Alguns escravos fotografados em Manaus durante a Expedição Thayer (1865-1866). FONTE: umaincertaantropologia.org.
No dia 10 de julho de 1884, o Presidente da Província do Amazonas, Theodoreto Carlos de Faria Souto (1841-1893), abolia a escravidão no Amazonas, que se tornou a segunda Província do Império a abolir a escravidão, pois em 25 de março de 1884 o Ceará anunciava a emancipação de seus escravos. Antes disso, em 24 de maio do mesmo ano a escravidão fora abolida em Manaus.
Desde 1869 valores eram adicionados, mediante emendas parlamentares, ao orçamento da Província do Amazonas, para a compra de cartas de alforria.
Foi em uma quinta-feira, no dia 10 de julho de 1884, às 12 horas, que o Presidente Theodoreto Souto declarou, na Praça 28 de Setembro (hoje Heliodoro Balbi, da Polícia), cujo nome fazia alusão à Lei do Ventre Livre, que já não existiam mais escravos no Amazonas.
No relatório da Província, antes da abolição esta contava com cerca de 1.501 escravos em 1884, em sua maioria empregados em serviços domésticos. Eram carpinteiros, jardineiros, cozinheiros, amas de leite, amas-secas (empregadas domésticas) etc. Estavam distribuídos da seguinte forma:
"Manáos - 626
Manicoré - 309
Itacoatiara - 76
Teffé - 171
Maués - 9
Borba - 164
Silves - 15
Parintins - 134
Barcellos - s. n.". (AMAZONAS, Província. Relatório, 16. fev. 1884, p. 29).
Deve-se destacar que, como menciona o Presidente José Paranaguá, esses números podem não corresponder à realidade, dadas as irregularidades frequentes nos livros de matrículas de escravos. Mas quem eram esses escravos? Eram objetos que poderiam ser vendidos, alugados, usados como empréstimos, pagamento de dívidas e heranças. Tomemos como exemplo os seguinte casos: No primeiro, de 1868, mãe e filha foram vendidas:
"Compareceram Antonio Albano do Lago, representado por seu procurador bastante nesta cidade Manoel Alves dos Santos, como vendedor e Manuel Gonsalves Ferreira como comprador... e foi dito perante mim e as testemunhas que sendo o seu constituinte senhor e possuir de uma escrava de nome Marcellina de côr carafusa e idade vinte e cinco annos, natural da cidade de Obidos, filha da escrava Theodora, com uma filha por baptizar, de sete mezes de idade, tambem nascida em Obidos, fazia venda da supradita escrava Marcellina com a referida filha... (escritura de compra e venda de 20 de abril de 1868, lavrada a fls. 9 verso a 10 do Livro de Notas n°. 1 do 1° Ofício de Manaus, hoje cartório do Dr. Fernandes Barros apud ITUASSÚ, 1981, p. 20-21).
Alguns anos mais tarde, em 1875, o escravo Jordão Piauhy, um dos bens penhorados de Francisco Fernandes da Silva Júnior, foi avaliado em 1:200$000 réis (JORNAL DO AMAZONAS, 16/04/1875, p. 04).
Apesar do tratamento como objeto, o escravo não deixava de responder e ser punido pelos crimes que cometia. Em 1863, a escrava Benedita, propriedade de Joaquim Pinto das Neves, fugiu por estar "condemnada a cém açoites por sentença do sr. delegado de policia desta cidade" (O CATHECHISTA, 14/11/1863, p. 04).
Um conjunto de fatores possibilitou que o Amazonas antecipasse em quatro anos a libertação de seus escravos. Deve-se destacar o novo contexto econômico, isto é, a expansão das atividades ligadas à extração do látex; o alto custo para a manutenção dos escravos, que já não era mais sustentável; a pressão cada vez maior de setores da sociedade e instituições como a Assembleia Legislativa Provincial, a Maçonaria e as sociedades emancipadoras contra essa prática. O historiador Provino Pozza Neto registra que a abolição total da escravidão no Amazonas estava marcada para o dia 5 de setembro, mas o Gabinete Lafayette, chefiado por Lafayette Rodrigues Pereira, já insatisfeito com as ações do Presidente da Província, decide exonerá-lo do cargo. Dessa forma, os abolicionistas amazonenses decidem adiantar a libertação para o dia 10 de julho (POZZA NETO, 2011, p. 140).
Não deve ser olvidada, de forma alguma, a resistência dos escravos à condição servil, pois até hoje, quando esquecida, transmite a ideia já superada de que estes foram passivos ao processo ou de que a escravidão foi mais branda na região Norte. A libertação não ficou circunscrita a "homens ilustres e de bom coração" e ao viés parlamentar (POZZA NETO, 2011, p. 19). São abundantes, em jornais de época, registros de fugas, na capital e no interior, bem como de crimes contra seus senhores, algumas das principais formas de luta e resistência utilizadas pelos cativos.
Um dos vários anúncios de fugas de escravos na Província do Amazonas. FONTE: Estrella do Amazonas, 1857.
Os defensores da abolição, membros em sua maioria da elite, defendiam que tal prática não encontrava mais espaço em uma sociedade que buscava integrar-se aos principais centros difusores da economia capitalista e dos valores da dita modernidade. Imperavam fatores mais econômicos que humanitários.
A antiga rua do Progresso, no Largo de São Sebastião, foi batizada com o nome 10 de Julho. A rua da Constituição foi renomeada como 24 de Maio em 23 de fevereiro de 1887, por proposta dos vereadores Silvério José Nery, José Carneiro dos Santos e Manuel Ramos, ambos abolicionistas, em referência ao fim da escravidão em Manaus.
Deve-se destacar que o ato de 10 de Julho de 1884 só foi reconhecido pelo Império quase três anos mais tarde: "A Libertação do Amazonas só foi aceita legalmente, pelo Império, a 30 de março de 1887, com o encerramento do livro de matrículas de escravos, no Amazonas, oficialmente realizado na Alfândega desta cidade" (LOUREIRO, 1989, p. 219).
Costa D' África
A Costa D' África foi uma região existente em Manaus na época da Província, com referências desde a década de 1860. Essa área, considerada um bairro na época, era habitada por africanos livres. Em 1866, Gustavo Ramos Ferreira, Vice-Presidente da Província, registrava a existência de 57 africanos livres que possuíam cartas de emancipação (AMAZONAS, Província. Relatório, 05. set. 1866).
Os moradores desse bairro, na condição de livres, conseguiram integrar-se, em parte, à sociedade da época, ocupando cargos públicos, militares e servindo de mão de obra em construções na capital. Essa integração deu-se em parte, pois após a libertação os negros continuaram, e ainda hoje continuam, sendo marginalizados e postos em condições subalternas, ainda que se tente mascarar os mecanismos de segregação e minimizar seus efeitos.
A Costa D' África estava localizada, de acordo com o jornalista Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, no livro Um Olhar pelo Passado (1897), em terras ao norte do antigo Cemitério de São José, entre as ruas Leonardo Malcher e Luiz Antony. Esse lugar desapareceu, possivelmente, em fins do século XIX e início do século XX, sendo integrado ao restante do Centro da cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [original de 1897].
ITUASSÚ, Oyama César. Escravidão no Amazonas. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1981.
LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na Época Imperial. Ed. comemorativa 45°. aniversário da T. Loureiro Ltda. Manaus, 1989.
POZZA NETO, Provino. Ave libertas: ações emancipacionistas no Amazonas Imperial. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2011.