quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Educandos: O Alto da Bela Vista

Bairro de Educandos. Foto de Silvino Santos. FONTE: Manaus de Antigamente.

O presente texto é uma tentativa de síntese da História do tradicional bairro de Educandos, localizado zona Sul de Manaus, em frente ao Rio Negro, fazendo fronteira com os bairros de Santa Luzia, Colônia Oliveira Machado, Cachoeirinha e Centro.

A origem do tradicional e pitoresco bairro de Educandos, na zona Sul de Manaus, está ligada à criação do Estabelecimento dos Educandos Artífices, instituição criada através da Lei N° 60, de 21 de Agosto de 1856, na administração do Presidente da Província João Pedro Dias Vieira. Nesse local eram ensinados os ofícios de tipografia, sapataria, carpintaria, alfaiataria etc a jovens órfãos e de origem humilde. 

Estabelecimento dos Educandos Artífices, instalado na antiga Olaria Provincial. FONTE: Manaus Sorriso.

De acordo com o Relatório da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, de 1927, as primeiras ruas do local foram abertas em 1901, num total de 7, sob as ordens do Superintendente Dr. Arthur César Moreira de Araújo. Por meio do Decreto N° 67, de 22 de julho de 1907, do Superintendente interino Coronel José da Costa Monteiro Tapajós, a localidade de Educandos é batizada com o nome Constantinópolis (Cidade de Constantino) em homenagem ao Governador Antônio Constantino Nery.

Ainda com base nesse documento e nas informações do historiador Cláudio Amazonas, em 1908 a Intendência Municipal, na gestão de Domingos José de Andrade, através das Leis N° 487, de 29 de fevereiro; 491, de 04 de março; 507, de 29 de maio; e 538, de 09 de dezembro, dá a denominação das primeiras seis ruas que foram abertas no bairro:

"A rua Norte/Sul n°1 passa a chamar-se Boulevard Sá Peixoto, em homenagem ao sr. Senador Antonio Gonçalves de Sá Peixoto que tão relevantes ser ha prestado ao Estado do Amazonas e especialmente à cidade de Manáos; As ruas Norte Sul n° 2 e 3 passam a chamar-se monsenhor Amâncio de Miranda e Innocêncio de Araújo; As ruas Leste/Oeste n° 1 e 2 passam a chamar-se Delcídio Amaral e Manuel Urbano; A que poderia ser a Norte/Sul n° 3, seria chamada pelo povo de Boulevard Rio Negro, pois se constitui a faixa marginal o bairro frente ao rio Negro. Quanto à praça, seria batizada de Dr. Tavares Bastos, advogado e político alagoano, morto no dia 3 de dezembro de 1875 em Nice, na França, que, dentre outros feitos importantes de sua vida, inclui-se a luta pela abertura dos portos do Amazonas ao comércio mundial e pela libertação dos escravos".

Após essas significativas transformações, o bairro precisa integrar-se ao restante da cidade, comunicando-se com os principais estabelecimentos comerciais e repartições públicas localizadas no Centro da cidade. Até então o contato era feito através das catraias, com seus portos localizados nas ruas Delcídio Amaral e Manoel Urbano. O primeiro porto levava em direção à rua Lima Bacury; o segundo, à rua dos Andradas.

A integração veio através das pontes. Ao todo, foram construídas três em diferentes períodos. A primeira começou a ser construída em 1927 no governo de Ephigênio Ferreira Salles, sendo entregue à população em 1929. Ela ligava o bairro de Educandos ao da Cachoeirinha e, através deste, ao Centro. Três décadas mais tarde, em 01° de maio d 1959, o Governador Gilberto Mestrinho inaugurava a Ponte Juscelino Kubitschek, que esteve em Manaus para a inauguração. Ela também ligada o Educandos à Cachoeirinha, tendo sido erguida dado o aumento do tráfego naquela região. Em 1972 começou a ser construída a terceira ponte, nomeada Pe. Antônio Plácido de Souza. Ela liga o bairro através da rua Delcídio Amaral ao Centro pela rua Quintino Bocaiuva. Ela foi concluída em inaugurada em 18 de outubro de 1975 na administração do Prefeito Jorge Teixeira.

Avenida Leopoldo Péres. FONTE: Acervo do Coronel Roberto Mendonça.

Entre 1928 e 1929 foi aberta a Estrada de Constantinópolis, hoje Avenida Leopoldo Péres. Foi aberta pelos membros da Sociedade Sportiva e Beneficente de Constantinópolis, para facilitar o acesso dos moradores ao bairro da Cachoeirinha pela ponte Ephigênio Salles.


ALGUNS LUGARES HISTÓRICOS, EXISTENTES OU JÁ DESAPARECIDOS

Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. FONTE: Acervo da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: Durante as obras da Estrada de Constantinópolis, foi construída em 1928 uma capela de madeira dedicada à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Pe. Antônio Plácido de Souza assumiu o Curato Provisório de Constantinópolis, que se tornou Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em 15 de dezembro de 1941. A atual igreja, de alvenaria, começou a ser construída em 1946, sendo concluída anos mais tarde. Está localizada na rua Inocêncio de Araújo.

Vila Cavalcante. FOTO: Fábio Augusto, 2014.

Vila Cavalcante: Uma das primeiras construções em alvenaria do bairro, a Vila Cavalcante foi construída em 1912. O nome é de uma família de seringalistas do Juruá. Foi adquirida por Manuel Figueiredo de Barros, regatão, que a vendeu em 1935 para o comerciante Joaquim Ferreira Silva. Antes, em 1924, funcionou em suas dependências o Grupo Escolar Machado de Assis e, na década de 1930, o escritório dos Correios. Atualmente o prédio pertence à Fundação Santa Catarina, organização religiosa da Igreja Católica. Está localizada no Boulevard Sá Peixoto.

Antiga Usina Labor. FONTE: Manaus de Antigamente.

Usina Labor: Em 1938 o empresário Isaac Sabbá adquiriu um grande terreno na Estrada de Constantinópolis, construindo nele a Usina Labor, destinada ao beneficiamento de sorva e borracha. A mão de obra empregada nessa indústria vinha do próprio bairro. Na década de 1970 foi transformada na Fitejuta, empresa de tecelagem de juta. Até 2014 funcionou como um dos supermercados DB, mais tarde utilizado pelo Atacadão, não restando qualquer resquício da antiga usina.

Escola Estadual Machado de Assis. FONTE: SEDUC - AM/Instituto Durango Duarte.

Grupo Escolar Machado de Assis: O antigo Grupo Escolar Machado de Assis, hoje Escola Estadual Machado de Assis, foi criado em 1924.  Em 1925 ele passou a ocupar o prédio da antiga Olaria Provincial e Estabelecimento de Educandos Artífices. Sofreu uma grande reforma em 1957, ganhando um novo pavimento.


BIBLIOGRAFIA:

AMAZONAS, Cláudio. Memórias do Alto da Bela Vista: Roteiro Sentimental de Educandos. Manaus: Norma Propaganda e Marketing, 1996.

_______________. Constantinópolis: Origens e Tradições. Manaus: Edições Muiraquitã, 2008.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A fotografia no Amazonas entre os séculos XIX e XX

Anúncio de "retratos em Photographia". FONTE: Amazonas, 17/10/1866.

A fotografia surgiu no século XIX, na França. Experimentos vinham sendo realizados desde fins do século XVIII. Em 1822, conforme estudo do historiador da arte espanhol Xavier Barral I Altet, o inventor francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) conseguiu imprimir uma imagem utilizando uma câmara escura e um processo fotoquímico, de aproximadamente 8 horas, conhecido como heliogravura (BARRAL I ALTET, 1990, p. 89).

Essa ainda não era a fotografia propriamente dita. Esta surgiria pelas mãos de outro francês, Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851), parceiro de trabalho Niépce, herdando seus inventos heliográficos após sua morte em 1833. Daguerre, em 1839, apresenta ao público o Daguerreótipo,  uma câmara escura em que eram fixadas imagens em uma folha de prata sobre uma placa de cobre, precursor das máquinas fotográficas.

No Brasil, o francês Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879) vinha fazendo experimentos de gravação através da luz, conseguindo, através de uma câmara escura, fixar uma imagem em papel utilizando o nitrato de prata, tendo, apesar do pioneirismo, um reconhecimento tardio. O daguerreótipo chegou ao Brasil em 1840, nos informa a pesquisadora Graça Proença (PROENÇA, 2005, p. 226), através abade francês Louis Compte, capelão de um navio escola francês, de passagem pelo Rio de Janeiro. Compte fez alguns registros e apresentou o invento a Dom Pedro II, que pouco tempo depois adquiriu seu próprio aparelho.

O processo fotográfico foi aperfeiçoado e barateado nos anos seguintes. O cientista inglês William Henry Fox-Talbot (1800-1877) criou as fotografias em negativo/positivo, criando o calótipo (ou talbótipo), que permitia obter várias cópias através de um único negativo (BARRAL I ALTET, 1990, p. 89). 

O invento foi registrado em 1841. A fotografia revolucionou a prática de registrar diferentes aspectos do cotidiano, públicos ou particulares, anteriormente feitos através de desenhos e pinturas, anunciando um novo período nas artes.

Ela chegou ao Amazonas, na época uma distante Província brasileira, na segunda metade do século XIX, período de expansão do capitalismo industrial e de fluxo intenso de trocas comercias. É o que se concluiu através de anúncios de serviços fotográficos compulsados em periódicos locais. Entre as décadas de 1860 e 1890 é possível encontrar, nas páginas desses jornais, brasileiros e estrangeiros oferecendo seus serviços fotográficos.

Por volta de 1864, Eduardo José de Souza, estabelecido na rua Formosa (atual Theodoreto Souto), em Manaus, fazia fotografias pelos sistemas de ambrótipo e cromótipo e, mediante ajuste especial (um adicional no pagamento), ia em casas particulares e também fotografava pessoas falecidas. Além da fotografia, fazia retratos a óleo e consertava "caixas de muzica e realejos com todo o esmero e promptidão" (O Catequista, 30/01/1864). Em 1867 anunciava-se que na casa do Major Tapajoz, na Praça Tamandaré, tiravam-se fotografias pelos sistemas mais modernos, de casas particulares e de pessoas falecidas. Da mesma forma que no estabelecimento de Eduardo José de Souza, também eram consertadas "caixas de musica, e realêjos, com todo o esmero e promptidão possível", e "galvaniza-se a ouro por menos preço que em outra qualquer parte". A dúzia dos retratos custava 10 mil réis (Amazonas, 30/01/1867).

Nos anos finais do período provincial, marcado pelo crescimento das atividades ligadas à extração do látex, os serviços ofertados na capital tornaram-se mais refinados para atender um público consumidor cada vez mais interessado nas comodidades e praticidades do mundo moderno. Francisco Candido Lyra, em 1888, oferecia seus serviços fotográficos, das 8 da manhã às 16 da tarde, em seu ateliê estabelecido na rua Marcílio Dias, além de realizar viagens periódicas para o interior do Estado, onde tinha clientes:

"Tirao-se retratos de todos os tamanhos, em grupos, a oleonicraion, assim como se executa qualquer trabalho fora da officina, como sejão: vistas de chalets, retratos de pessoas mortas, e todo e qualquer trabalho pertencente à arte photographica, tudo com e, maior perfeição, asseio e modicidade de preços". (Jornal do Amazonas, 22/07/1888). Em 1895, o mesmo Candido Lyra anunciava ter renovado seu ateliê, oferecendo, além do já citado serviço de fotografar pessoas mortas, o de fotografar "anjinhos", crianças mortas (Amazonas Commercial, 10/03/1895).

Bastante organizado era o Ateliê Artístico Photographico do italiano Arturo Luciani, na rua Henrique Martins. Luciani fazia "[...] vistas de edifícios, retratos de mortos ou qualquer outro genero de trabalho. Também fazia reprodução de "[...] desenhos, plantas autographicas ou industrial", tendo especialidade em "retratos de tamanho natural, ao crayon, ao photo-crayon e a oleo". Seu ateliê funcionava das 8 da manhã às 16 horas, recomendando-se roupas escuras para ser fotografado e que "a luz da manhã é preferivel a da tarde" (Diário Oficial, AM, 17/01/1896). Sua tabela de preços era a seguinte:

FONTE: Diário Oficial, AM, 17/01/1896.

No final do século XIX e início do século XX os fotógrafo mai afamado do Amazonas era o alemão George Huebner (1862-1935), proprietário, ao lado de Libânio do Amaral, Professor de Belas-Artes , da Photographia Allemã, de Huebner & Amaral, que passou por diferentes endereços antes de se estabelecer na Avenida Eduardo Ribeiro. A Photographia Allemã tinha filiais em Belém do Pará e no Rio de Janeiro.

Huebner & Amaral ofereciam seus serviços fotográficos a particulares, escolas, associações culturais e, principalmente, ao Estado do Amazonas, produzindo famosos almanaques e álbuns de divulgação das transformações (novas obras, melhorias, reformas) que ocorriam na capital, como o Álbum Vistas de Manáos, publicado em 1897 no Governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro.

Anúncio da Photographia Allemã. FONTE: Almanak Henault (1910).

A introdução das fotografias nos jornais foi uma novidade. O Jornal do Comércio as utilizou largamente, aparecendo com maior frequência a partir de 1912. Elas passaram a estampar as páginas principais dos periódicos, dando destaque às matérias e tornando-se símbolo das transformações técnicas e econômicas que chegavam ao Amazonas.

Os cartões postais de Manaus surgem no início do século XX. Eles foram divulgados em diferentes cidades do mundo, servindo de atrativo para visitantes e empresários com interesse em investir na capital. Deve-se destacar que as fotos dos cartões postais eram produções cenográficas, pois registravam apenas a parte "embelezada" da cidade.

Entre as décadas de 1910 e 1920 as revistas de colunismo social faziam sucesso, sendo os títulos mais famosos a Cá & Lá e Redempção. O fotógrafo mais conhecido desse meio era Gil Ruiz, que fazia registros de membros da alta sociedade, de festas de aniversário, casamentos e de cenas do cotidiano, também colaborando com alguns álbuns. 

Outro fotógrafo de destaque foi o português Silvino Santos (1886-1970), que além de fotógrafo era também cineasta, trabalhando por muitos anos para a família do Comendador Joaquim Gonçalves Araújo, produzindo documentários de renome mundial.

Um dos fotógrafos mais longevos do Estado foi Corrêa Lima (1931-2017), que começou a fotografar em 1949. Seus registros eram marcados pela qualidade e grandiosidade, captando diversos elementos para compor um cenário ainda maior. Passou pelo Diário da Tarde, O Jornal, A Gazeta e Laboratório Mesbla no Rio de Janeiro. Foi fotógrafo oficial dos Governadores Danilo Duarte de Mattos Areosa, José Lindoso e João Walter de Andrade, se aposentando como fotógrafo do extinto Departamento de Estradas e Rodagens do Amazonas (Der-AM).

Corrêa Lima e alguns de seus registros de períodos diversos. FONTE: Acervo do Instituto Durango Duarte.

A fotografia foi um dos grandes marcos tecnológicos do século XIX, tornando-se sensação ao redor do mundo. Surgia como uma técnica, uma arte. Até hoje desperta certo encanto, não tanto quanto no século passado, mas ainda sim é motivo dele. O homem finalmente encontrara uma forma mais rápida de se registrar e registrar o cotidiano. 


FONTES:


Amazonas, 17/10/1866.

O Catequista, 30/01/1864.

Amazonas, 30/01/1867.

Jornal do Amazonas, 22/07/1888.

Amazonas Commercial, 10/03/1895.

Diário Oficial, AM, 17/01/1896.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BARRAL I ALTET, Xavier. História da Arte. Tradução de Paulo F. Anderson Dias. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990.

PROENÇA, Graça. História da Arte. 16° Ed. São Paulo: Ática, 2005.

Aos historiadores...

A Musa Clio escrevendo a História. Desenho de Franz Ignaz Günther (1763).

Dos arquivos, a caminhar por vias tortuosas de documentos quase consumidos pelo tempo, fontes de trabalho e sustento, curiosidade e lamento.

Das hemerotecas digitais, pesquisadores da modernidade, dos resquícios a um clique de distância e comodidade.

Que pacientemente ouvem histórias e estórias de outras épocas, as documentando e catalogando.

Conservadores e marxistas, positivistas e culturalistas.

Que incomodam, tentando combater o poder; e aos que o servem sem se deter.

Amantes de períodos diversos, dos impérios, das civilizações e das revoluções.

Que escrevem História Geral; e aos que se dedicam à local.

De formação, especialistas, mestres e doutores; e aos autodidatas, os célebres entusiastas e curiosos, não por isso menos laboriosos.

Que vão para as salas de aula, honrada batalha, na academia ou na periferia.

Homens e mulheres que, dia a dia, buscam compreender, por diferentes intentos, nossas ações e transformações ao longo do tempo.

Um feliz dia do profissional de História.

- Fábio Augusto, 19/08/19.


IMAGEM:
A Musa Clio escrevendo a História. Desenho de Franz Ignaz Günther (1763).

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Vasco José de Faria, o Vovô Vasco (1892-1969)

Vasco José de Faria, o Vovô Vasco (1892-1969). FONTE: O Jornal, 16/08/1969.

Existem personagens da História de Manaus que marcaram várias gerações. Um deles foi o Vovô Vasco, cujo nome verdadeiro era Vasco José de Faria (1892-1969), português do Porto que chegou ao Amazonas aos 13 anos. Vasco Faria foi por longas décadas gerente do Cine Guarany e sócio da empresa cinematográfica A. Bernardino & Cia. Ltda (quando entrou na empresa ela se chamava Empresa Cinema Avenida Ltda., mudando de nome apenas em 1942). Antes disso trabalhou no Teatro Amazonas e na empresa Fontenelle & Cia (Cine Polytheama). Neste 15 de agosto de 2019 seu falecimento completou 50 anos.

Vasco Faria deixou sua marca como gerente do Cine Guarany entre as décadas de 1930 e 1960. Ele começou suas atividades no cinema em 1938 como Auxiliar Interessado, uma espécie de sócio minoritário (A Tarde, 19/02/1939). Todos os anos, a festa de aniversário do cinema ficava por sua conta. Assim foi descrito pelo Jornal do Comércio o aniversário por ele organizado em 1955:

"Em comemoração à festiva data, foi organizado um caprichado programa, constante de 7 sessões cinematográficas, no decorrer dos quais serão sorteados valiosos brindes ofertados pelo comércio local. A matinal, encanto da petizada e da gente grande também, foi organizada com carinho pelo conhecido e estimado "vovô" Vasco. Será exibido na ocasião o filme Branca de Neve e os Sete anões, a maravilha colorida de Walt Disney, que transportou para a téla tôda a meiguice e encanto daquela aplaudida história infantil. Antes serão distribuidos revistas, kibons, petecas, balões, e haverá ainda sorteio de uma bola de futebol, 1 caminhão de carga de 8 rodas, 3 garrafas de Martini e outros artigos. As demais sessões serão também magnificas, havendo o sorteio de carissimos brindes" (Jornal do Comércio, 05/08/1955).

Um interessante registro fotográfico da década de 1950 mostra Belmiro Vianês, radialista da Rádio Baré, Adriano Bernardino Filho e o Vovô Vasco em dia de festa no Cine Guarany. Na ocasião eles estavam entregando uma batedeira como prêmio a um frequentador após o famoso sorteio comemorativo.

Entrega de prêmio no dia do aniversário do Cine Guarany, com o Vovô Vasco à direita. Década de 1950. FONTE: Acervo de Ed Lincon.

Vasco Faria fazia a alegria das crianças e adolescentes. Muitas vezes, quando estes não tinham todo o dinheiro do ingresso ou mesmo nenhum para as matinês, as deixava entrar de graça nas sessões. Além disso, distribuía a eles balões, doces e bombons. O poeta amazonense Farias de Carvalho escreveu um soneto em sua homenagem, soneto esse presente no livro Pássaro de Cinza (1957):

"O VASCO DO GUARANY

Seu Vasco, eu tenho só quinhentos Réis,
deixa eu entrar? eu vou pra galeria
Êle enculava as mãos, caiam os niqueis,
e a meninada aos empurrões subia

Quanto garôto lhe ficou devendo
o sabor, - deliciosas emoções
dos primeiros encontro com os cow-boys
tiroteando em cavalos e em vagões!

A vida, Vasco, é como o teu cinema:
uns tem bilhete inteiro, outros tem meio
a maior parte, fora, sem bilhete;

e o mais duro o mais triste é que entre os donos das platéias imensas deste mundo
existem poucos, muito poucos Vascos!". (Jornal do Comércio, 16/08/1969).

No dia 29 de janeiro de 1968, foi homenageado no salão de honra do Palácio Rio Negro, pelos 50 anos de atividades ligadas ao cinema no Estado. O Governador Danilo Duarte de Mattos Areosa lhe entregou o troféu 'Alcazar' e um diploma de Honra ao Mérito. O Prefeito Paulo Pinto Nery, na ocasião, leu uma mensagem que seria encaminhada à Câmara Municipal, conferindo a Vasco José Faria o título de Cidadão de Manaus. A homenagem, organizada pelo Departamento de Cultura da SEC, pelo Grupo de Estudos Cinematográficos e pelo DEPRO, contou com a participação do poeta Elson Farias e de Joaquim Marinho, diretor geral do DEPRO (Jornal do Comércio, 30/01/1968).

Vasco José Faria faleceu em Manaus no dia 15 de agosto de 1969 aos 77 anos. Sua morte foi bastante sentida pela sociedade, sendo divulgada nos principais jornais da capital. O jornal A Notícia publicou o seguinte sobre o ano que antecedeu sua morte: 

"Seo Vasco, ano passado, foi aposentado. Em nenhum momento, entretanto, deixou que outro - enquanto vivo fôsse - assumisse ou tomasse o lugar no Guarany. Viveu os melhores e mais intensos momentos do cinema mais popular e amado do Amazonas. Talvez sua presença tenha inspirado isso". (A Notícia, 16/08/1969).

Vasco José de Faria, o Vovô Vasco, partiu deixando um grande legado no ramo dos cinemas. Agradeço encarecidamente ao pesquisador Ed Lincon Barros pela cessão de valiosos jornais sobre a trajetória de Vasco José de Faria, sem os quais não seria possível realizar esse texto.

FONTES:

A Tarde, 19/02/1939, Edição Comemorativa (cedido por Ed Lincon).

Jornal do Comércio, 05/08/1955.

Jornal do Comércio, 30/01/1968.

Jornal do Comércio, 16/08/1969 (cedido por Ed Lincon)

O Jornal, 16/08/1969 (cedido por Ed Lincon Barros).

A Notícia, 16/08/1969 (cedido por Ed Lincon Barros).

De súditos a inimigos: Perseguição a alemães, italianos e japoneses no Amazonas durante a 2° Guerra (1942-1945)

Alemães, italianos e japoneses, em diferentes cidades do Brasil, foram expulsos de organizações durante a Segunda Guerra. FONTE: Diário da Noite, RJ, 30/03/1942.

O ano de 1942 foi marcante na História do Brasil. Em 28 de janeiro de 1942, treze dias após conferência dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, com o objetivo de obter o alinhamento dos países Sul-Americanos no conflito, o país rompeu suas relações diplomáticas e comerciais com as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Como represália, navios brasileiros da Marinha Mercante passaram a ser atacados e afundados por navios e submarinos alemães e italianos. Em 22 de agosto de 1942 é declarada por Getúlio Vargas guerra ao Eixo.

A reação popular foi instantânea às ofensivas militares contra o Brasil, assim como as políticas internas contra os imigrantes alemães, italianos e japoneses, que passaram a ser vistos como potenciais inimigos da nação. No presente texto será abordada a perseguição a esses súditos do Eixo no Amazonas durante a Segunda Guerra, mais especificamente entre os anos de 1942 e 1945.

Alemães e italianos viviam no Amazonas desde a segunda metade do século XIX. Os japoneses chegaram no início do século XX. Ambos exerciam diferentes atividades, fosse em colônias agrícolas no interior ou em estabelecimentos comerciais e repartições públicas na capital. A relação do Estado e da população local com estes sofreu mudanças drásticas a partir das investidas do Eixo contra o Brasil e a entrada do país no conflito.

No dia 07 de fevereiro de 1942 o Chefe de Polícia do Estado baixou uma portaria policial sobre o trânsito de alemães, italianos e japoneses no Estado. Essa portaria estabeleceu guias de trânsito para os súditos do Eixo. 

As guias seriam expedidas pela chefia de polícia em Manaus e pelos delegados gerais de polícia dos municípios do interior. Os estrangeiros que quisessem viajar para o interior ou para fora do Estado deveriam encaminhar um requerimento para a chefia de polícia, com nome, nacionalidade, idade, estado civil, profissão, embarcação em que viajariam, destino e endereço no local, número da carteira de registro de estrangeiro e o nome do órgão que a expediu. 

Os delegados gerais do interior só poderiam expedir guias de trânsito a quem desejasse viajar para outros municípios ou para a capital. Em hipótese alguma deveriam expedir guias para viagens para fora do Estado, sendo essa uma atribuição da Chefia de Polícia. Os alemães, italianos e japoneses que moravam no interior e queriam viajar para fora do Estado deveriam enviar um requerimento para a Chefia de Polícia através dos Delegados Gerais dos municípios. Todos os meses a partir da publicação da portaria os Delegados Gerais ficariam obrigados a enviar à Chefia de Polícia na capital uma lista com todos os dados dos estrangeiros aos quais foram expedidas guias de trânsito (Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942).

Antonio Cavalcante de Oliveira Lima, Chefe de Polícia do Estado do Amazonas, por ordem do Interventor Federal Álvaro Botelho Maia, determinou que todos os cidadãos alemães, italianos e japoneses residentes em Manaus comparecessem à Seção do Serviço de Registro de Estrangeiros para realizarem a declaração de residência (Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942).

Em 17 de março de 1942, mês em que foram atacados por submarinos alemães os navios Arabutã e Cairu, nos Estados Unidos, estudantes e operários de Manaus organizaram um comício em protesto aos países do Eixo e em solidariedade ao Governo Brasileiro (Diário da Noite, RJ, 17/03/1942). O clube de futebol Olímpico Clube realizou no dia 29 de março um festival em disputa pela taça Osvaldo Aranha, em referência a Osvaldo Euclides de Sousa Aranha, Ministro das Relações Exteriores. Na ocasião, a diretoria expulsou de seu quadro de associados todos os estrangeiros dos países que formavam o Eixo (Diário da Noite, RJ, 30/03/1942).

No dia 22 de julho do mesmo ano o Professor Carlos Mesquita, do Colégio Amazonense Dom Pedro II, organizou um comício com os estudantes contra o Eixo. Além dos discentes e professores, esse comício contou com grande número de populares, estando presentes o Interventor Federal Álvaro Botelho Maia, o Presidente do Departamento Administrativo e o Prefeito Adhemar de Andrade Thury (Diário de Notícias, RJ, 22/07/1942). Uma Liga Contra o Eixo chegou a ser criada.

Os momentos de maior tensão ocorreram em janeiro de 1943, quando foi aberto um inquérito investigativo contra o coletor José Vieira de Andrade, suspeito de simpatizar com os países do Eixo; e um de maior repercussão, ganhando as páginas dos jornais do Rio de Janeiro, sobre a possível sabotagem de japoneses em Parintins e Vila Amazônia. Este último, pelo teor das denúncias, foi mais grave, pois nada foi comprovado contra José Vieira de Andrade.

Conforme informações obtidas por jornais cariocas (Diário da Noite, 25/02/1943; O Radical, 28/02/1943), José Aniceto Costa, membro da diretoria da Companhia Industrial do Amazonas, denunciou através do jornal amazonense O Jornal a sabotagem que japoneses estariam cometendo nos núcleos agrícolas de Parintins e Vila Amazônia, comprometendo a produção local. O caso rapidamente se espalhou, gerando temor no Estado e em outras regiões. O jornal O Radical, do Rio de Janeiro, afirmava, comentando o caso de Parintins, que "Os japoneses que vivem no Brasil são nossos inimigos e como tal devem ser encarados".

O Interventor Álvaro Botelho Maia, a par da situação, determinou que o Delegado de Ordem Política e Social, Sebastião Norões, abrisse um inquérito. Álvaro Maia enviou o seguinte telegrama para o representante do Amazonas na capital Federal:

"A interventoria determinou a abertura de um novo inquérito na vila da Amazônia. Foi ouvido o denunciante José Aniceto Costa, diretor comercial da antiga Companhia Japonesa estabelecida naquele porto. As autoridades do município de Parintins são oficiais da Força Pública: prefeito, delegado especial militar, comandante do destacamento e sub-delegado. Logo que termine depoimento em Manaus, o delegado da Ordem Social irá a Parintins". (Gazeta de Notícias, RJ, 26/02/1943).

Sebastião Norões foi a Parintins, tendo regressado no dia 13 de abril. Em Manaus, Norões ficou no aguardo do Capitão do Exército designado pelo Comando da 8° Região Militar para apurar a denúncia. José Aniceto Costa foi levado preso de Parintins a Manaus, pois as autoridades nada encontraram sobre a possível sabotagem nipônica naquela região. As denúncias, aparentemente, eram mesmo infundadas, fruto do estado psicológico de beligerância e do medo constante do inimigo, pois na Exposição Ao Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal, de Maio de 1942 a maio de 1943, o Interventor relatou o seguinte:

"O próprio caso de Parintins, que chegou a impressionar a opinião pública nas primeiras versões sempre exageradas, não teve consequências que perturbassem o ritmo da ordem naquele município, apurando afinal as investigações in-loco que os japoneses, ali organizados numa sociedade agro-pastoril, não exerciam atividades nocivas ao regime atual". (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 61).

Mesmo que o caso de Parintins tenha sido infundado, o Governo do Estado do Amazonas criou duas Delegacias Especiais de Polícia Militar, "[...] uma com atuação no Baixo-Amazonas, extendendo-se a sete dos seus municípios onde se domiciliam naturais dos países do Eixo, e outra em Bôa-Vista do Rio Branco, região fronteiriça que, por essa circunstância, impunha a providência governativa, dada a concorrência de estrangeiros atraídos para ali pela mineração de ouro e diamantes" (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 62).

Foram nomeados para Parintins, onde viviam os colonos japoneses, e Boa Vista do Rio Branco, região com campos de criação e áreas de garimpagem, Prefeitos militares.  Para melhor vigiar e isolar os estrangeiros eixistas, foi criado um campo de concentração em Manacapuru, na antiga Fazenda Nova Hamburgo, propriedade do alemão Kurt Kremer ocupada pelo Estado e rebatizada com o nome Fazenda Baependi, em homenagem ao navio Baependi, afundado em 15 de agosto de 1942 por um submarino alemão. Álvaro Maia informou que ele

"Tornou-se desnecessário, até agora, porque na Penitenciária ha apenas três alemães. Quanto aos agricultores japoneses, espalhados por Parintins e outros Municípios do Baixo Amazonas, estão sob vigilância policial. Os italianos, antigos residentes no Amazonas, não oferecem o menor perigo" (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 98-99).

A afirmação de que os italianos não ofereciam perigo é interessante. Comparados aos alemães e japoneses, eles pouco sofreram com as perseguições. Aliás, desde a década de 1920 funcionou em Manaus uma célula do Partido Nacional Fascista, sem maiores problemas com as autoridades locais. Eles publicavam seus convites para reuniões e eventos nos jornais, como o que foi traduzido e reproduzido abaixo:

"Para comemorar o oitavo aniversário da Batalha de Vittorio Veneto e o aniversário de S. M Vittorio Emanuele III, este Fascio irá realizar uma sessão cívica, seguida de um modesto baile. Todos os membros e suas famílias, assim como os italianos em geral, são convidados para o evento; é necessário que os membros providenciem o recebimento do último outubro na entrada, enquanto que, para os não-membros, é necessário mostrar o respectivo convite, que será enviado por solicitação, pela comissão organizadora, todas as noites, para a sede da a empresa acima mencionada, das 9h às 11h. 

Manáos, 10 de novembro de 1926
O diretório" (Jornal do Comércio, 11/11/1926).

Em 15 de julho de 1943, Sebastião Norões, Delegado de Ordem Política e Social, baixou uma portaria determinando que alemães, italianos e japoneses residentes em Manaus, no prazo de 15 dias, registrassem na chefia de polícia todos os seus aparelhos fotográficos (A Manhã, RJ, 16/07/1943). Temia-se a espionagem através de máquinas fotográficas, pois na Argentina já havia sido presos japoneses com registros de plantas de cidades daquele país.

Jefferson Péres, em seu livro de memórias Evocação de Manaus, recupera alguns momentos violentos da perseguição aos alemães em Manaus durante a Segunda Guerra. A tradicional Photographia Alemã, localizada na Avenida Eduardo Ribeiro, fundada pelo alemão George Huebner, dadas as animosidades e perseguições, mudou de nome em 1944, passando a chamar-se Foto Artística. O Consulado Alemão, na Avenida Joaquim Nabuco, foi depredado pela população em 1943.

Crianças e jovens malhando um boneco de Judas simbolizando Adolf Hitler. Manaus, 1943. Foto de Thomas D. Mcavoy. FONTE: Time-Life Photos.

Em 1943 o fotógrafo norte-americano Thomas D. Mcavoy, da Revista Time-Life, em viagem a Manaus, registrou na rua Costa Azevedo, no Centro, um grupo de crianças malhando um boneco de Judas com o nome 'Xitler', uma possível paródia com o nome do ditador Adolf Hitler.

Foram levados para o campo de concentração da Vila de Tomé-Açu, na ilha do Aracá, no Pará, imigrantes de Belém, Parintins e Manaus. Funcionando entre 1943 e 1945, recebeu cerca de "480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas poucas italianas" (GRANDELLE, 2014).

Em trabalho sobre a perseguição a estrangeiros em Juiz de Fora, MG, durante a Segunda Guerra, o historiador Luiz Antonio Belletti Rodrigues afirma que o clima de guerra e a perseguição a inimigos internos serviu de mecanismo de fortalecimento da política getulista, através da propaganda política de exaltação dos valores patrióticos. Conforme Luiz Antonio, 

"O inimigo externo serviu de pretexto para que a nação se unificasse em torno de seu líder, Getúlio Vargas, e qualquer manifestação em contrário seria considerada uma sabotagem. O inimigo interno era qualquer um que não concordasse com o governo" (RODRIGUES, 2016, p. 01).

Esse é um capítulo pouco conhecido da História do Amazonas. Não se teve a pretensão de esgotar o tema nesse texto. São necessárias pesquisas mais profundas: Levantar  o número de estrangeiros presos no período, conhecer suas trajetórias, o funcionamento do campo de concentração da Fazenda Baependi e outros aspectos. Em suma, é um capítulo da história a ser escrito.


FONTES:

Jornal do Comércio, AM, 11/11/1926.

Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942.

Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942.

Diário da Noite, RJ, 17/03/1942.

Diário da Noite, RJ, 30/03/1942.

Diário de Notícias, RJ, 22/07/1942.

Diário da Noite, RJ, 25/02/1943.

O Radical, RJ, 28/02/1943.

Gazeta de Notícias, RJ, 26/02/1943.

A Manhã, RJ, 16/07/1943.

AMAZONAS. Exposição Ao Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal, de Maio de 1942 a maio de 1943.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GRANDELLE, Renato. Pará teve campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial. O Globo, 08/02/2014.

PÉRES J. Jefferson Carpinteiro. Evocação de Manaus: Como eu a vi ou Sonhei. Manaus: Valer, 2002.

RODRIGUES, Luiz Atonio Belletti. Perseguições a estrangeiros durante II Guerra Mundial:  O assalto ao Banco Hypotecário de Juiz de Fora, MGXX Encontro Regional de História - História em Tempos de Crise - Anpuh MG, 2016, Uberaba. Anais do XX Encontro Regional de História, 2016.

sábado, 10 de agosto de 2019

A tartaruga na economia amazonense (séculos XVIII e XIX)

Pesca das tartarugas. FONTE: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá/Biblioteca Digital Luso-Brasileira.

A tartaruga, no passado remoto do Amazonas, foi um dos principais produtos da economia local. Antes que a borracha suplantasse, ainda nos tempos da Província, outras atividades, a tartaruga e seus derivados figuravam entre os principais produtos de exportação. O sabor inigualável de sua carne, dos ovos e os usos de sua gordura a tornavam um produto bastante visado. 

Em viagem de correição das povoações da Capitania de São José do Rio Negro entre 1774 e 1775, o Ouvidor e Intendente Geral Francisco Xavier Ribeiro Sampaio, em seu diário, registrou os usos da tartaruga pelas populações, da captura aos preparos:

"No tempo, em que as tartarugas estão nas praias, he que se faz o maior provimento, porque se lança mão dellas, e se virão com as costas para a terra, ficando assim impossibilitadas a moverem-se, e se carregão para as embarcações.

Os ovos não só servem para se comerem, mas tambem delles se fabrica o azeite, ou manteiga, que constitue hum importante ramo do commercio entre as capitanias do Pará, e Rio Negro. Este azeite se purifica ao fogo. Das banhas da tartaruga se extrahe tambem outra manteiga, que he na verdade excellente. Em fim a tartaruga he sadia, nutritiva, e de facil digestão. Os indios a preferem a todo o outro genero de comida, e os nossos europeos, costumados a ella, lhe dão a mesma preferencia". (SAMPAIO, 1825, p. 86).


No final do século XVIII, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815) notou que, na Capitania de São José do Rio Negro, assim como em toda a região amazônica, a tartaruga era vital para os indígenas e os habitantes brancos. Sua carne substituía a rarefeita presença de gado (FERREIRA, 2005, p. 237). O governo da Capitania mantinha canoas utilizadas na condução de tartarugas dos pesqueiros, que além da população civil, também abasteciam as tropas de guarnição.

Apesar de fazer parte da economia da Capitania, a captura de tartarugas era feita de forma bastante irregular, pois muitas delas morriam ou se perdiam no processo, conforme registrado por Ferreira:

"[...] 2.896 que entraram no ano passado para o curral da capitania, morreram 1.600, que se não aproveitaram. No de 1784 entraram 2.710 e morreram 1.217. No de 1783 entraram 2.892 e morrerem 833. E por este modo vem cada tartaruga a importar em um preço que por nenhum título se acomoda com a razão e com a economia". (FERREIRA, 2005, p. 245).

Alexandre Rodrigues Ferreira produziu um interessante registro iconográfico sobre o recolhimento dos ovos de tartaruga e o preparo e engarrafamento da manteiga.

Recolhimento dos ovos de tartaruga e preparo da manteiga. FONTE: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Acervo de Antonio José Souto Loureiro.

A economia gerada em torno da tartaruga era altamente predatória, como registrou Alexandre Rodrigues Ferreira. Estima-se que para produzir um galão com o óleo eram necessários 2000 ovos. Em uma época de bom recolhimento os indígenas chegavam a produzir 2000 potes do produto (totalizando 4 milhões de ovos), comercializados nas capitanias de São José do Rio Negro e Grão Pará.

Mais de um século depois, por volta de 1849 o viajante e naturalista britânico Alfred Russel Wallace, em viagem pelos rios Amazonas e Rio Negro, experimentou diferentes pratos feitos com tartaruga, de omeletes a carne guisada. Wallace notou que a tartaruga era o principal réptil da região:

"Dos seus ovos prepara-se excelente óleo. A maior e mais abundante é a grande tartaruga do Amazonas, ou a jurará dos índios. Atinge ao comprimento de 3 pés e tem o casco oval, um tanto achatado, de cor escura e inteiramente liso. É encontrada abundantemente em todas as águas do Amazonas, e na maior parte dos lugares é o alimento comum dos habitantes". (WALLACE, 2004. p. 563).

Wallace nos informa que as tartarugas, no mês de setembro, logo após a descida dos níveis dos rios, depositavam seus ovos nos bancos de areia que se formavam, fazendo buracos profundos. Os indígenas, conhecedores há séculos dessa periodicidade, ia às praias, recolhendo milhares de ovos. Wallace nos descreve o processo de preparo do óleo, seus usos e consequências:

"Enchem as suas canoas com os ovos que, em seguida, dentro da própria canoa, são quebrados e misturados a um só tempo. O óleo sobrenada, e, em seguida, é escumado e cozido, sendo guardado, depois dessa operação, a fim de ser usado para a iluminação ou culinariamente. Destroem-se assim, anualmente, milhões de ovos. Em conseqüência dessa devastação, estão-se tornando cada vez mais raras as tartarugas grandes do Amazonas". (WALLACE, 2004, p. 563).

Os indígenas capturavam as tartarugas com anzol, rede ou flechadas, sendo o último método o mais utilizado. As estimativas de Wallace da quantidade de ovos empregados na produção de óleo são maiores que as de Alexandre Rodrigues, levando-se em conta, claro, o espaço de tempo que separa os escritos de cada um:

"Nas praias mais extensas, chega-se a produzir dois mil potes de óleo por ano. Cada pote contém 5 galões, e são necessários cerca de 2.500 ovos para cada pote, o que dá a cifra de 5.000.000 de ovos destruídos em uma só localidade". (WALLACE, 2004, p. 563).

A captura desenfreada de tartarugas e o uso desmedido de seus ovos, denunciadas por Alexandre Rodrigues Ferreira no século XVIII, já mostravam seus efeitos na segunda metade do século XIX. Wallace notou que as tartarugas começavam a se tornar cada vez mais raras. Isso refletia no preço que o animal e seus derivados atingiam nas cidades. Em Manaus, por volta de 1859, D. Lourença de Barros França vendia o pote de manteiga de ovos de tartaruga a 9 mil réis (ESTRELLA DO AMAZONAS, 01/01/1859). 

A Província do Amazonas tinha uma arrecadação significativa com a exportação de tartarugas. No ano de 1858 foram cobrados mil réis por cada uma que foi exportada (ESTRELLA DO AMAZONAS, 10/03/1858). Em 27 de dezembro de 1870, o paquete a vapor Belém saiu de Manaus com uma carga de 295 latas e 57 potes de manteiga de tartaruga com destino ao Pará (COMÉRCIO DO AMAZONAS, 31/12/1870).

O óleo de tartaruga era empregado na iluminação das vilas e cidades. O historiador Otoni Moreira Mesquita afirma que o viajante e naturalista alemão Johann Baptist von Spix, em 1819, "notou que o óleo de tartaruga de "pior qualidade" era empregado em lâmpadas, como azeite de iluminação" (SPIX apud MESQUITA, 2006, p. 106). A iluminação não era das melhores, pois eram frequentes as queixas de administradores e da população, que a partir das 18 horas encontravam-se em uma quase completa escuridão, não fossem alguns poucos focos de iluminação com óleo de tartaruga ou de peixe-boi. Objetos também eram confeccionados com seus ossos e casco. Em 1864 o Centro Comercial Amazonense, do 'Teixeira Barateiro', anunciava que tinha para vender "[...] pentes de tartaruga para senhoras, um rico sortimento de obras de tartaruga malhetadas a ouro: como seja grampos para cabellos, pentes, alfinetes para peito, fivellas para cinto, botões para punhos & tudo obras de gostos admiraveis" (O CATEQUISTA, 23/01/1864).

Nesse período as autoridades locais começaram a condenar a forma como a tartaruga era explorada, de forma altamente predatória e danosa ao meio ambiente. Manoel Gomes Corrêa de Miranda, 1° Vice-Presidente da Província do Amazonas, sancionou a Lei N° 102, de 08 de Julho de 1859, sobre a viração, captura e pesca de tartarugas e pirarucus. Sobre as tartarugas, ficou estabelecido nos incisos 1° e 2° do Artigo 1:

"Art. 1°. Fica prohibido em toda a Provincia:

§ 1°. A condução de tartarugas em canôas ou jangadas de modo que fiquem apinhoadas ou cavalgadas uma sobre as outras, e por isso em numero maior de uma por cada 4 arrobas, que lotar a conoa, ou de treze por cada tonellada. Os infractores soffrerão a multa de 1.000 reis, ou meio dia de prisão, por cada tartaruga excedente do numero fixado por arrobas ou tonelladas.

Fica sujeito ao dobro d'estas penas, por cada tartaruga todo aquelle que as conservarem em curraes ou depositos, em espaço menor de quatro palmos.

§ 2°. A' viração ou frechação das tartarugas, durante a epocha da desovação, que deve contar-se dez dias antes de principiarem ellas a reunirem-se em cada praia ou localidade, com a pena de tres mil reis, ou dia e meio de prisão á cada pessoa emprega n'este serviço, e de 1.000 reis, ou meio dia de prisão por cada tartaruga virada, ou frechada". (ESTRELLA DO AMAZONAS, 10/09/1859).

Apesar da proibição, a captura desmedida de tartarugas e o recolhimento de seus ovos continuou. Três anos depois, em 1862, o Presidente da Província do Amazonas Manoel Clementino Carneiro da Cunha chamou de "desenfreada orgia" a forma como os ovos continuavam a ser recolhidos e esmagados:

"E' revoltante o que se pratica nas praias depois que as tartarugas ali sobem para depositarem os ovos! Para as mulheres começa o trabalho, para os homens a mais desenfreada orgia, segundo o que se me informa. Milhares de milhares de ovos, desses germens de uma futura e abundante riquesa, permitta-se-me a expressão, são safrificados á voracidade dessas aves de rapina, para o fabrico da manteiga" (AMAZONAS, 1862, p. 50).

Falando sobre a produção de azeites na Província, Manoel Clementino Carneiro da Cunha informa que, se ela fosse aperfeiçoada, traria grandes benefícios. No entanto, ela permanecia

"[...] no seu estado de irregularidade, e imperfeição primitivas, tornando-se antes um elemento de damno do que de utilidade para a Provincia, que vê todos os annos a grande perda que por ahi vai em suas praias, de immensos ovos de tartarugas estragados brutalmente no emprego que delles fazem sem methodo, e sem proporção no fabrico do azeite resultando desse estrago soffrer a população falta, de abastança de tartarugas, de que faz a sua alimentação ordinaria; e isso sem que ao menos uma vantagem, ou uma utilidade real, e conveniente, resulte dessa manipulação, que indemnise, ou que compense esse prejuiso". (AMAZONAS, 1862, p. 55).

Apesar das críticas e alertas feitos pelos viajantes nos séculos XVIII e XIX e, mais tarde, pelos administradores públicos locais, e das proibições, a tartaruga continuaria sendo explorada comercialmente de forma predatória por pelo menos mais de um século. 


FONTES:

Estrella do Amazonas, 10/03/1858.

Estrella do Amazonas, 01/01/1859.

Estrella do Amazonas, 10/09/1859.

AMAZONAS. Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa da provincia do Amazonas pelo exm.o senr. dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, presidente da mesma provincia, na sessão ordinaria de 3 de maio de 1862.

Commercio do Amazonas, 31/12/1870.

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de São José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente. CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. Diários, p. 209-350, 22/10/2005.

MESQUITA, Otoni Moreira. Manaus: História e Arquitetura - 1852-1910. 3° ed. Manaus: Editora Valer, Prefeitura de Manaus e Uninorte, 2006.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição, das povações da Capitania de S. Joze do Rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma, no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typographia da Academia, 1825. (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin).

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,  2004.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Biblioteca Digital Luso-Brasileira.

Acervo de Antonio José Souto Loureiro.


quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Como se fosse hoje, o Guarany

O texto a seguir foi publicado no jornal Amazonas Em Tempo em 06 de agosto de 2002. Nele o pesquisador Ed Lincon nos apresenta de maneira concisa a História do Cine Guarany, cinema histórico localizado no Centro de Manaus, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, que caso ainda existisse, teria completado ontem 81 anos.

COMO SE FOSSE HOJE, O GUARANY

O antigo Cine Guarany, entre as avenidas Floriano Peixoto e Sete de Setembro, no Centro de Manaus. FONTE: Acervo de Ed Lincon.

Quem tem mais de 40 anos sabe que o Cine-Theatro Guarany fez parte da vida de muita gente. Da infância, adolescência, juventude, dos idílios que se concretizavam após o início das sessões, enfim, de uma Manaus mais tranquila, mais culta, mais familiar. Hoje, se estivesse "vivo", o Guarany estaria completando 64 anos de existência. Talvez nem tenha "morrido", já que está na memória de muitos manauenses.

O pesquisador Ed Lincon, profundo conhecedor da história do Cine-Theatro Guarany, conta ao Em Tempo, em um texto limpo e sucinto, como tudo começou. "No dia 6 de agosto de 1938 era inaugurado em Manaus aquele que seria o cinema mais querido e amado por todos, o Cine-Theatro Guarany, antigo Cassino Julieta (1907) e depois Cinema-Theatro Alcazar (1912). O Guarany, conforme o sentimento nacionalista da época, foi pintado de verde e amarelo como a bandeira brasileira, substituindo o vermelho e o verde dos tempos do Alcazar".

Lincon diz que o filme de inauguração foi A Carga da Brigada Ligeira, com Errol Flynn e Olivia de Havilland. O cinema era de propriedade da empresa Cinema Avenida Ltda, de Antônio Lamarão e Adriano Bernardino, que mais tarde se tornaria o verdadeiro proprietário, alterando o nome de empresa para A. Bernardino Ltda. Desde sua inauguração, o Cine Guarany manteve a tradição de comemorar todos os anos no dia 6 de agosto o seu aniversário, tendo como comandante da festa Vasco José de Faria, conhecido pela criançada como "Vovô Vasco".

Conforme Ed Lincon, Vasco Faria era português, da cidade do Porto, e foi morar em Manaus aos 13 anos. Era figura obrigatório na porta do Guarany até sua morte em 15 de agosto de 1969. As festas do Guarany começavam às 9 horas do dia 1° e iam até o dia 6, quando havia sorteio de prêmios, distribuição de bombons, balões, gibis e exibição de filmes ao ar livre numa tela montada em dois postes de ferro, localizados no pavilhão São Jorge, conhecido popularmente como "Café do Pina", quando este se situava em frente ao cinema, no meio da rua.

"Para se fazer a projeção ao ar livre, era realizada uma verdadeira mágica para a época, já que o projetor era fixo; o projecionista do Guarany jogava o foco contra um espelho, que conduzia as imagens em movimento para a tela do lado de fora. Antes das sessões, para a realização dos sorteios dos prêmios, o 'Vovô Vasco' contratava radialistas como Ivens Lima, da Rádio Rio Mar, e Belmiro Vianez, da Rádio Baré", escreve o pesquisador.

A frente do cinema era toda enfeitada com bandeirolas multi-coloridas e havia dois potentes alto-falantes tocando músicas de sucesso da época. Tinha também salva de tiros de foguetes de um "mini-canhão" e fogos de artifícios para abrilhantar a festa. Além de Vasco Faria e Adriano Bernardino, outras pessoas ajudavam a organizar a festa, como o velhinho espanhol Domingos Romero, que era o porteiro e que abria as cortinas da tela; Manoel Farias (bilheteiro), e João Miranda, que confeccionava os cartazes dos filmes na entrada.

"No dia 6 de agosto de 1955, ao comemorar 17 anos de fundação, o Guarany inaugurava a "tela panorâmica", com distribuição de revistas, kibons, petecas, balões e sorteio de uma bola de futebol, três garrafas de Martini e outros artigos. Antes da primeira sessão, a criançada trocava gibis na entrada, comendo doces, esperando ansiosas pelo início da festa. Outras figuras características na porta do Guarany eram o xerife Tom Mix, cujo nome (Orlando Braga) verdadeiro ninguém sabia, e que curtia os filmes de faroeste e se vestia a caráter (chapéu, cartucheiras sem revólveres e estrela no peito), e o cego Jaú, que pedia esmolas. Os dois, mesmo não sendo funcionários, tinham o respeito e a admiração dos frequentadores", comenta.

A programação da festa do Guarany consistia em festival de desenhos pela manhã, filmes de aventura ou bang-bang na sessão da 1 h da tarde, filmes românticos na sessão das 4 h, e à noite, chanchadas ou filmes clássicos de aventura. As festas tinham o patrocínio de empresas como J. G. Araújo, Antônio M. Henriques & Cia,, Braga & Cia Ltda., Casa Canavarro, Drogaria Universal e Central de Ferragens.

O Cine Guarany realizou sua última festa de aniversário em agosto de 1964, após a revolução de março, não sendo mais possível a realização dos sorteios, nem a exibição de filmes ao ar livre, cujos postes ficaram abandonados por longos anos até serem retirados em 1972. Após a morte de Vasco Faria, o Guarany entrou em decadência.

Em 1973, enquanto os outros cinemas de Manaus - Odeon, Popular, Ideal, Palace, Éden, Avenida, Victória e Polytheama - fechavam suas portas, apenas o Guarany e o Ipiranga sobreviveram heroicos ao fantasma da demolição e venda até os anos 80, quando o primeiro foi demolido e o outro foi vendido para uma loja de eletrodomésticos.

"Hoje, no lugar do velho e saudoso Guarany, existe uma 'caixa de concreto' denominada Banco, e apenas na lembrança dos mais velhos ficou retida a imagem de momentos inesquecíveis, como o 'Vovô Vasco' Faria e as festas do Guarany", lamenta Lincon.


Como se fosse hoje, o Guarany. Amazonas Em Tempo, 06/08/2002.