sábado, 18 de novembro de 2017

Canções da Guerra Civil


Reproduzo a seguir, de forma integral, o capítulo Canções da Guerra Civil, do livro História da Música Popular Americana (1963), de David Ewen, onde são abordadas as canções criadas durante esse conflito, canções essas que expressavam os diferentes sentimentos que surgiam nos campos de batalha do Sul e do Norte:

Origina-se da Guerra Civil uma rica literatura de canções que refletem os vários graus de emoção despertados em ambos os campos de luta - o fervor e as amarguras, a exaltação e o desespero, as esperanças e as frustrações, a nostalgia e a solidão.

As primeiras canções da Guerra Civil destinavam-se a inflamar o patriotismo dos beligerantes, a insuflá-los para a luta. O Sul apropriou-se da melodia da canção de "minstrel show" de Dan Emmett, "Dixie", paramentou-a com nova letra marcial, e adotou-a como sua canção de guerra. O fato de ser nortista o autor de "Dixie" foi convenientemente esquecido, tendo sido admitido que circulasse uma notícia segundo a qual a música era em verdade da autoria de um negro, que falava de seus laços indissolúveis com o seu senhor e as terras do Sul. Durante toda a guerra, "Dixie" foi a canção favorita do Sul. Momentos antes de o General Pickett atacar Gettysburg, ordenou que a executassem, para levantar o moral das tropas. Depois de Appomattox, Abraham Lincoln observou que, uma vez que o Norte conquistara o Sul, também conquistara "Dixie", como presa de guerra. Como prova de seu próprio entusiasmo por "Dixie", pediu à banda que se achava nas proximidades da Casa Branca que a tocasse para ele.

Considerando a íntima identificação de "Dixie" com o Sul, seu autor - Dan Emmett - tornou-se alvo dos ataques de diversos jornais do Norte, apesar de ter sido apenas vítima inocente de uma confiscação. Para contrabalançar a influência de sua canção no Sul, Emmett escreveu uma nova letra para sua melodia, exortando o Norte a recordar-se de Bunker Hill e a "receber aqueles traidores do Sul com firmeza". Mas, embora com esses novos versos, "Dixie" nunca se tornou popular no Norte.

"Maryland, My Maryland" foi outra canção de guerra grandemente querida no Sul. A letra era da autoria de James Ryder Randall, professor de Literatura Inglesa no Colégio Poydras, em Louisiana. Tendo lido, num noticiário de jornal, a maneira como, ao passarem por Baltimore, tinham sido atacadas as tropas do Norte, Randall de logo percebeu nesse episódio uma fonte preciosa de propaganda para ajudar a fazer com que Maryland aderisse ao Sul. Numa noite de vigília de 1861, escreveu um inflamado poema, "Maryland, My Maryland", e conseguiu publicá-lo num jornal de Baltimore. Pouco depois, num comício destinado a incitar o povo de Baltimore a aderir à causa do Sul, o poema foi cantado por Jennie Cary, com a conhecida melodia alemã, "O Tannenbaum". Provocou tal explosão de entusiasmo, que os que se achavam fora do auditório afluíram às janelas para saber o que ocorria. Jennie Cary voltaria a interpretar a canção, com igual sucesso, num concerto para os homens das forças de Beauregard. Em 1862, a canção foi publicada, letra e música, alcançando imediata e ampla popularidade.

"The Bonnie Blue Flag" foi uma terceira canção a tornar-se popular no Sul, cabendo a honra dessa popularidade a Henry Macarthy, artista de teatro. Sua letra descrevia os acontecimentos que conduziram à secessão; a melodia era a de uma cantiga popular irlandesa, "The Jaunting Car". Macarthy lançou "The Bonnie Blue Flag" num ato por ele apresentado em Nova Orleans, em 1861, o qual depois seria repetido através de todo o Sul, onde a canção foi ouvida e adotada pelos soldados Confederados.

Mas, como no campo de batalha, foi ao Norte que coube a primazia na competição entre canções de guerra. Porque foi o Norte, e não o Sul, que produziu os dois principais compositores desse gênero de música: George Frederick Root e Henry Work.

George Frederick Root (1820-1895) nasceu em Sheffield, Massachusetts, e recebeu uma perfeita educação musical em Boston e Paris. Depois de haver-se dedicado ao ensino da música em Boston e Nova Iorque, propendeu para a composição de música popular - aparentemente com uma certa dose de condescendência, tanto assim que a edição de seus trabalhos foi feita sob pseudônimo - Wurzel (Wurzel é a tradução alemã da palavra Root, raiz). Várias de suas canções publicadas entre 1853 e 1855 obtiveram sucesso: "The Hazel Dell", "Rosalie, the Prairie Flower", "There's Music in the Air" (que mais tarde gozaria de popularidade em diversos colégios) e o hino evangélico "The Shining Shore".

Em 1859, Root transferiu-se para Chicago, onde se faria sócio da casa editora Root and Cady, que seu irmão mais velho ajudara a fundar um ano antes. Ao irromper a Guerra Civil, Root, como compositor de canções, orientou sua atividade para o esforço de guerra, escrevendo tanto a letra como a música de suas composições. Sua primeira canção de guerra, "The First Gun Is Fired", estimulada pela segunda convocação de Lincoln dirigida aos voluntários, em 1863, não passou de um fracasso, mas a segunda canção, "The Battle Cry of Freedom", publicada naquele mesmo ano pela firma Root and Cady, foi sua obra prima. O "duo" de cantores, Frank e Jules Lombard, apresentou a canção de maneira tão impressionante, num comício realizado na Chicago Court House Square, que o auditório, em conjunto, começou a cantar espontaneamente um dos refrões. A canção tornou-se particularmente popular entre os soldados da União. Escrevia um deles na época: "Uma sociedade de canto, que veio ao campo de batalha, de Chicago, trouxe consigo essa canção recém-lançada, que cruzou o campo como um relâmpago. O efeito foi quase milagroso. Comunicou uma alegria e um entusiasmo imenso às tropas, como se se tratasse de uma esplêndida vitória. Era ouvida noite e dia, em torno de cada fogueira e em todas as barracas. Jamais me esquecerei de como aqueles homens estrondeavam a frase - 'E embora possa ser pobre, jamais será escravo'".

Root continuou a produzir canções de guerra - algumas marciais, outras sentimentais - até o fim do conflito. As melhores foram: "Just Before the Battle, Mother", em 1863; "Tramp! Tramp! Tramp!", em 1864; e, em 1865, "On, On, the Boys Came Marching" e "The Vacant Chair", esta última inspirada na morte de um tenente do 15° Regimento de Infantaria de Massachusetts.

Henry Clay Work (1832-1884), levado por seus profundos sentimentos abolicionistas e unionistas, escreveu algumas das mais eloquentes canções de Guerra do Norte. Como Root, compunha letra e música. Era filho de um ativo abolicionista, cujo lar era uma estação no Caminho de Ferro Subterrâneo¹ por onde mais de 4.000 escravos escaparam.

Work nasceu em Middletown, Connecticut. Quando trabalhava como aprendiz de tipógrafo em Hartford, descobriu um acordeão num quarto sobre a oficina e em breve estava a usá-lo para compor canções. Sua primeira canção foi "We Are Coming, Sister Mary", que, segundo dizem, foi comprada pelos "Ed Christy Minstrels" por 25 dólares, e cantada com sucesso durante os dez anos que se seguiram à sua primeira publicação. Em 1854, Work mudou-se para Chicago, para trabalhar como tipógrafo. Fez aí amizade com George Root, por cuja insistência começou a escrever canções de guerra, tão logo teve início a Guerra Civil. A primeira foi "Kingdom Coming", animada melodia popular para versos em dialeto negro. Alcançou tal sucesso, imediatamente após sua publicação pela firma Root and Cady, que Work se sentiu encorajado a abandonar a tipografia e dedicar-se à composição de canções. Depois da invasão da Pennsylvannia pelo General Lee, Work compôs "The Song Of Thousand Years", e, em consequência de sua apreensão ante o destino do Norte, compôs "God Save the Nation". Escreveu também agradáveis canções humorísticas: "Grafted into the Army", em 1862; "Babylon Is Fallen!", em 1863; e "Wake Nicodemus!", em 1864. A canção a que seu nome estará sempre associado apareceu em 1865, nos últimos meses da guerra. Trata-se de "Marching through Georgia", inspirada no histórico avanço do General Sherman para o mar. (Muitos anos depois, a Universidade de Princeton utilizou-se de sua melodia para uma canção de futebol).

Depois que o primeiro tiro foi desferido, também Stephen Foster começou a dirigir sua energia musical no sentido de compor canções de guerra. Ao contrário de Work e Root, não obstante, o que produziu foi muito fraco - entre as peças mais fracas de toda a sua obra. Nenhuma de suas canções de guerra gozou de particular popularidade, e nenhuma sobreviveu. Eis algumas das canções da Guerra Civil, de autoria de Foster: "We Are Coming, Father Abraham", com letra de James Sloan Gibbons, a qual já havia sido musicada por Luther Orlando Emerson, entre outros; "We, ve a Million in the Field" e "Was My Brother in the Battle?", todas de 1862; e, em 1863, "When This Dreadful War Is Ended", "My Boy is Coming from the War", "Nothing but a Plain Old Soldier" e "For the Dear Old Flag I Die".

Oriundas do Norte, mais três outras canções da Guerra Civil são ainda hoje relembradas. "The Battle Hymm of the Republic" era um poema da famosa sufragista e poetisa Julia Ward Howe, composto para uma melodia de William Steffe, muito difundida nos camp meetings² de congregações negras, e conhecidas como "Say Brothers, Will You Meet Us?". No começo da Guerra Civil, essa mesma melodia fora utilizada para a canção "John Brown's Body", que pretendia satirizar um ingênuo e infeliz soldado do 12° Regimento de Massachusetts. Quando os soldados do Norte marchavam para a luta, costumavam acertar o passo cantando essa vibrante canção. Julia Ward Howe ouviu-os cantá-la um dia, em dezembro de 1861, e nessa mesma noite, em seu quarto de hotel, escreveu para ela um eloquente poema, "The Battle Hymm of the Republic". Foi publicada pela primeira vez em The Atlantic Monthly, em fevereiro de 1862, e pouco depois republicada em vários jornais, revistas e em livros de hinos do exército. A canção foi publicada por três diferentes casas editoras. O capelão do 122° Regimento de Voluntários de Ohio ensinou-a a seus soldados. Diz-se que quando Lincoln a ouviu pela primeira vez ficou tão comovido que pediu que a cantassem novamente.

"Tenting on the Old Camp Ground", na qual a solidão terrível do soldado encontra pungente expressão, foi escrita por Walter Kittredge, em 1862. Na véspera de seu recrutamento, Kittredge compôs a letra e a música dessa triste canção, para traduzir seu próprio sofrimento por ter de abandonar o lar e a esposa. Tendo sido vítima, no entanto, de um ataque de febre reumática, o exército o dispensou. Tentaria, depois, vender a canção, mas sem exito, de vez que os editores, onde quer que os procurasse, consideravam-na por demais depressiva para que o público a apreciasse. Agradou, todavia, à Família Hutchinson, que repetidas vezes a apresentou em seus concertos, tendo sido por sua influência que afinal foi publicada por Oliver Ditson, em 1864, com resultados compensadores. Continuou sendo cantada muito tempo depois de terminada a guerra, como peça preferida em acampamentos de soldados, comícios e outros gêneros de reuniões marciais.

"When Johnny Comes Marching Home", de Patrick S. Gilmore, em verdade tornou-se famosa mais tarde, outra guerra, no que pese ter sido composta para a Guerra Civil, quando obteve o sucesso inicial, convém frisar. Patrick S. Gilmore (1829-1892) tornou-se famoso depois da Guerra Civil, como regente da célebre "Gilmore Band", que se exibiu em concertos através de toda a América e ajudou a popularizar a moda dos concertos de orquestras no país. Foi também organizador de grandiosos festivais e festas comemorativas, em que se utilizava de conjuntos musicais imensos. Gilmore fundou sua primeira orquestra exatamente um ano antes da Guerra Civil. Em 1860 incorporou esse conjunto ao 24° Regimento de Voluntários de Massachusetts, conquistando, em consequência, o título de Regente-Geral, com o posto de Coronel. Em 1863 escreveu a letra e a música de "When Johnny Comes Marching Home" e publicou-a sob o pseudônimo de Louis Lambert. Sua orquestra lançou a canção e ajudou a torná-la conhecida entre os soldados da União. Mesmo no Sul, a melodia era tão apreciada que foi usada como música de "For Bales!", canção de versos humorísticos. Mas a grande popularidade de "When Johnny Comes Marching Home" pertence a um período posterior. Revivida com êxito durante a Guerra Hispano-Americana, tornou-se uma de suas principais canções; é hoje em dia habitualmente associada apenas a esta última guerra. Desde o início deste século, "When Johnny Comes Marching Home" tem aparecido em variadas versões - como foxtrote - durante a I Guerra Mundial e como composição sinfônica em ambiciosas adaptações de Roy Harris e Morton Gould.

NOTAS:

¹ O Caminho de Ferro Subterrâneo "era simplesmente um caminho ao logo do qual os negros fugitivos eram auxiliados por filantropos brancos e por aqueles da sua própria raça que viviam nos estados não escravagistas". (Rex Harris - Jazz - p. 53 - Editora Ulisseia - Lisboa - Rio de Janeiro). Eram as "famosas rotas de evasão dos escravos através da fronteira para os estados do Norte". (Id.) (N. do T.)

² Camp meetings - Reuniões religiosas ao ar livre. (N. do T.)


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

EWEN, David. História da Música Popular Americana - As canções populares, o teatro musicado e o jazz na América, dos tempos coloniais aos dias de hoje. Tradução de Miécio Teti. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes, 1963, p. 42-49.



CRÉDITO DA IMAGEM:

www.theamericanmirror.com

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Cenas da vida manauara (1860-1960)

No presente texto apresento alguns registros do cotidiano de Manaus desde a segunda metade do século XIX até a década de 1960 do século XX. Foram utilizadas, para o século XIX, gravuras, algumas fotos de estúdios e fotografias produzidas por viajantes que aqui estiveram em expedições científicas. Para o século XX foram utilizadas fotografias produzidas por estúdios, por particulares e instituições diversas. Pretende-se, dessa forma, apresentar por meio de imagens, a partir de uma que análise que se tentou pormenorizada, o cotidiano de homens, mulheres e crianças, trabalhadores e trabalhadoras; paisagens e aspectos da vida dos manauaras no espaço de um século.

1860:

SALA DE JANTAR EM MANAUS


A sala de jantar de uma residência de Manaus foi retratada em 1862 em uma gravura do francês Riou Biard para o livro Dois Anos no Brasil. Nela podemos identificar alguns aspectos da vida material da época. A cozinha, assim como a casa, está assentada no chão de terra batida. Poucas eram as casas assoalhadas. Entre as pessoas e os alimentos, vivem animais, domésticos e selvagens, como os macacos. A separação entre o mundo urbano e o rural, ou selvagem, ainda não tinha ocorrido. No local, apenas uma mesa de madeira e um pequeno armário. Cadeiras eram raras. Sentava-se no chão, em bancos (se existissem), em baús, onde ficavam os mantimentos, ou em esteiras, estas últimas apropriadas dos indígenas. Na ausência de pratos e talheres, as mãos e as folhas da bananeira e do arumã auxiliavam. Na área externa, uma divisória separa o alpendre, onde se colocava a rede, do local das refeições.

FAMÍLIA DE ÍNDIOS TAPUIA


Uma família de índios tapuia foi fotografada em 1867 em frente a sua residência, de madeira e taipa, pelo fotógrafo bávaro Albert Frisch (1840-1905). Esse trabalho recebeu uma Menção Honrosa na Exposição Universal de Paris e uma medalha de prata na Exposição do Rio de Janeiro. Na frente da residência, diferentes gerações de uma mesma família. O pai segura a criança mais nova, enquanto as outras estão ao lado do que supostamente pode ser a avó, à esquerda, e a mãe, atrás do pai. Na rua, ou melhor dizendo, o caminho de terra batida, uma senhora de idade, sobre uma esteira, ao lado de um punhado de palha, aparentando trabalhar o material. No canto esquerdo, sentada sobre um banco de madeira, uma mulher mais jovem apoiada sobre um tear. Dentro da casa, alguns habitantes tímidos olham para o fotógrafo, enquanto um jovem, do lado de fora, faz uma pose. Ao fundo, outro morador olha para o fotógrafo.

1870:

O CONTRASTE ARQUITETÔNICO


Essa litogravura foi publicada em 1879 na revista 'O Ocidente - Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro' (2° ano, volume 2, n°42). A maior parte das construções vistas eram de origem colonial, da segunda metade do século XVIII, construídas em estilo português rústico, algumas já assobradadas, divididas umas das outras por grandes cercas de madeira, sem tratamento no alinhamento, que segue a naturalidade do terreno. No entanto, ao fundo, no canto superior direito, uma construção se destaca na paisagem. É o prédio do Palácio do Governo, o Paço da Liberdade, construção de alto porte em estilo neoclássico recentemente inaugurada. O contraste arquitetônico é o mais interessante desse registro: Uma construção neoclássica em meio às inúmeras construções coloniais. Ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, foi um dos principais marcos arquitetônicos do período provincial. Durante as décadas que se seguiram a essa litogravura, muitas dessas simples construções remanescentes do período colonial foram remodeladas para ganhar novas funções ou foram demolidas para dar lugar a novas residências e empreendimentos.

1880:

MUDANÇAS NA PAISAGEM


Esse registro, da Praça Dom Pedro II, no antigo bairro de São Vicente, foi feito entre 1882 e 1884 pelo Conde Ermanno Stradelli (1852-1926). Na época, o coreto acabara de chegar de Liverpool, na Inglaterra, mas suas obras de instalação só seriam concluídas em 1888. Na rua Bernardo Ramos podem ser vistos alguns trabalhadores realizando serviços de melhoramento da via e do entorno da praça. Notem, também, à direita, o lampião que funcionava com gás carbônico; e, à esquerda, no logradouro, algumas árvores peladas, possivelmente pela presença das saúvas que o professor Agnello Bittencourt cita em seu livro Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. As transformações do espaço urbano começar a se intensificar no final do período provincial, se prolongando posteriormente pelos governos republicanos.

1890:

O PALÁCIO DA AVENIDA E A AVENIDA DO PALÁCIO


Essa fotografia de George Huebner é bastante expressiva, pois retrata parte das transformações da administração de Eduardo Gonçalves Ribeiro. Ele mostra a Avenida Eduardo Ribeiro, antiga Avenida do Palácio e rua Comendador Clementino, em 1897. Essa via do centro comercial recebeu o nome de Avenida do Palácio em referência ao palácio que estava sendo construído, desde 1893, para ser a nova sede do Governo do Amazonas. No entanto, com as obras paralisadas em 1894, foi implodido ainda inacabado em 1899. É possível vê-lo ao fundo, no final da avenida. Em seu lugar, na década de 1940, foi construído o prédio do Instituto de Educação do Amazonas, durante a administração de Álvaro Botelho Maia. O processo de urbanização é evidente, com construções em novos padrões e técnicas arquitetônicas, casas comerciais exportadoras, mudas recém plantadas, trilhos para os bondes elétricos, processo de calçamento ainda por terminar. Esses elementos eram fruto dos anseios das elites políticas e econômicas em dotar a capital das melhores estruturas para os negócios da produção gomífera. Permanece, curiosamente, à direita, um lampião a gás remanescente da Província.

1900:

IGARAPÉ, PAISAGEM EXPLORADA EM CARTÕES POSTAIS


Registro do Igarapé de São Raimundo em cartão postal do início do século XX. Essa foto foi tomada de uma pequena elevação envolta de farta vegetação com açaizeiros e buritizeiros, podendo ser vistos alguns homens atracando suas canoas na margem, possivelmente vindos da região central ou adjacências. Observem que o que já está em terra firme espera o outro chegar ao local. As toras de madeira, à direita, podem indicar que esse registro foi feito nas proximidades de uma das serrarias da região do Plano Inclinado, no bairro dos Tócos (Aparecida). Do outro lado do igarapé, algumas construções e um barco a vapor. As paisagens naturais da cidade foram bastante exploradas em cartões postais, o que reforçava o potencial turístico da capital na época.

1910:

BEBIDAS E DIVERTIMENTOS


Interior do Bar Americano, antigamente localizado na esquina da Avenida Eduardo Ribeiro com a Avenida Sete de Setembro, onde hoje fica um edifício que abriga a C&A. Nessa foto de 1913 vemos uma grande quantidade de pessoas, em sua maioria homens, o que sugere alguma comemoração, talvez pela vitória de algum time que naquele ano disputou partida no Bosque Municipal, ou pelo Carnaval que estava sendo realizado naquela área. Luz elétrica, salões amplos, espaço majoritariamente masculino, com homens em vestes formais, de paletó, chapéu e gravata, em sua maioria mestiços, com alguns brancos, aparentemente de outras nacionalidades, alegres, em pose ou surpreendidos pela fotografia. Momento regado a chá, cerveja, chocolate quente e conservas finas. O Bar Americano era um dos pontos de encontro da boemia dos anos 1900, ao lado Moinho de Ouro, Café da Paz, Café dos Terríveis, Bar Avenida, Leão de Ouro, Pensão Maranhense, Casa Bilhares, Boate Odeon e outros bares e casas de diversão.

1920:

OS ANTIGOS "CAMELÔS"


Até pouco tempo não existiam, além de desenhos, registros fotográficos de vendedores ambulantes antigos. Este aqui reproduzido é de 1920, de autoria do fotógrafo inglês J. Dearden Holmes. Nele vemos um vendedor ambulante posando para a foto com seu tabuleiro de vendas na Avenida Sete de Setembro, do lado do Paço da Liberdade, na Praça Dom Pedro II. As vendas de rua, na cidade, foram, entre o final do século XIX e parte do século XX, praticadas por portugueses, árabes, galegos e libaneses. Esse trabalho passava pela fiscalização da municipalidade, que criava leis para a sua realização. A Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905, a nível de exemplo, estabeleceu que os ambulantes deveriam trazer sempre consigo as licenças e chapas de numeração, postas em lugares bem visíveis. O ambulante da foto tem gravado em seu tabuleiro seu local de atuação: Estrada Epaminondas, n° 114. Aparentemente, pelos embrulhos dentro do tabuleiro, pode ser um vendedor de doces, daqueles retratados em desenhos de Moacir Andrade nas décadas de 1950 e 1960.

1930:

SUBÚRBIOS


Os subúrbios abrigavam as massas trabalhadoras das indústrias do Centro e também as locais. Isso ocorre até hoje, mudando apenas os locais de atuação. O bairro de Constantinópolis, o Educandos, era um desses redutos, separado da área central pelo Igarapé de Educandos, mas conectado pelas catraias que serviam seus moradores. Nesse registro de 1935, de autoria do norte americano Robert Swanton Platt, temos a rua Manoel Urbano, uma das mais antigas do bairro, até 1908 denominada rua Oeste n° 02 (Intendência Municipal, 1908). Do lado direito da via vemos casas construídas com materiais diversos, desde a madeira até a alvenaria. Ao fundo são visíveis alguns casarões da rua dos Andradas, já no Centro, além das torres da Igreja de N. S. da Conceição, da Igreja de São Sebastião e da cúpula do Teatro Amazonas.

1940:

ESFORÇOS DE GUERRA


Entre 1943 e 1945, foram recrutados cerca de 60.000 mil trabalhadores de diferentes estados da região Nordeste para a extração de látex na Amazônia, destinado à produção de borracha para os Aliados. Estes ficaram conhecidos como Soldados da Borracha. Os governos Norte-Americano e Brasileiro esperavam elevar a produção ao número de 70.000 mil toneladas anuais até onde a Guerra durasse. Medo, sofrimento, expressões de um dos milhares de trabalhadores que pereceram na região ou que até hoje, em meio a inúmeros entraves burocrático judiciais, buscam uma indenização que jamais será capaz de cobrir os danos físicos e morais que sofreram. Esse Soldado da Borracha carregando uma péla do material na cabeça foi registrado em 1943 em Manaus pelo fotógrafo norte-americano Thomas D. Mcavoy, funcionário da Revista Time Life que fez inúmeros registros para divulgar as realizações dos governos do Brasil e dos Estados Unidos.

LAVADEIRAS NO IGARAPÉ DO 40


Carregando trouxas de roupas na cabeça, com algumas bacias, eram trabalhadoras das mais antigas da cidade, com referências desde o século XIX e até mesmo antes, aparecendo em relatos, gravuras e fotografias. As lavadeiras foram por séculos personagens populares em Manaus, atuando em seus próprios bairros ou em áreas mais distantes, recolhendo roupas de famílias mais ou menos abastadas para serem lavadas nos inúmeros igarapés que cortavam a área urbana. Mesmo com as transformações do espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, com os governantes tomando medidas modernizadoras, elas resistiram aos Códigos de Posturas que proibiam suas atividades nos igarapés, sob a justificativa de que elas poderiam prejudicar aquele ambiente. Nesse registro temos duas lavadeiras no Igarapé do 40, na região do Cajual, em 1943, nos arredores do Morro da Liberdade, na zona Sul, trabalhando sobre um tronco de madeira. Esse ofício foi praticado até o momento em que os igarapés de Manaus começaram a ser degradados, em um processo contínuo verificado desde os anos 80 do século passado.

1950:

NATUREZA INDOMÁVEL


As cheias são uma constante na vida das cidades fundadas às margens de rios. As cheias, em Manaus, são famosas por mudar a paisagem dos bairros banhados pelo Rio Negro. No Centro, o trânsito só se torna possível através de marombas, pontes feitas com tábuas. Nesse fotografia colorizada, de autoria de Corrêa Lima, temos o trecho inicial da Avenida Eduardo Ribeiro, nas proximidades da Praça da Matriz, tomado pelas águas do Rio Negro durante a Grande Cheia de 1953, quando o nível do rio atingiu a histórica marca de 29 metros e 69 centímetros, inundando casas, estabelecimentos comerciais e destruindo safras no interior. Ocorreu um aumento significativo de pessoas vindas do interior para a capital nesse período, buscando moradia e outras oportunidades, já que nos municípios do interior os efeitos são sempre mais devastadores.

1960:

TACACAZEIRA NA AVENIDA CONSTANTINO NERY


As tacacazeiras se instalavam em locais estratégicos da cidade, como em frente aos já desaparecidos cinemas Odeon e Guarany; ou nas praças da Matriz e da Polícia. Sobre elas, escreveu André Vidal de Araújo em sua Introdução à sociologia da Amazônia: "Sentada sobre um comum, diante de uma mesa velha e tosca, forrada com uma toalhinha branca, tendo ao lado, num caixote, um fogareiro a carvão e sobre o fogareiro, a panela com tucupi e camarão, e, sobre a mesa, a panela de goma e a cuia de pimenta-murupi, e, dois ou três montinhos de cuias negras, para servir à freguesia, vive a mulher do tacacá, desde as 15 horas até, em regra, às seis e meia da tarde, e às vezes até a tarde da noite distribuindo cuias e cuias de tacacá aos seus fregueses infalíveis" (ARAÚJO, 2003, p. 393). A tacacazeira desse registro ficava na Avenida Constantino Nery, uma via entre o tradicional e o moderno, com duas casas de madeira no barranco, à esquerda, e uma casa de alvenaria, moderna, à direita. O ônibus de madeira 'Olinda' trafega talvez em direção ao bairro de São Geraldo ou ao Boulevard Álvaro Maia (Avenida Álvaro Botelho Maia).

A CIDADE FLUTUANTE


Uma cidade dentro da cidade. A Cidade Flutuante de Manaus foi um dos exemplos mais claros do que o sociólogo Márcio Souza chamou de 'favelização da Amazônia', processo de ocupação desordenada marcado pela marginalização humana, verificado a partir do colapso do sistema de produção gomífera. Um grande contingente de trabalhadores ficou abandonado nos seringais, boa parte falidos, e nas cidades do interior, que tiveram seu comércio reduzido. Buscando oportunidades e melhores condições de vida, essas pessoas passaram a migrar para a capital. A partir da década de 1920, como se compreende consensualmente, começou a se formar, na Orla do Rio Negro, mais precisamente no Porto de Manaus, depois se expandindo pelos igarapés de Educandos e São Raimundo, um grande aglomerado de casas de madeira e palha, que ficou conhecido como Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial que, até sua destruição, durante a administração de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964-1967), chegou a abrir 12.000 pessoas. Nessa foto do francês Marcel Gautherot, feita no início de 1960, vemos duas mulheres e uma criança caminhando uma típica "rua" de tábuas.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Acervo da Biblioteca Nacional - RJ

Acervo do IBGE
Time Life Photos
Manaus de Antigamente
Manaus Sorriso
Instituto Moreira Salles
Società Geografica Italiana
Instituto Durango Duarte

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTOS

ARAÚJO, André Vidal. Introdução à sociologia da Amazônia. 2° Ed revista, Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003. (Coleção Poranduba)


BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus: S. Cardoso, 1969.

SOUZA, Márcio. Breve História da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009.

Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905. Intendência Municipal de Manáos.



domingo, 5 de novembro de 2017

Três momentos de interpretações sobre a Cabanagem

Algumas cabanas na Província do Pará. Desenho de E. Riou a partir de croqui de M. Biard. 1862.

No texto Cabanagem: percursos históricos e historiográficos, Luís Balkar Sá Peixoto, professor de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), identifica três momentos de interpretações historiográficas sobre o movimento Cabano: Um no século XIX; outro a partir da década de 1930; e um terceiro mais recente.

O primeiro momento, no século XIX, é marcado por uma abordagem conservadora do movimento, encabeçada e posta em prática por militares e membros das camadas ligadas ao poder imperial. Seu maior expoente foi o político e historiador Domingos Antônio Raiol (1830-1912), autor de Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos na Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835, escrito entre 1865 e 1890. Em sua obra, densa e metódica, assentada em farta documentação dos arquivos do Pará e do Rio Janeiro, Domingos Raiol, de perspectiva legalista, defensor do Estado Imperial, analisa o movimento Cabano como anárquico e homogêneo, comprometedor das estruturas econômicas e políticas do Império.

Seus agentes, para ele uma massa amorfa, ideologicamente homogênea, são frutos de um movimento universal verificado após o enfraquecimento de boa parte das monarquias ocidentais e da ascensão dos valores da Revolução Francesa. Interessante notar que, como salienta Balkar e também Magda Ricci, até a escolha da documentação feita por Raiol tem por objetivo depreciar os agentes do movimento, bem como as leituras mais densas partem das perspectivas dos anticabanos, membros de alta patente militar da resistência. Balkar afirma que isso é uma espécie de acerto de contas, pois ainda criança, com 5 anos, Raiol viu seu pai sucumbir diante de um ataque cabano. Sobre a composição cabana, diz o historiador paraense:

"Dominavam os turbulentos, os analfabetos, os homens sem conceito, para quem era indiferente a perturbação da ordem pública. Sem nada terem que perder, estes indivíduos estavam dispostos a entrar em qualquer aventura que se lhes deparasse. Os motins eram-lhes jogos de azar, nos quais poderia ser-lhes favorável".

O segundo momento, verificado na década de 1930, está relacionado ao contexto do (s) nacionalismo (s), à exaltação de uma natividade. O principal representante dessa fase foi Jorge Hurley (1882-1956), autor de Traços cabanos e A Cabanagem, ambos de 1936. Hurley, diferente de Domingos Monteiro Raiol, tinha uma visão positiva do movimento Cabano.

Em um período de exaltação de símbolos e da fabricação de mitos nacionais, Hurley via no movimento Cabano a oposição ao sistema colonial e o surgimento do sentimento de brasilidade na região Norte, tanto é que, cronologicamente, para o autor, a Cabanagem teria suas origens em 1823, quando o Grão-Pará jurou fidelidade ao Império Brasileiro. O nativismo é o cerne das discussões intelectuais e das produções historiográficas. Rogério Forastieri da Silva destaca 5 pontos de como este foi trabalhado ao longo da história do Brasil: "1) Luta contra a dominação estrangeira; 2) movimento precursor da emancipação política; 3) lusofobia; 4) reivindicações populares e 5) movimento precursor do nacionalismo ou sinônimo de nacionalismo". Além de suas obras sobre a Cabanagem, esses elementos também podem ser vistos em Belém do Pará sob o domínio português: 1616-1823, publicado em 1940.

Jorge Hurley era um homem ligado ao poder. Foi eleito desembargador após 1930 e Presidente do IHGpa (Instituto Histórico e Geográfico do Pará) em 1935. No centenário da Cabanagem, o movimento é transformado em festa cívica, em monumentos e os nomes de seus líderes batizam ruas e prédios públicos; e ele já não é mais uma ameaça à ordem pública, mas elemento aglutinador de um passado comum, manipulado, referenciado aos grandes personagens, supostamente nativo, que através dessa perspectiva endossava os sentimentos de um patriotismo historicamente fabricado pelas camadas dirigentes, vindo de Institutos Históricos e financiado pelo Estado, a quem mais interessa o controle e a ritualização do passado.


Contemporâneo de Jorge Hurley, Ernesto Cruz, também do IGHPa, autor de Nos bastidores da Cabanagem (1942), faz uma análise político-social do movimento. A análise política é feita a partir da recuperação de documentos escritos pelos presidentes cabanos Clemente Malcher, Francisco Vinagre e Eduardo Angelim durante as disputas por poder. Na leitura dessa documentação, Ernesto percebeu que em nenhum momento os líderes se identificavam como cabanos, mas antes utilizavam os termos patrícios, patriotas paraenses e brasileiros natos, defensores da liberdade e do Império.

O terceiro momento identificado por Luís Balkar é por ele nomeado como fase crítica, influenciada pela abordagem da Caio Prado Júnior. Ainda guardando alguns traços do nativismo da segunda fase, Caio Prado foi o primeiro autor a destacar a Cabanagem como um movimento social de grandes proporções, se não o maior do país, no qual, por um relativo período de tempo, um grande contingente das camadas populares de Grão-Pará conseguiu chegar ao poder. Balkar salienta que, mesmo permanecendo alguns traços nativistas, pela primeira vez esse movimento foi visto da perspectiva social, de luta de classes, o que abriu caminho, a partir da década de 1970, para análises sobre sua configuração (revolta, rebelião, revolução) político-ideológica e seus elementos dinâmicos (líderes, camadas populares, estratégias de resistência e desdobramentos).

Em 1984, José Júlio Chiavenato escreveu Cabanagem: o povo no poder, trabalhando o conceito de revolução. Importante destacar a diferença deste para a rebelião, pois enquanto a primeira tenta subverter as condições sociais vigentes, o status quo, a rebelião tem origem na insatisfação dos homens com os homens, uma revolta de indivíduos, um levante que não leva em conta as consequências que pode trazer (STIRNER, s.d.). Para Chiavenato, a Cabanagem tinha potencial revolucionário, mas perdeu-se por não ter um projeto político e estar essencialmente baseada na vingança social. Para Nelson Werneck Sodré, existia vigor nas ações cabanas, mas isso contrastava com a debilidade de sua organização e ausência de um conjunto de ideias, de uma subordinação governamental.

As produções historiográficas que se seguiram pela segunda metade da década de 1980 e a década de 1990, foram marcadas pela pluralidade de análises e atenção a elementos até então desconsiderados. Destacam-se as obras de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, Magda Maria de Oliveira Ricci e Pasquale Di Paolo. Passou-se a dar destaque a multiplicidade de ações, de interesses que formavam, diferenciavam e algumas vezes complementavam as camadas populares do movimento. Se opõe à ideia de que ele foi um movimento anárquico, sem objetivo aparente, mostrando que entre seus participantes existia a consciência de classe, formada por uma relação antiga da estrutura social excludente. 

Foram estudadas a participação de mulheres, indígenas, escravos, analisadas listas de prisioneiros, táticas de combate, tortura e resistência. A nova historiografia da Cabanagem preza um movimento dinâmico, alicerçado na consciência de classe e que, mesmo não tendo galgado maiores desdobramentos, marcou as relações sociais na região Norte.


BIBLIOGRAFIA:

PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Cabanagem: percursos históricos e historiográficos. In: DANTAS, Monica Duarte (org). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011.

PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Nos subterrâneos da revolta: trajetórias, lutas e tensões na Cabanagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998. (Tese de doutorado).

Revolução e Rebelião não tem o mesmo significado! Rebelião e Revolução não são sinônimos! 2013. Disponível em:http://www.anarquista.net/revolucao-e-rebeliao-nao-tem-o-mesmo-significado-rebeliao-e-revolucao-nao-sao-sinonimos/ Acesso em 05/011/2017.

CRÉDITO DA IMAGEM:

Acervo da Biblioteca Nacional - RJ

sábado, 4 de novembro de 2017

Manaus: Ensino Histórico

Compreender nossa própria história, a nível local, nos identificarmos como sujeitos históricos e agentes dos processos de transformação do espaço em que vivemos.

Como ensinar a História da cidade de Manaus, a História local, nos anos iniciais? De que forma esses conteúdos podem ser acrescentados à grade curricular educacional, de forma a garantir que se conheça, desde cedo, os elementos de fundação do lugar em que se vive? Analisando essas questões e tentando respondê-las, o acadêmico Gerdeleison Souza Teixeira¹, da UFAM, escreveu o artigo Manaus: Ensino Histórico, o qual é aqui apresentado de forma resumida:

O presente trabalho tem como objetivo a discussão sobre a compreensão histórica no tempo, a preservação da memória e o ensino de história nos anos iniciais. Os principais documentos que determinam o ensino no Brasil que são a LDB e os PCNs direcionam o ensino nas séries iniciais como uma história única do nosso País, mas nada impede que nós como profissionais do ensino de história possamos introduzir o ensino sobre a história e a memória de nossa cidade, afinal de contas é fundante que se saiba em primeiro lugar a sua história para compreender a história nacional, para Itamar Freitas em seu livro “Fundamentos Técnico-Metodológicos para o ensino de História (Anos Iniciais)” temos que responder as seguintes questões:

  • Como as crianças pensam?
  • Como as crianças imaginam o passado?
  • Como aprendem a história escrita pelos historiadores?

Para respondê-las é necessário que tomemos o conteúdo de ensino histórico sobre a cidade e façamos uma inclusão na grade curricular determinada pelos documentos oficiais, precisamos apenas de três aulas por bimestre para estimularmos o interesse dos alunos e colocá-los em contato com essa aprendizagem.

Mesmo utilizando o método tradicional podemos tornar essa aprendizagem muito interessante, podemos fotografar, processar e problematizar as fontes históricas em nossa cidade, pois tanto os prédios históricos, como as praças e demais locais possuem uma história oficial documentada e de fácil utilização pelo historiador para preparação de seu Plano de Aula em conformidade com os parâmetros curriculares.

Temos o privilégio de podermos manipular as fontes a nossa disposição que outros historiadores ou pesquisadores podem somente ter as cópias ou necessitam vir a nossa cidade para poder ter acesso. A utilização de documentos e monumentos é relacionado por Jacques Le Goff como formas principais de preservação da memória coletiva e de preservação científica.

É preocupante que ninguém tenha observado que não se faz referências a história da cidade de Manaus em nenhuma das fases desse ensino de formação do estudante em Manaus e muito menos na universidade, o mais perto que chegamos é uma história da Amazônia, em suma somente se a curiosidade de um ou outro aluno for suscitada merecerá no máximo um breve comentário do professor, as idas aos museus em nossa cidade são pouco para contar essa história que conta as nossas origens se faz necessário uma reformulação urgente no âmbito desse ensino.

No decorrer de nossa vida escolar o que sabemos sobre nossa cidade é que estudantes e historiadores a serviço do Estado e da Prefeitura trabalham em prol de contar a história de nossa cidade para turistas, enquanto que a maioria da população desconhece a própria história.

Se nós queremos preservar a memória de nossa história devemos ter um debate nos níveis de educação em nosso Estado que proporcione aos nossos alunos uma ampliação de conhecimento hoje nas mãos de poucas pessoas.

Basta relembrarmos a célebre pergunta feita pelo filho de Marc Bloch: “Para que ensinar história papai?”, para que o ensino de história se não podemos contar a nossa própria história? a reflexão sobre a compreensão de nossa história é muito importante para uma melhor formulação de nossa política educacional, segundo o professor MSC Bruno Miranda Braga “A História parte do presente para o passado” o nosso presente, a nossa realidade é Manaus temos a obrigação como historiadores de incluir essa aprendizagem sobre nossa cidade no ensino de história e para tanto os anos iniciais são nosso primeiro desafio para por em prática esse ensino de história.

Mausoléu em memória dos soldados mortos durante o Bombardeio da Cidade de Manaus, em 1910. Foto de 2017.

História e Educação devem caminhar juntas para a produção e transmissão de saber histórico, esse ponto é necessário para a realização do ensino de história sobre a nossa cidade em várias ocasiões temos exemplos do desconhecimento dessa história, Manaus teve papel importantíssimo não só na época áurea do ciclo da borracha como nos primeiros anos da República, o Bombardeio da cidade de Manaus em 1910, o envio de tropas para lutar em Canudos, a revolta da Policia Militar em 1924, o uso da cidade Manaus como local de pena de afastamento da capital: Rio de Janeiro para militares, funcionários públicos e políticos, a própria transferência de unidades militares do Exército Brasileiro que se envolveram em conflitos em nossa cidade para outros Estados assim como prisões de militares por cederem aos motivos políticos, todos esses acontecimentos históricos são desconhecidos pelos nossos estudantes e pela nossa população, nossa memória é privativa de poucos e só esse fato deve ser alarmante visto que um trabalho para mudar esse ponto para surtir efeito tem de ser a longo prazo e ainda nem demos o primeiro passo em direção a mudança.

¹ Gerdeleison Souza Teixeira, 44, é acadêmico do curso de História na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Defendeu o artigo sobre ensino de História na IX Semana de História da Universidade Federal de Roraima (UFRR), de 17 a 21 de julho de 2017. Realiza, em parceria com a acadêmica Ana Karolina Vasconcelos, entrevistas orais com o engenheiro Valderino Damasceno, Diretor do Porto de Manaus.
















CRÉDITO DAS IMAGENS:

Commons.wikimedia.org
Gerdeleison Souza Teixeira, 2017

sábado, 28 de outubro de 2017

O Crime da rua Costa Azevedo (1913)

Reconstituição da cena do crime feita pelo artista Jorge Gambôa, que tinha um atelier na rua Costa Azevedo. 15/02/1913.

Os crimes antigos povoam o nosso imaginário. Monstro da Colina, Jairzinho, Varadouro da Morte, Oliva Pinto… Nomes de pessoas e locais lembrados pela população da cidade, que foi transmitindo esses acontecimentos através das décadas, criando um verdadeiro repertório maravilhado, temeroso, da criminalidade. Os crimes do tempo presente não chamam nossa atenção, dada a forma rotineira com que acontecem. Somente um acontecimento muito, mas muito violento e grave, é capaz de despertar em nós o medo e o mecanismo de gravá-lo em nossa memória. Escrevo a seguir sobre um crime pouco conhecido, um assassinato na rua Costa Azevedo ocorrido em 1913, mas interessante pela forma como foi retratado, com gravuras e fotogravuras da vítima e dos assassinos, pelas minúcias e a forma como foi reconstituído.

Na tarde de 14 de fevereiro de 1913, por volta das 16:30, um homem foi assassinado na rua Costa Azevedo, no Centro, nas proximidades da Escola Universitária Livre de Manáos (E. Estadual Saldanha Marinho). Tratava-se de José Magliano D’ Eglias, assassinado por Francisco D’ Eglias Calábria e seu filho José D’ Eglias. Foi uma das coberturas mais rápidas realizadas pelo Jornal do Comércio, pois minutos após a morte de José Magliano, a equipe do jornal já estava em sua casa, onde estava o corpo, colhendo informações.

Na casa de n° 4 na rua Costa Azevedo, com vários curiosos na porta, encontrava-se, sobre uma cama forrada com um lençol branco, o corpo ensanguentado de José, com a roupa rasgada e as marcas das facadas que lhe tiraram a vida. Na sala, um quadro feito a lápis do morto ainda em vida. Passado o momento de espanto e tristeza, a equipe do JC passou a colher informações.


AS ORIGENS DE UM CRIME

Carlos Magliano D’ Eglias, italiano, tinha noivado há dois meses com a também italiana Magdalena D’ Eglias, filha de Francisco D’ Eglias Calábria e irmã de José D’ Eglias. Nesses dois meses de noivado, Magdalena dava sinais de que não queria levar a união adiante, querendo dar um fim ao enlace. No entanto, já estava muito encima da hora para que isso ocorresse, pois o casamento estava marcado para o dia 14 de fevereiro de 1913, tendo José Magliano D’ Eglias, irmão do noivo, cuidado de toda a papelada para o ato, auxiliado que fora por Raymundo do Rego Barros de Souza, encarregado de entregar ao casal os documentos.

Raimundo do Rego Barros de Souza se dirigiu à casa do pai de Magdalena, Francisco D’ Eglias Calábria, n° 33, na Avenida Joaquim Nabuco, onde estava o casal, para que fossem assinados os documentos. No entanto, Carlos Magliano ficou espantado ao ouvir da noiva que esta não queria se casar naquele dia pois estava doente. O irmão do noivo, José Magliano, que estava no local, vendo aquela situação, começou a discutir com Magdalena e sua mãe, chegando a ameaçá-las com uma cadeira em punho. Vendo a discussão, um jornaleiro italiano foi contar para Calábria e seu filho o que tinha ocorrido. Os dois, furiosos, foram atrás de José Magliano, que já tinha se evadido do local.

Os dois foram até a casa de José Magliano, na rua Costa Azevedo, n° 4. Lá estava apenas sua mulher, Aurora Barreto Magliano, a qual perguntaram: “Onde está o seu marido?”. Não sei, respondeu, dizendo que acabara de sair. Os dois, em um acesso de raiva, avançaram em Aurora dizendo: “Pois se ele não está, Diabo, morre você!”. Aurora conseguiu fugir pulando a cerca que separava a sua casa da residência vizinha. Francisco Calábria e seu filho ficaram ainda mais enfurecidos, gritando: “Ele não escapará hoje! Havemos de matá-lo, havemos de matá-lo!”.

Nesse momento, José Magliano estava dobrando a esquina com a rua Saldanha Marinho, indo em direção a sua casa. Calábria e seu filho José o encontraram, agredindo-o. Magliano, surpreso, não reagiu. Francisco segurou suas mãos, enquanto José lhe deu duas punhaladas no peito e uma na região lombar. Magliano tombou na rua Costa Azevedo ainda com vida, sendo socorrido por populares que o levaram até sua residência, onde morreu cinco minutos depois, às 16:35 do dia 14 de fevereiro de 1913. Os assassinos, Francisco Calábria e seu filho José foram presos no local.

O ASSASSINADO

José Magliano D' Eglias (1882-1913)

José Magliano D’ Eglias tinha 31 anos. Natural da Itália, veio para o Brasil em 1906, estabelecendo-se em Manaus como proprietário da Tinturaria Ítalo-Amazonense, situada na Avenida Eduardo Ribeiro, n° 40. Casado com Aurora Barreto Magliano, paraibana, deixou dois filhos, Romeu, de dezessete meses e Napoleão de dois meses. Seus pais, Domingos Magliano e Giacomina Galiarda Magliano, residiam na Paraíba do Norte (antiga denominação do Estado da Paraíba). Alguns anos antes, Magliano havia sido preso por desobedecer um policial e, em outra ocasião, era procurado por ter agredido fisicamente a esposa. Seu corpo foi levado para o necrotério, sendo autopsiado pelo médico legista da polícia, Dr. Álvaro Maia. Foi enterrado às 16 horas no dia 15 de fevereiro de 1913 no Cemitério de São João Batista.

O ASSASSINO E O CO AUTOR

José D' Eglias (1893-)

José D’ Eglias tinha 20 anos. Também italiano, exercia a profissão de carregador, sempre teve um histórico de acessos de raiva. Levado à delegacia, ainda sem saber que José Magliano havia falecido, disse que o mataria assim que de lá saísse. Francisco D’ Eglias Calábria, co autor do crime, veio para o Brasil em 1886. Em Manaus, era carregador e residia na Avenida Joaquim Nabuco com sua esposa Domingas Calábria. Tinha 53 anos.

Francisco D' Eglias Calábria (1860-)


TESTEMUNHAS

Foram testemunhas Samuel Camillo de Andrade, que efetuou a prisão em flagrante; o Dr. Raimundo Pinheiro, que tirou o punhal da mão de José D’ Eglias; e Euclides Bentes, José Rodrigues Souza e Romualdo Batista de Oliveira, testemunhas oculares.

Esse crime, até então pouco conhecido, foi entre membros da comunidade italiana de Manaus um dos mais violentos, envolvendo discussões por causa de um casamento não oficializado. Não encontrei referências do que ocorreu com os italianos José D’ Eglias e Francisco D’ Eglias Calábria, apenas uma nota que informa que seriam interrogados na manhã de 14 de março de 1913 no Palácio da Justiça. O autor da matéria principal chama a atenção para o fato de que esse crime quebrou o ritmo de paz daquele ano, até então sem homicídios violentos, como ocorrera em anos anteriores. 


FONTES:

Jornal do Comércio, 15/02/1913
Jornal do Comércio, 14/03/1913
Correio do Norte: Órgão do Partido Revisionista do Estado do Amazonas, 17/05/1911



CRÉDITO DAS IMAGENS:

Jornal do Comércio, 15/02/1913


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Balneário Maringá

Maruja Ceballos Gomes, candidata do Balneário "Maringá". Jornal do Comércio, 19/11/1960.

Muitos lugares e construções já desapareceram em nossa cidade, sem que ficasse um simples registro de suas existências. O lugar em questão, o Balneário Maringá, é pouco conhecido por causa de suas características: ambiente de luxo, restrito, frequentado apenas por uma reduzida elite industrial e comercial. Isso, no entanto, não o torna menos digno de nota, pois fez parte do cotidiano de uma parte da sociedade manauara. Em poucos parágrafos, o abordo, já destacando que uma melhor abordagem poderia ser feita através da memória oral.

O Balneário Maringá, criado entre o final da década de 1950 e o início da década de 1960, estava localizado no quilômetro 06 da Rodovia AM-010, em frente a entrada da boate Saramandaia. Era propriedade particular do casal de comerciantes Alfredo Raposo e Messody Sabbá Raposo. Esse era um balneário de luxo, frequentado por pessoas da alta sociedade manauara da época, amigos íntimos do casal Raposo e aqueles que por eles eram convidados. No local, uma residência, uma grande piscina, um campo de futebol e muitos pés de goiaba e caju.

O casal Raposo promovia festas grandiosas, geralmente com temas tropicais. Em 1966, realizaram “Uma noite no Havaí” ou “Noite do Sarong”, na qual os convidados deveriam usar o traje sarong (sarongue), saiote unissex utilizado pelos malaios. Foi montada uma passarela onde os convidados desfilariam suas fantasias. Para animar o evento, foi contratada a Banda da Polícia Militar do Amazonas e um bloco carnavalesco, além de uma equipe de cinegrafistas e fotógrafos para registrar o momento. A festa foi comentada por vários dias nas colunas sociais dos jornais da capital. Ao que tudo indica, também realizavam concursos de beleza onde eram escolhidas as representantes do Balneário.

Além das festas temáticas, eram realizados bailes de carnaval, churrascos nos fins de semana e aniversários. Os almoços, tartarugadas, peixes, churrasco à moda gaúcha, eram preparados por cozinheiros locais ou vindos de outros estados e regados com chopes e uísques; contando sempre com a presença de colunistas sociais. O Balneário Maringá encerrou suas atividades na década de 1980, quando foi adquirido pela extinta PORTOBRÁS (Empresa de Portos do Brasil).


FONTES:

Jornal do Comércio, 19/11/1960
Jornal do Comércio, 07/01/1966
Jornal do Comércio, 01/12/1981



CRÉDITO DA IMAGEM:

Jornal do Comércio, 19/11/1960