouco se sabe sobre a vida de Leopoldo de Moraes e Mattos (1875-1928), natural do Estado do Mato Grosso. Estudou na Escola Militar do Rio de Janeiro por volta de 1890. Pelos serviços prestados durante a Revolta da Armada, na Fortaleza de Santa Cruz, foi promovido a patente de Tenente (O Paiz, RJ, 10/10/1894). Em Manaus desempenhou os cargos de Delegado Fiscal do Estado do Mato Grosso, cônsul no Japão, no Uruguai e Provedor da Santa Casa de Misericórdia. Entre 1918 e 1919 atuou nas questões de fronteira entre os Estados do Amazonas e Mato Grosso.

O cargo em que mais se destacou foi no de Provedor da Santa Casa de Misericórdia. Na década de 1920 Leopoldo de Moraes e Mattos operou grandes melhorias nessa instituição. Em 27 de agosto de 1922 entregou novos pavilhões de 1° e 2° classe no piso superior da instituição, ambos equipados com elevadores. Em tempos de crise econômica, conseguiu garantir a regularidade dos serviços de farmácia, radiologia, odontologia, maternidade, exames bacteriológicos, enfermaria para tubérculos e o atendimento aos doentes mentais (O Paiz, RJ, 02/10/1926). Assim foi descrita a Santa Casa no período em que ele a estava provendo:

"Este pio instituto de caridade, encontra-se hoje num tal estado de adiantamento, que pode concorrer com os melhores estabelecimentos do paiz. O sr. Leopoldo de Mattos, seu provedor, tem se mostrado um administrador digno de encomios pelo muito que tem feito para esse gráo de prosperidade" (AMAZONAS. Mensagem apresentada á Assemblea Legislativa pelo Exm. Snr. Antonio Monteiro de Souza em 14 de julho de 1927, p. 129).

Aspectos do túmulo do Coronel Leopoldo de Moraes e Mattos e, no centro, um retrato dele. FONTE: O Malho (RJ), 05/10/1929.

O túmulo do Coronel Leopoldo de Moraes e Mattos foi construído pela Santa Casa de Misericórdia como uma homenagem ao seu antigo provedor. Ele é todo em granito negro. Na cabeceira tumular, no nível central, destaca-se um medalhão de Cristo feito em bronze, assim como alguns detalhes com motivos florais nos níveis inferiores laterais. Ladeiam esse medalhão os seguintes dizeres em alto relevo:

"Reconhecimento, Gratidão e Saudade da Santa Casa de Misericórdia de Manáos ao Ex-Provedor Cel. Leopoldo de Moraes e Mattos, seu Bemfeitor e Benemérito reformador".

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Semelhante à Santa Casa de Misericórdia, o túmulo de Leopoldo de Mattos está abandonado, assim como a maioria do Cemitério São João Batista, escapando algumas poucas quadras principais, quando não apenas alguns de seus túmulos. O mato cresce sobre a base tumular e a tampa. A parte direita da base tumular foi destruída e os puxadores, feitos de bronze, sumiram.


FONTES:


Jornal O Paiz, RJ, 10/10/1894.
Jornal O Paiz, RJ, 02/10/1926.
AMAZONAS. Mensagem apresentada á Assemblea Legislativa pelo Exm. Snr. Antonio Monteiro de Souza em 14 de julho de 1927.
Revista O Malho, RJ, 05/10/1929.


quinta-feira, 18 de julho de 2019

Cemitério São João Batista: Jazigo da família Carneiro dos Santos

Com o presente texto pretende-se dar início a uma série de postagens sobre os monumentos funerários mais significativos do Cemitério São João Batista, em Manaus. São artefatos que se destacam tanto pela arquitetura quanto pela história de seus proprietários. O primeiro é o Jazigo da família Carneiro dos Santos.

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

O Jazigo da família Carneiro dos Santos está localizado na quadra 07 do Cemitério São João Batista, em Manaus. A escultura que o encima o torna um dos maiores monumentos funerários dessa necrópole.

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Esse monumento, construído em mármore de Carrara, é de autoria do escultor genovês Pietro Bacigalupo (1875-1924), conforme assinatura localizada na base da escultura. Nele estão sepultados Adelaide Maquiné dos Santos (12/05/1858 - 10/08/1909), José Carneiro dos Santos (15/02/1852 - 25/02/1928) e Claudio Carneiro dos Santos (21/07/1894 - 11/10/1939). 

FOTO: Fábio Augusto, 2019.

José Carneiro dos Santos era esposo de Adelaide Maquiné dos Santos. Claudio Carneiro dos Santos, filho do casal. Quando Adelaide Maquiné dos Santos faleceu, em 1909, o Coronel José Carneiro dos Santos tratou de encomendar um monumento em sua homenagem.

Convite para a Missa de 7° Dia de Adelaide Maquiné dos Santos. FONTE: Jornal do Comércio, 14/08/1909.

O monumento em homenagem a Adelaide Maquiné dos Santos foi concluído em 1912. De acordo com publicações da época, ele representa a Fé. Assim o descreve o Jornal do Comércio em nota de 25 de maio de 1913:

"O bello monumento, representando a estátua da Fé, trabalhado em mármore pelo escultor genovez Pietro Bacigalupo, presentemente nesta cidade, aonde veio afim de collocar a sua obra de arte sobre o tumulo da inditosa senhora D. Adelaide Maquiné dos Santos, esposa do coronel José Carneiro dos Santos" (Jornal do Comércio, 25/05/1913).

Ela aparece, ainda em Gênova, ao lado de outra escultura, em uma fotografia reproduzida na revista Ilustração Brazileira, do Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1914, com a seguinte descrição:

"Monumento representando a Fé, que se acha no cemiterio de Manaus, no tumulo de D. Adelaide M. dos Santos, esposa do coronel José Carneiro dos Santos" (Revista Ilustração Brazileira, 16/12/1914).


Monumento representando a Fé. FONTE: Revista Ilustração Brazileira (RJ), 16/12/1914.

Esse monumento consiste em uma figura feminina, semelhante a uma Madona, vestida com um manto e apoiada sobre uma rocha. A figura feminina segura uma grande cruz fincada nessa rocha, possivelmente uma alegoria à solidez da crença e da fé da família Carneiro dos Santos. Sobre a identificação do nome da família está fixado um cristograma clássico, o XP, que são as iniciais de Cristo em grego (XPΙΣΤΟΣ).

A obra de Bacigalupo gerou algumas controvérsias na cidade. No artigo O esculptor Bacigalupo, de Cesare Veronesi, proprietário da principal marmoraria de Manaus, a Ítalo-Amazonense, insinuou-se que o escultor genovês não dominava essa arte, pois era "[...] um dos taes artistas que, tendo uma encommenda, fazem-na de outrem ou compram-na já feita, e se lhes pedirem esboçar um simples retrato em barro... dão parte de doente".

Esse texto tinha um tom de enfrentamento pela concorrência no serviço de produção de mausoléus e monumentos funerários, pois Cesare Veronesi o finaliza afirmando que resolveu fazer tal publicação no jornal A Capital "[...] tão somente para dar uma satisfação áquelles que nos honraram com suas valiosas encommendas, declarando-lhes que os mausoleus cuja execução nos foi confiada, têm sido esculpidos por artistas de renome, como o professor Franzoni de Carrara e que nunca serão reproduzidos para outros tumulos, ficando assim obras de verdadeiro valor" (A Capital, 07/08/1917).

FOTO: Fábio Augusto, 2019.



FONTES:

Jornal do Comércio, 14/08/1909.
Jornal do Comércio, 25/05/1913.
Revista Ilustração Brazileira (RJ), 16/12/1914.
A Capital, 07/08/1917.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

A Batalha de Itacoatiara (AM,1932)


O texto a seguir é de autoria de Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor, escritor, historiador e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Nele Aguinaldo aborda um episódio pouco conhecido da História do Amazonas: A Batalha de Itacoatiara, ocorrida em 1932. Esse conflito teve como pano de fundo a influência política da Revolução Constitucionalista que ocorrera em São Paulo.


A BATALHA DE ITACOATIARA
Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo


Cais do Porto de Itacoatiara. FONTE: Biblioteca do IBGE.

No dia 24 de agosto de 1932, a cidade de Itacoatiara foi sacudida por uma grande agitação, com a população em polvorosa correndo para se esconder onde podia para escapar das balas que caiam próximas às suas casas. Sem saber o que estava acontecendo, dona Rosa relata que o povo e os poucos soldados da Força Pública, orientados pelo padre Pereira e pelo prefeito, Major Gonzaga Pinheiro, acorriam freneticamente para a beira do rio carregando paneiros de farinha cheios de areia e de farinha mesmo, cujo objetivo era o de erguer uma enorme trincheira para proteger a cidade do iminente bombardeio que seria realizado por navios da Marinha de guerra brasileira, sob o comando de revoltosos vindos do Pará, simpatizantes da Revolução Constitucionalista que havia eclodido em São Paulo nesse ano de 1932, caso não lhes entregassem a rendição da cidade.

Desde o dia 20 de agosto, o comandante do Estado Maior do Exército da guarnição do forte de Óbidos, capitão Otelo Franco aderira aos revoltosos despachando as canhoneiras fluviais Andirá e Jaguaribe com destino a Manaus para tomar a cidade, considerada ponto estratégico para o sucesso do movimento paulista na região Norte. No dia 21, notícias verazes davam conta de que os sediciosos já havia se apoderado de Parintins e estavam se dirigindo rapidamente para a capital amazonense com o mesmo intuito.

A pequena frota, porém, tinha que subir o rio Amazonas e passar pela cidade de Itacoatiara, que dista 360 km de Manaus. A notícia da aproximação do comboio apavorou a Velha Serpa, causando pânico entre os moradores, que saíram em desabalada carreira em busca de refúgio nas matas e locais inóspitos.

Já com seus navios ancorados em frente à cidade, os rebeldes enviam um emissário para terra para negociar a rendição da mesma com seus lideres políticos e recebem destes como resposta uma recusa intransigente. Depois de dois dias de impasses, com o prefeito e o padre protelando a rendição, assim ganhado tempo para que o socorro de Manaus chegasse à área, pois os mesmos enviaram à capital uma mensagem telegráfica comunicando as autoridades as perigosas ocorrências. Os rebeldes dão então um ultimato para que a população abandone a cidade em duas horas, quando então iniciarão o canhoneio.

Ciente dos acontecimentos, o comandante da Flotilha do Amazonas, capitão de fragata Galdeno Pimentel Duarte, enviou as canhoneiras Ingá e Baependi para interceptar os refratários antes que alcancem à capital.

Navegando a todo vapor as belonaves legalistas chegaram por volta de duas horas da tarde do dia 24 de agosto na zona de combate, momentos antes de encerrar o prazo dado pelos revolucionários para bombardear a cidade. Imediatamente os navios tomam posição de ataque, com as cornetas e apitos convocando as tripulações a guarnecer postos de batalha.

Há pouco mais de 200 metros de distância um dos outros os canhões e metralhadoras dos barcos abriram fogo simultaneamente, provocando pavor nos moradores que, segundo dona Rosa, “corriam para se abrigar em qualquer lugar, até mesmo em embaixo das camas para se protegerem dos tiros vindos dos barcos, que passavam próximos as casas”.

Sendo observado com cautela e terror pelos poucos corajosos que ousaram ficar na cidade, o combate já ocorria há pelo menos trinta minutos sem definição de quem estava levando vantagem, com os navios de ambos os lados seriamente avariados. Havia muitos mortos e feridos nos conveses, mas nada detinha a metralha.
No auge da ação, o “Ingá”, aproou como se fosse um aríete, lançando-se sobre o “Jaguaribe”, abrindo um rombo em seu costado e fazendo-o adernar para bombordo e, em poucos minutos, ele foi ao fundo.

O combate prossegue com o Andirá resistindo bravamente, inclusive ameaçando os navios legais com tiros de fuzis e de metralhadoras pesadas, provocando muitas baixas no inimigo. Entretanto, seu destino foi selado quando uma saraivada de tiros de morteiros e de metralhadoras devastou a ponte de comando, deixando-o a deriva na vastidão do rio Amazonas.

Nesse ínterim, o Baependi, o maior e mais bem armado dos vasos, também se arremessa sobre o pequeno Andirá, partindo-o ao meio, levando-o a pique em pouco mais de três minutos, pondo fim a breve “Batalha de Itacoatiara”, que teve quarenta minutos de duração.

Lamentavelmente, num gesto de desatino e insensatez, os tripulantes dos navios vencedores metralharam impiedosamente os sobreviventes, matando-os ainda sob a água, tirando o brilho moral da vitória que acabavam de conquistar.

Foi um momento ímpar na história do Amazonas e da cidade de Itacoatiara, cuja população, depois do susto, regressou as suas casas agradecendo a Deus e a ação imediata das forças navais fiéis ao governo de Getúlio Vargas, por ter evitado mal maior, bem como pelo restabelecimento da ordem, da paz e da normalidade.

Nos anos seguintes à famosa batalha, o que restou dos intrépidos navios jaz em escombros, carcomidos pelas águas e pelo tempo no leito movediço do rio Amazonas, mostrando ainda seus mastros quando das vazantes muito baixas desse rio, como se fosse um monumento pujante a reivindicar seu espaço e sua importância que insiste em ser negado na nossa história. No início do ano de 2014, uma equipe de mergulhadores da marinha, por ordem do almirante Luís Frade Carneiro, comandante do 9º Distrito Naval, atendendo pedidos de autoridades e intelectuais itacoatiarenses, fez uma extensa varredura no provável perito do entrevero e constatou não haver nenhum vestígio das belezas afundadas.

Sobre o episódio, o escritor Anísio Jobim, em seu livro “A Batalha de Itacoatiara”, retrata uma folclórica nota transcrita no jornal “O Jornal”, de Manaus, no dia 26 de setembro de 1932, publicada num periódico da França, em que deixa visível a eterna ignorância que os estrangeiros têm sobre o conhecimento da nossa geografia e história, com as seguintes palavras:

A esquadra brasileira sob o comando do presidente Vargas, bateu, no Oceano Atlântico, a frota revolucionária do almirante Itacoatiara”!

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Memórias do bairro do Aleixo, em Manaus

O texto a seguir, originalmente publicado no Jornal do Comércio em 2008, é de autoria do pesquisador Ed Lincon Barros da Silva. Nele, através de memórias das décadas de 1970 e 1980, Ed Lincon nos apresenta as transformações ocorridas no bairro Aleixo, localizado na zona Centro-Sul de Manaus.

MEMÓRIAS DO BAIRRO DO ALEIXO

Por Ed Lincon Barros da Silva 

Rua São Domingos, 1975. FONTE: Jornal A Crítica, 1975.

Minhas recordações sobre o bairro do Aleixo vem da minha infância na década de 1970. As ruas eram de terra batida, com exceção da principal, conhecida apenas por estrada do Aleixo (atual avenida André Araújo). Esta, em 1974/75, era uma via estreita e de mão dupla, onde muitas vezes mal dava para passar um terceiro veículo. A pavimentação dessa estrada, feita em concreto armado sobre pedra jacaré, tinha início na rua Paraíba (atual Humberto Calderaro), indo próximo ao bar Nacionalino. A parte asfaltada começava daí e terminava onde hoje está o SOS Manaus. O restante, no trecho que vai até a Bola do Coroado, ainda estava sendo terraplanado. O outro lado da avenida, no sentido centro-bairro, não existia. Somente em 1976 é que esta via foi alargada e asfaltada.

Na época, apenas uma empresa de transportes coletivos atendia ao bairro, a Ajuricaba (encampada pela prefeitura em dezembro de 1988), que fazia as seguintes linhas: Coroado, Aleixo, Cachoeirinha; Jardim Paulista, Aleixo, Cachoeirinha; e Belo Horizonte, Aleixo, Cachoeirinha.

No lugar onde hoje está a Secretaria de Fazenda e a praça adjacente, havia várias casas de madeira, demolidas em 75/76 por ordem do prefeito Jorge Teixeira de Oliveira (1975/1979). Vi também o início da construção, em 1976, de vários edifícios públicos existentes atualmente, entre os quais: o Fórum Henoch Reis, abandonado durante muitos anos e concluído em 2002; O TRE e Correio, etc. A rua Belo Horizonte nessa época, era desprovida de asfalto possuindo somente calçadas e meio fio, estando preparada para ser pavimentada.

Vista aérea do Horto Municipal, 1968. FONTE: Arquivo Público Municipal.

A rua Bonsucesso, no trecho que vai da Belo Horizonte até a São Domingos, era praticamente intrafegável. Na parte baixa, havia uma ponte improvisada feita de tronco de buritizeiro sobre um charco que havia ali. Essa mesma rua Bonsucesso, na parte que vai da São Domingos até onde foi construído o conjunto Huascar Angelim, que sequer existia, também podia ser percorrida de carro, apesar das valas existentes. As ruas Santa Claudia, Castro Alves, São Vicente, São Sebastião e Santa Clara também apresentavam os mesmos problemas.

Na rua São Domingos, o mato e o lixo predominavam na sua quase totalidade. Quando as máquinas da prefeitura passavam no local, a poeira tomava conta de tudo. E, após as chuvas era um espetáculo para nós, meninos do bairro, contemplar os carros derrapando em zig-zag para chegar até o topo da ladeira que desemboca na André Araújo e que ainda não havia sido aterrada. O aterro da rua São Domingos só foi realizado em março de 82.

A rua Severiano Nunes não tinha esse nome e era denominada de rua do Curre, também totalmente intrafegável. Na parte baixa dessa rua, corria um igarapé de águas límpidas onde se podia pescar pequenos peixes, como o cará e o cardinal. Canalizado em 85, esse igarapé foi transformado em esgoto de águas pluviais. Na rua José do Patrocínio, hoje denominada de Atagamita (nomenclatura não aceita pelos moradores) ainda passava algum carro.

Asfalto? Somente em outubro de 85. A primeira rua do bairro a ser asfaltada foi a Castro Alves, seguida da José do Patrocínio, São Domingos, Santa Claudia, Bonsucesso, Beco São Domingos, entre outras.

FONTE:
Ed Lincon, especial para o Jornal do Comércio. 24/10/2008

IMAGENS:
Rua São Domingos, 1975. Jornal A Notícia.

Vista aérea do Horto Municipal, 1968. Arquivo Público Municipal. Ambas do acervo particular de Ed Lincon.