Os
seringais tiveram a mesma importância vital para a região Amazônica
que os canaviais tiveram para o Nordeste e os cafezais para o
Sudeste. Foram o sustentáculo da economia regional por décadas a
fio. Nos jornais de época encontramos anúncios de venda e
arrendamento de seringais e de contratação de trabalhadores para
exercerem a penosa atividade da extração do látex e sua
transformação em borracha. Os comerciantes Ramos, Couto, Barata &
Cia, liquidando seus negócios em 1888, colocaram a venda um seringal
no rio Inauini, “contando mais de oitocentas estradas de
seringueiras, abertas e terreno explorado para mais de duzentas,
tendo duas casas de sobrado cobertas de telha de barro, dois
barracões cobertos de zinco e tres barracões de palha, alguma
creação de gado vaccum, e muita plantação de arvores frutiferas”
(A PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 06/04/1888, p. 03). Em 1900, no início da
expansão das atividades, a casa comercial de Pereira Júnior &
Cia,
localizada na rua dos Remédios, em Manaus, contratava cerca de 100
homens para trabalhar como seringueiros no rio Purus (AMAZONAS
COMMERCIAL, 26/05/1900, p. 03). A importância dos seringais também
pode ser verificada na imprensa humorística, como em uma “denúncia”
divulgada pelo jornal A Lanceta, de Manaus: “Que um certo
ex-empregado de uma importante casa commercial, está tentando
adquirir o coração de uma pequena, só porque o papae, tem seringal
e é baludo”
(A LANCETA, 21/09/1912, p. 03).
Mas
como surgiam os seringais? De acordo com o historiador Leandro
Tocantins, eles eram fruto da iniciativa privada, empreendimentos
particulares de ocupação do solo. “Se a zona oferecia quantidade
de árvores produtoras de leite, aí lançavam os fundamentos da
posse – a barraca, evolução do tapiri do índio” (TOCANTINS,
1968, p. 250). Existia um código entre os aventureiros, o de se
“respeitar” os seringais já ocupados. Isso nem sempre acontecia.
Verificada a disponibilidade do terreno, prosseguia-se ao
estabelecimento dos domínios com a construção do barracão, a
residência do patrão, o seringalista. Essa construção, aponta
Tocantins, teve a mesma função que a casa grande do Nordeste
açucareiro, centralizando a vida econômica e social da unidade
produtiva (TOCANTINS, 1968, p. 251). Leandro Tocantins afirma a
ocupação era feita à margem do Estado, mas em periódicos e
relatórios encontramos pedidos, demarcações e registros de posse
conferidos pelo poder público.
Deve-se
destacar a figura do patrão, o seringalista, hora vivendo no
barracão, hora transitando pelas cidades de Manaus e Belém a
negociar com as casas aviadoras. Samuel Benchimol afirma que muitos
seringalistas eram nordestinos que começaram suas vidas como
seringueiros brabos,
sem experiência, e aos poucos foram ascendendo socialmente,
assumindo
novos cargos no seringal até conseguir formar o seu próprio. Sobre
ser conhecido como coronel, Benchimol explica que alguns de fato
tinham essa patente conferida pela Guarda Nacional, enquanto outros a
compravam ou, dado o prestígio econômico, eram nomeados coronel sem
ter esse título (BENCHIMOL, 1999, p. 143).
A
organização interna dos seringais, conforme estudos do cientista
social Carlos Corrêa Teixeira, era dividida da seguinte forma:
Pessoal burocrático,
formado pelos gerentes e encarregados dos depósitos; Pessoal de
campo,
que eram os comboieiros e os fiscais; Os empregados de campo e os
diaristas; e, por último, o pessoal da mata, que eram os
seringueiros (TEIXEIRA, 2009, p. 49-55). Os gerentes e encarregados
cuidavam da gerência, garantindo o bom funcionamento do local. Os
comboieiros cuidavam do transporte de mercadorias nos seringais. Os
fiscais garantiam o bom desempenho do trabalho dos seringueiros,
exercendo controle sobre os homens e garantindo que fossem, pela
vigilância, produtivos (TEIXEIRA, 2009). Os empregados de campo
trabalhavam na limpeza das estradas de seringueiras, na conservação
das mercadorias e organização dos depósitos. Os diaristas
prestavam serviços ao barracão, estando nessa categoria os
caçadores e pescadores que proviam o local de mantimentos (TEIXEIRA,
2009). Os seringueiros eram a força de trabalho, os elementos que,
junto das seringueiras, davam sentido aos seringais. O historiador
Francisco Jorge dos Santos cita ainda a presença dos guarda-livros,
que cuidavam da contabilidade; dos caixeiros, que cuidavam dos
armazéns e barracões; dos mateiros, especialistas na identificação
das árvores ideais para extração do látex; os toqueiros, que
preparavam as estradas; e dos regatões, comerciantes fluviais.
(SANTOS, 2007, p. 163-164). Esses
últimos eram inimigos dos seringalistas, pois como registrou o
geógrafo Jacob Binsztok, eles quebravam “[…] o monopólio
exercido pelo “barracão”, negociando com os caboclos os produtos
extrativos vegetais, desviados habilmente dos “patrões””
(BINSZTOK, 1965, p. 910).
Em
síntese feita pelo historiador Francisco Jorge dos Santos, a
geografia do seringal era constituída pelas estradas, os tapiris e
os barracões. As estradas de seringueiras tinham como ponto de
partida e chegada o tapiri, onde o látex era defumado e transformado
em borracha. O barracão principal, como vimos, era a residência do
seringalista, enquanto os barracões menores eram construídos para
servir de depósitos e escritórios (SANTOS, 2007, p. 162-163).
Alguns
deles
tinham capela e cemitério. Era
extremamente necessário que o seringal estivesse próximo ou à
margem de um rio, para escoar a produção e receber os mantimentos
necessários para o seu funcionamento.
A
economia centrada nos seringais era altamente predatória. Em
mensagem do Governo do Estado do Amazonas datada de 1901, a atividade
dos seringueiros no interior é descrita como uma
sinfonia elástica,
com os trabalhadores deslocando-se de região em região em busca de
seringueiras e deixando um rastro de destruição, pois logo que as
árvores se esgotavam, abandonavam o local em busca de outras,
deixando para trás “uma barraca arruinada e em torno o seringal
exhausto!”
(MENSAGEM,
15/01/1901). Predatórios mas altamente rentáveis, os seringais
atraíam inúmeras pessoas, que deixavam suas atividades cotidianas,
a agricultura, a coleta e a pesca, para trabalhar na extração do
látex. Desde os tempos da Província que as autoridades reclamavam
da constante fuga de braços para a atividade gomífera. Em 1857 o
Presidente Ângelo Thomaz do Amaral registrou que o cultivo de cacau
e café não se desenvolvia tanto porque “os braços applicam-se
principalmente á colheita de castanha e drogas medicinaes, á
extracção de oleos e da borracha” (FALA, 01/10/1857, p. 51).
A
mão de obra, nos primeiros tempos de exploração, era nativa, sendo
empregado o trabalho de indígenas e de mestiços, bem representados
em desenhos do engenheiro, fotógrafo e pintor alemão Franz
Keller-Leuzinger. Era
uma mão de obra escassa, dada a baixa densidade demográfica da
região. No entanto, entre o final da década de 1870 e a década de
1880, registra o historiador Caio Prado Júnior, com as secas
prolongadas na região Nordeste, “[…] estabelece-se uma forte
corrente migratória daí para o Amazonas” (PRADO JÚNIOR, 1970). O
sociólogo Samuel Benchimol nos apresenta números da entrada de
imigrantes nordestinos na região Amazônica: “As secas de 1877 e
1878 deslocaram 19.910 retirantes. Em 1892 as entradas registraram
uma imigração de 13.593 nordestinos. No triênio 1898/1900, nos
portos de Belém e Manaus, entraram 88.709 migrantes no auge do
movimento povoador. Contados os números até 1900, teríamos um
afluxo de 158.125 nordestinos que vieram fazer
a Amazônia,
cerca de 20% da população da época. De 1900, passando pelo apogeu
de 1910, até à depressão, estimamos que a Amazônia recebeu mais
de 150.000 cearenses,
totalizando assim 300.000 imigrantes nordestinos, no período de 1877
a 1920” (BENCHIMOL, 1999, p. 136).
Para
os seringueiros os seringais eram, além de seus locais de trabalho,
suas “prisões”, administradas com mãos de ferro pelos
seringalistas.
O aprisionamento dos homens ao seringal, explica o historiador Caio
Prado Júnior, começava logo que eles eram contratados, pois eles já
vinham de suas terras natais endividados, devendo as passagens, e ao
chegar adquiriam seus instrumentos de trabalho no próprio seringal e
através de crédito (PRADO JÚNIOR, 1970). Os
gêneros alimentícios
também eram comprados no próprio seringal. Tudo vendido por preços
astronômicos. Com parcos vencimentos e endividados com o
seringalista, os trabalhadores se viam privados de liberdade. A mão
de obra era explorada até o
esgotamento. O escritor Euclides da Cunha definiu o seringueiro como
sendo o homem que trabalha para escravizar-se (CUNHA, 1909, p. 24).
Os sonhos de melhoria de vida davam lugar à exaustão, ao desespero,
à raiva e frustração.
Os
seringais eram locais violentos, sendo frequentemente palcos de
brigas, tentativas de homicídio e assassinatos. Em
1910 o gerente do seringal Manixy, no baixo Juruá, mandou espancar
um seringueiro após se desentender com ele (CORREIO DO NORTE,
28/01/1910, p. 01). A
reintegração
de posse de dois seringais em Lábrea invadidos por Miguel Milerio de
Vasconcelos e pertencentes a Jacob da Costa Gadelha, em
1910,
terminou com a morte de três soldados, do encarregado de um dos
seringais e três seringueiros (MENSAGEM, 10/07/1910, p. 17). Em
1913, quando voltava de uma estrada, o seringueiro de nome André, do
seringal Boa Esperança, no rio Madeira, foi atacado por índios
parintintins, que o decapitaram (JORNAL DO COMMERCIO, 04/01/1913, p.
01). Por volta de 1916, no seringal Forte-Veneza, localizado no alto
do rio Javari, um seringueiro assassinou seu companheiro de trabalho
e o enterrou na entrada da barraca que dividiam (O JAVARY,
08/10/1916, p. 02). Inúmeras páginas poderiam ser dedicadas a esse
banho de sangue diário, sangue de amazonenses e nordestinos.
Para
enfrentar a solidão dominante nos
seringais e amenizar, mesmo que por alguns instantes, as agruras da
vida,
os seringueiros ingeriam
aguardente, que figurava entre os principais itens de
suas listas de aquisições nos barracões. O sexo também era uma
necessidade. A presença feminina nos seringais era rarefeita. Eles
eram espaços quase que inteiramente masculinos. O sociólogo Márcio
Souza afirma que “[…] a contrapartida feminina chegava sob a
forma degradante da prostituição. Mulheres velhas, doentes, em
número tão pequeno que mal chegavam para todos os homens, eram
comercializadas a preço aviltante” (SOUZA, 1994, p. 139).
Os seringais tiveram importância
imensurável
para a região Amazônica na virada do século XIX para o XX. Mesmo
após a crise do sistema de produção gomífera continuaram
existindo, dominando a paisagem do interior com suas barracas e
barracões.
FONTES:
Falla
dirigida a Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas em 01 de
outubro de 1857 pelo Presidente da Província, Angelo Thomaz do
Amaral.
A
Província do Amazonas, 06/04/1888.
Amazonas
Commercial, 26/05/1900.
Mensagem
do Governo do Estado do Amazonas, de 15 de janeiro de 1901.
Correio
do Norte, 28/01/1910.
Mensagem
do Governo do Estado do Amazonas, 10/07/1910.
A
Lanceta, 21/09/1912.
Jornal
do Commercio, 04/01/1913.
O
Javary, 08/10/1916.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
BENCHIMOL,
Samuel. Amazônia
– Formação Social e Cultural.
Manaus: Editora Valer/Editora da Universidade do Amazonas, 1999.
BINSZTOK,
Jacob. O
regatão.
Boletim Geográfico. Rio de Janeiro: IBGE, 24 (189), p. 910-911,
nov/dez, 1965.
CUNHA,
Euclides da. À
Margem da História.
Porto (PT): Livraria Chardron, 1909.
PRADO
JÚNIOR, Caio. História
Econômica do Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1970.
SANTOS,
Francisco Jorge dos. História
do Amazonas.
1° ed. São Paulo: Ática, 2007.
SOUZA,
Márcio. Breve
História da Amazônia.
2° ed. São Paulo: Marco Zero, 1994.
TOCANTINS,
Leandro. O
Rio Comanda a Vida:
Uma Interpretação da Amazônia. 3° ed. Rio de Janeiro: Gráfica
Record Editora, 1968.
TEIXEIRA,
Carlos Corrêa. Servidão
Humana na Selva – O Aviamento e o Barracão nos Seringais da
Amazônia.
Manaus: Editora Valer/Edua, 2009.