quarta-feira, 8 de julho de 2020

Trajetória das obras que contam a História do Trabalho no Amazonas é apresentada pelo historiador Luís Balkar Pinheiro

O texto a seguir é de autoria da jornalista e acadêmica de História (UFAM) Betsy Bell. Nele nos é apresentado de forma didática o primeiro episódio de uma série de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, apresentado pelo historiador Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.


Betsy Bell*

Vendedor ambulante na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Foto de 1927. Autor: James Dearden Holmes (1873-1937).

Doutor em História Social, o historiador amazonense Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro estreou o primeiro episódio de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, iniciativa do GT Mundos dos Trabalho, grupo de estudos da Faculdade de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Amazonas, que lançou o projeto no canal da plataforma digital YouTube, no último dia 30 de junho.

Com 20 anos de trabalho na área, Luís Balkar faz um panorama sobre a trajetória de pesquisas e de obras da história do trabalho no Estado do Amazonas. Na linha de tempo que ele traça, além de citar autores de obras referendadas sobre o assunto ou mesmo dissertações, o historiador apresenta uma análise pertinente sobre os motivos que despertaram o interesse pela história social do trabalho no Estado desde os anos 1980 e o que se segue até os dias de hoje.

Foi uma pena - contudo compreensível, pois poderia ser confundido com presunção -, Balkar excluir da palestra online referência às suas próprias obras sobre o tema: os livros “Vozes Operárias: Fontes para a História do proletariado amazonense” e “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha – Trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930)”, este último uma produção em parceria com a também Doutora em História Social, a historiadora Maria Luíza Ugarte Pinheiro.

Mas nada que este texto não possa pontuar e fazer justiça. Afinal, a obra dos dois – Luís e Maria Luíza - é um mosaico de várias dissertações que Balkar cita, inclusive, no vídeo do GT Mundos do Trabalho, mas com uma condução encantadora dos que não só leem, orientam e acompanham as pesquisas, mas dominam o tema como poucos. “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha”, assim como “Vozes Operárias” são tão cativantes quanto grandes romances literários. Sem o serem. E seus principais encantos são os trabalhadores, que surgem mais que personagens da trama, mas como protagonistas da cena.

Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha, de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

O COMEÇO

Prof. Dr. Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.

De acordo com Luís Balkar Pinheiro, o final dos anos 1980 teve o cenário perfeito para o começo das pesquisas sobre a temática da História Social do Trabalho no Amazonas. No vídeo, ele destaca os fatores. Um deles, diz respeito ao País estar às voltas com a abertura política, outro porque explodiam greves e movimentos sociais por todos os lados e também porque várias pesquisas destacavam, justamente, a referida inflexão historiográfica.

“No contexto amazonense, questões importantes também aconteciam como as greves operárias na Zona Franca de Manaus e a profissionalização da História no Estado, diante da abertura do curso de História (na Ufam), onde o currículo direcionava para pesquisa e a própria necessidade da história escrita pelos locais”, relembra o professor.

Nessa perspectiva tão positiva para ressaltar o tema trabalho, o historiador revela que houve ainda uma espécie de simbiose entre as experiências locais e nacionais, principalmente com os historiadores Victor Leonardi e Francisco Foot Hardman, autores de “História da Indústria e do Trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte“ (1982) – obra tida como inovadora naquele momento entre os estudiosos.

Ambos, inclusive, vieram para o Amazonas diversas vezes e até Leonardi chegou a ser professor-visitante da Ufam. “Isso tudo foi um espectro de fatores que causou impulso para pesquisadores da área e que acabou refletindo nos seus trabalhos”, declara Pinheiro.


A VEZ DOS EXCLUÍDOS


A trajetória, levantada por Luís Balkar, segue com o relato que destaca o aparecimento da dissertação de Mestrado, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), que depois virou o livro “A Ilusão Do Fausto: Manaus (1890-1920)”, de Edinea Mascarenhas Dias.

Não é pra menos. A obra – que completa 21 anos – repensa mesmo todo o processo de formação da cidade de Manaus e, segundo Balkar, “renova a abordagem historiográfica, a partir de uma história social, preocupada com os excluídos e os marginalizados, com o conflito social, com a dominação, mas também com a resistência”.

No entanto, apesar da importância até hoje editorial e histórica da “A Ilusão do Fausto”, Luís Balkar Pinheiro explica que a questão do trabalho, na obra, surge de forma periférica e não como protagonista – o que, realmente, não era o objetivo do livro.

E o surgimento de obras que evidenciam, de maneira mais direta, a história social do trabalho e do trabalhador urbano no Amazonas, ocorrerá apenas na década de 1990. Com isso, Balkar menciona tanto “Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana: trabalhadores urbanos em Manaus (1890/1915)”, de Francisca Deusa Sena da Costa (1997), quanto “A Cidade Sobre Os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus, 1899-1925”, de Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

Trata-se de duas dissertações de Mestrado em História (PUC-SP) e, ambas, partem do objetivo de contar a história da cidade de Manaus, mas sob a ótica do trabalho. Um outro elemento interessante em comum, destacado pela narração de Balkar, é o fato das duas receberem influências das obras dos historiadores da Escola Inglesa, como Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawn – os dois, marxistas. “No trabalho de Francisca Deusa, que mostra certos cenários da cidade, os atores centrais são os populares, os povos urbanos e o ponto forte no estudo é a questão da moradia”, relata Pinheiro.

No entanto, a obra de Maria Luíza Ugarte, “A cidade sobre os ombros”, é tida como um trabalho mais totalizado, um marco mesmo, diante do tema História Social do Trabalho. Isso porque, segundo Balkar, o estudo se debruça sobre os trabalhadores portuários, os estivadores, e esquematiza tudo a respeito deles, como cotidiano, lazer, moradia, alimentação, além de “avançar na questão das relações de trabalho, com o patronato e, mais importante, no estudo sistemático sobre os processos de associações e de suas lutas, mapeando greves operárias”.


ANOS 2000 – UMA ODISSEIA NO TRABALHO


O adensamento de historiadores amazonenses interessados na História Social do Trabalho, conta o historiador Luís Balkar Pinheiro, teve o ano de 2005, uma divisa. Tudo porque deu-se a montagem do programa de pós-graduação em História da Ufam, com linha de pesquisa específica para o trabalho urbano em Manaus e na própria Amazônia.

Tanto que o número de dissertações e pesquisas, ao longo desses 15 anos, gira em torno de 155 trabalhos, sendo 50 apenas de História Social do Trabalho e 18 específicos sobre a história operária. Nesse contexto, Luís Balkar salienta algumas pesquisas determinantes à temática como a de Luciano Ewerton Teles (“A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho (1920)”), de 2008; a de Alba Barbosa Pessoa, “Infância e Trabalho: Dimensões do Trabalho Infantil na Cidade de Manaus (1890-1930)”, de 2010, e a de Luciane Dantas de Campos (“Trabalho e emancipação: um olhar sobre as mulheres de Manaus (1890-1940), também de 2010.

“Veremos ainda alguns trabalhos sobre a visão do patronato, de Alexandre Avelino, e greves operárias, de Moisés Araújo, que envolve greves durante a Grande Guerra, entre 1914 e 1918, Manaus”, completa Pinheiro. Os trabalhos e autores citados são “O patronato Amazonense e o mundo do trabalho: a Revista da Associação Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919)”, de Alexandre Avelino e “O grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e greves na Manaus da Grande Guerra (1914-1918)”, de Moisés Dias de Araújo.
Luís Balkar dá ênfase ainda, neste período, ao grande número de dissertações, que passaram a acompanhar categorias profissionais, desde caixeiros, tipógrafos, carregadores, carvoeiros até condutores de bonde, carteiros, metalúrgicos e portuários. Para isso, ele cita trabalhos de Kleber Moura, Dhyene Santos, Sérgio Lima e Cláudia Barros.

São eles, “Caixeiros: organização e vivências em Manaus (1906-1929)”, Kleber Barboza de Moura; “Motoristas e Condutores de Bondes em Manaus: Sociabilidade, Cultura Associativa e Greves (1899-1930)”, de Dhyene Vieira dos Santos; “Carvoeiros: trajetória do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-1967)”, de Sergio Lima e “Os trabalhadores e o Estado Novo em Manaus: uma história de resistências e conflitos”, de Cláudia Amélia Barros.


OS VANGUARDISTAS


Para Luís Balkar, as pesquisas mais recentes sobre o tema História Social do Trabalho no Amazonas ficaram mais livres do tópico sempre revisitado da expansão e crise da borracha em Manaus e os recortes foram ampliados, seja recuando no tempo, falando na província, ou escapando para os anos 1930 até 2015.

“Nesse caso, tenho que citar o trabalho de Tenner Abreu que estuda a escravidão e mestiçagem na província entre 1850 até 1889 e mesmo a importância da orientação de pesquisa do professor Doutor César Augusto Queirós sobre estudos políticos nos anos 1930 e 1940 e como se relaciona com a emergência do populismo na cidade”, diz o professor.

Balkar se refere, respectivamente a “Grêmio da Sociedade”: racialização e mestiçagem entre os trabalhadores na Província do Amazonas”, de Tenner Abreu e “Trabalho e cidade em Manaus nos anos 30: o patronato e as relações de trabalho”, de Jessica Cristine Duarte, trabalho que está sendo orientado pelo historiador César Augusto Bubolz Queirós.

Das temáticas mais contemporâneas, o professor Luís Balkar cita o trabalho de Célia Santiago sobre a greve dos metalúrgicos de 1985 (“Clandestino e mobilização nas linhas de montagem: a construção da greve dos metalúrgicos de 1985, em Manaus”) e também a de Rafaela Bastos que segue até 2015 (“Entre memórias: as experiências dos carregadores e carregadoras da Manaus Moderna e Estação Hidroviária de Manaus - Roadway, 1993-2015”).

Com memória primorosa e abordagens sensatas, o historiador Luís Balkar encerra a palestra online ainda com informações surpresas: aconselhamentos sobre a utilização atual das fontes diferenciadas e questões a serem superadas na contação dessas histórias. Mas, pra isso, o leitor terá que assistir ao vídeo, disponível no https://youtu.be/m5V61HsDm2w.




(*) Betsy Bell é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas e graduanda do 3º período do curso de Licenciatura em História (também Ufam)

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Escravas ou livres, sadias e de bons costumes: Amas de leite na cidade de Manaus (séculos XIX e XX)

Lucílio de Albuquerque (1877-1939): Mãe Preta, 1912. FONTE: commons.wikimedia.org.

As amas de leite eram mulheres que tinham como ocupação a amamentação dos filhos das classes mais abastadas da sociedade. No Brasil as escravas eram forçadas a amamentar e cuidar dos filhos de seus senhores, também sendo alugadas por estes e obrigadas a deixar seus rebentos sem esse contato maternal, o que gerava uma alta taxa de mortalidade entre os recém nascidos escravos (SILVA, 2016, p. 302). 

De acordo com o sociólogo e historiador Gilberto de Mello Freyre, esse costume tinha raízes portuguesas: "De Portugal transmitira-se ao Brasil o costume das mães ricas não amamentarem os filhos, confiando-os ao peito de saloias ou escravas" (FREYRE, 2003, p. 443). Tal costume não se reproduzia apenas por puro modismo ou indiferença . Imperavam questões de saúde. As sinhás, ainda muito jovens, tinham vários filhos em um curto intervalo de tempo, ficando esgotadas e impossibilitadas de lhes dar os devidos cuidados. Dessa forma, as escravas, "adaptadas" aos trópicos e consideradas mais resistentes, eram ideais para o aleitamento. "A tradição brasileira", escreve Freyre, "não admite dúvida: para ama-de-leite não há como a negra" (FREYRE, 2003, p. 444).

O historiador Luiz Felipe de Alencastro cita o aluguel de amas de leite como uma importante atividade econômica das cidades brasileiras do Império. "Pequenos senhores de escravos exploravam esse mercado, alugando a terceiros suas cativas em período pós-natal" (ALENCASTRO, 1997, p. 63). Ainda conforme Alencastro, a partir 1850 a presença de mulheres imigrantes de origem portuguesa "traz para a corte uma oferta de amas-de-leite brancas que passam a competir com as mucamas de aluguel, tornando complicado o debate sobre a amamentação" (ALENCASTRO, 1997, p. 64).

As libertas e as imigrantes citadas por Alencastro, para se sustentarem, também ofereciam esse serviço, que não se restringiu ao período do Império. As amas de leite continuaram a atuar ao longo do século XX, tanto no Brasil rural, profundo, quanto no urbano. Nos jornais publicados em Manaus entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX foram encontrados anúncios desse serviço, bem como registros em leis e decretos. Ainda que em menor quantidade quando comparados aos do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, são fontes importantes para a compreensão dessa prática na região.

Uma das referências mais antigas à atuação das amas de leite em Manaus surge no Código de Posturas Municipais de 1848. No artigo 137 do capítulo 16, sobre a economia municipal, ficou estabelecido que "As Câmaras marcarão salários às amas dos expostos pelo trabalho da criação, e educação, e prestarão enxoval preciso aos mesmos" (SAMPAIO, 2016, p. 35). Os expostos citados no artigo, de acordo com o historiador Renato Franco, eram 

"[...] as crianças recém-nascidas, anonimamente abandonadas pelos pais, que, assim, abriam mão da tutela e da criação dos filhos. Diferentemente dos órfãos, para quem a morte dos progenitores era uma referência incontornável, a criança exposta era considerada em seu grau zero de ascendência, portanto, por definição, livre" (FRANCO, 2018, s. p.).

O Capitão Clementino José Pereira Guimarães, Barão de Manaus, foi autorizado em 1865 "[...] a alugar escravas sadias e proprias para o serviço de casa de familia" (O Catechista, 28/01/1865, p. 04). De acordo com a Mestre em Educação Damiana Valente Guimarães Gutierres, "uma das principais características mais recorrentemente abordadas nos discursos dos anúncios é da ama de leite ser sadia, saudável e sem vício" (GUTIERRES, 2013, p. 113).

Em 1880, o jornal Amazonas, de propriedade do Coronel José Carneiro dos Santos, anunciava que em sua tipografia existia uma pessoa que precisava dos serviços de uma ama de leite, podendo ser livre ou escrava, e que esta oferecia um bom pagamento (Amazonas, 21/11/1880, p. 04).

As amas de leite poderiam ser escravas ou livres. FONTE: Amazonas, 21/11/1880, p. 04.

O trabalho dessas mulheres não ficava restrito ao ambiente familiar, também sendo sendo solicitado em instituições governamentais. Em 1888 o Instituto dos Educandos Artífices, instituição de ensino em regime de internato para meninos órfãos e carentes, fez publicar no Jornal do Amazonas que precisava de uma ama de leite, pagando bem a quem estivesse disponível (Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04).

Instituições como o Instituto dos Educandos Artífices solicitavam o serviço das amas de leite. FONTE: Jornal do Amazonas, 10/05/1888, p. 04.

Os anúncios do final do século XIX e início do século XX tornam-se mais detalhados, possibilitando conhecer os requisitos e as condições de trabalho dessas mulheres. Em 1898 o jornal Commercio do Amazonas publicou uma série de anúncios de um morador da rua Lima Bacury, no Centro, que precisava de uma ama de leite: "AMA DE LEITE. - Precisa-se de uma, a tratar na rua Lima Bacury, casa n. 44. Garante-se bom ordenado" (Commercio do Amazonas, 22/06/1898, p. 02, 01/07/1898, p. 02, 03/07/1898, p. 04 e 06/07/1898, p. 03). Em anúncio de 1906 veiculado no Correio do Norte solicitava-se uma ama de leite para trabalhar no interior: "Ama de leite. Precisa-se de uma, para o interior, logar sadio, paga-se bem. Quem estiver nas condições, dirija-se a Estrada Epaminondas n. 140 (Avenida Dr. Constantino Nery)" (Correio do Norte, 23/02/1906, p. 03). Em alguns casos amas da capital passaram a viver no interior do Estado com as famílias contratantes, em um verdadeiro movimento de migração interna.

Não raro amas de leite da capital mudavam-se com as famílias contratantes para o interior do Estado. FONTE: Jornal do Commercio, 24/06/1907, p. 02.

São raros os anúncios que informam a idade da criança que seria amamentada. Foi encontrado apenas um, de 1917, no qual a criança, filha de um casal morador da Praça da Constituição (Heliodoro Balbi, da Polícia), teria 8 meses (Jornal do Commercio, 26/08/1917, p. 01).

As amas de leite estrangeiras, portuguesas e espanholas, surgem nos anúncios de jornais nesse período. É possível que já atuassem na cidade há mais tempo. Na rua Mundurucus, por volta de 1905, uma portuguesa tinha "[...] leite abundando e novo" (Jornal do Commercio, 27/12/1905, p. 03), o que sugere que acabara de ter filho (s), estando apta para o trabalho de ama. Em outro anúncio publicado no Jornal do Commercio podemos observar que as amas de leite deveriam ser jovens, na casa dos 20 anos:

Anúncio de uma ama de leite espanhola, com idade entre 26 e 27 anos. As amas europeias passaram a rivalizar com as amas locais. FONTE: Jornal do Commercio, 17/12/1907, p. 03.

Além da boa saúde e ausência de vícios, uma das preferências dos usuários de seus serviços era que não tivessem filhos, já que toda a atenção deveria ser dada à (s) criança (s) do (s) contratante (s). Como no Império, não deveriam existir vínculos maternais mais profundos entre as amas e seus próprios filhos no século XX. Na ausência da mãe a criança deveria ser cuidada por terceiros, geralmente os avós. Essas mulheres acabavam criando sentimentos pelas crianças que amamentavam,  e vice-versa, como deixou registrado o poeta Agesilao Jorge no poema Ao passado, escrito em 1908 e publicado em 1911, no qual lembra de sua antiga ama de leite negra:

"Minha velha ama preta, alvinha de bonança,
conta, inda outra vêz, as lucidas historias
repletas de dragões e cheias de victorias,
como naquelle tempo em que eu inda era criança...

Conta-m'as, novamente, agora ao homem feito;
minh' alma aspira, olhando o teu rosto enrugado
e ouvindo o teu fallar dolorido e pausado
reviver o bom tempo em que me deste o peito!...

Que importa sejas preta e, talvêz mesmo, feia,
si no teu coração nevado de pureza
estão sempre a sorrir a Bondade, a Belleza
e o Amôr, a refulgir como uma lua cheia!...

Já nem conheces tu o rosto que beijavas
(agora tão mudado); o mesmo rosto anjo,
dormindo no teu collo, ó Santa, ó nobre Archanjo
que em minha doce Infancia, á noite, me emballavas!...

Quanto lastimo a ver-te hoje nessa velhice,
vivendo do Passado e esquecendo o Presente,
no cruel abatemente insano dessa mente
que se desfaz no occaso atro da caduquice!...

Pudesse eu despender um pouco de vigor
de minha mocidade e l' o insufflar á vida
que desffallce e morre, ora rão succumbida...
Provar-te ia assim esse meu grande amor!...

1908.

Agesilão Jorge" (Correio do Norte, 21/05/1911, p. 01).

Uma família da rua Municipal (Avenida Sete de Setembro) precisava de uma ama de leite que tivesse boa saúde e que não tivesse filho. FONTE: Jornal do Commercio, 07/01/1914, p. 01.

As agências de aluguel entram em cena nesse período. Têm-se o registro, em 1907, da Agência 'Locadora', localizada na então Avenida Silvério Nery (Joaquim Nabuco), alugando diversos serviços, dentre eles o de ama de leite:

"Agencia "Locadora"
Aluga-se cosinheiras, cosinheiros, copeiras, lavadeiras, criados, caixeiros e uma ama de leite.
Na mesma agencia trata-se de qualquer negocio.
Avenida Silverio Nery n. 88.
A. Araújo & Cia" (Jornal do Commercio, 31/01/1907, p. 04).

Os anúncios nos informam uma série de requisitos para o trabalho, sendo a boa saúde o mais frequentemente citado. FONTE: Jornal do Commercio, 19/03/1912, p. 01.

Desde fins do século XIX o trabalho das amas de leite passou a ser alvo de regulamentações, frutos da difusão de políticas sanitaristas há muito reclamadas por médicos e administradores públicos. No inciso 5 do capítulo 2 do Regulamento para o serviço sanitário do Estado do Amazonas (1894), sobre a atribuição dos empregados, determinou-se que estes tinham de "incumbir-se dos exames das amas de leite" (Diário Oficial, 14/01/1894, p. 01).

Existiam no mercado produtos utilizados para "otimizar" o trabalho das amas, isto é, fortificar o leite e deixá-lo livre de impurezas. Os jornais recomendavam o Vinho Iodo-Phosphatado de V. Werneck, o Vinho Toni-Nutritivo do dr. Lima Guimarães, "[...] empregado com vantagens nos casos de anemia, chlorose, enfraquecimento nas mulheres paridas e nas amas de leite" (Commercio do Amazonas, 28/09/1899, p, 04).

Essas questões higiênicas andavam de mãos dadas com o evolucionismo científico e as teorias raciais. O historiador Robson Roberto Silva registra que "a mentalidade cientificista do final do século XIX, fundamentada no racismo, justificava os cuidados que deveriam ter com o leite materno das escravas, pois havia a crença que esse leite transmitiria padrões de imoralidade para as crianças" (SILVA, 2016, p. 312). As escravas e as negras libertas eram acusadas de degenerar as crianças e o ambiente familiar. Não é de se estranhar que, em 1913, uma família da rua dos Andradas anunciasse que precisava de "[...] uma ama de leite séria e de bons costumes" (Jornal do Commercio, 20/03/1913, p. 01) ou que um agenciador informasse ter uma "[...] ama de leite portugueza com bom comportamento e de bôa familia" (Jornal do Commercio, 07/04/1913, p. 01).

As amas de leite, assim como os negociantes de gêneros alimentícios, seus empregados, vendedores ambulantes (peixeiros, leiteiros, garapeiros, doceiros, padeiros, merceeiros, confeiteiros), donos e empregados de restaurantes, hotéis, pensões, botequins, refinações, torrefações, açougueiros, magarefes, cozinheiros, copeiros, carregadores e condutores, deveriam comparecer na sede da Prefeitura, durante todo o mês, das 9 às 11 e das 13 às 16, para serem inspecionadas e receber a licença de atividade, sob a pena de multa (Inspecção Sanitaria. In: A Capital, 07/12/1917, p. 03).

Na década de 1930 as inspeções sanitárias obrigatórias para as categorias anteriormente citadas, estando aí incluídas as amas de leite, passaram a ocorrer duas vezes por ano. Ficou estabelecido no parágrafo único do artigo 321 do capítulo 8 do Código de Posturas de 1938, sobre a saúde pública, que caso a pessoa não comparecesse e fosse encontrada exercendo seu ofício sem a carteira sanitária seria multada em 20 mil réis e, no artigo 322, "caso o portador da carteira sanitária venha a contrair qualquer moléstia contagiosa, não poderá continuar a exercer sua atividade, enquanto não ficar curado, sob pena de multa de cinquenta mil réis" (SAMPAIO, 2016, p. 328).

É perceptível a importância que as amas de leite tiveram como trabalhadoras urbanas na cidade de Manaus, atuando em instituições de caridade, educacionais e, principalmente, casas particulares. Toleradas no século XIX por necessidades, garantindo ganhos a seus senhores e, no caso das mulheres livres, atuando de forma independente, as amas se tornaram alvo de críticas e da fiscalização sanitária, o que contribuiu para o seu desaparecimento.


FONTES:

O Catechista, 28/01/1865.

Amazonas, 21/11/1880.

Jornal do Amazonas, 10/05/1888.

Diário Oficial, 14/01/1894.

Commercio do Amazonas, 22/06/1898.

Commercio do Amazonas, 01/07/1898.

Commercio do Amazonas, 03/07/1898.

Commercio do Amazonas, 06/07/1898.

Commercio do Amazonas, 28/09/1899.

Jornal do Commercio, 27/12/1905.

Correio do Norte, 23/02/1906.

Jornal do Commercio, 17/12/1907.

Jornal do Commercio, 31/01/1907.

Jornal do Commercio, 24/06/1907.

Correio do Norte, 21/05/1911.

Jornal do Commercio, 19/03/1912.

Jornal do Commercio, 20/03/1913.

Jornal do Commercio, 07/04/1913.

Jornal do Commercio, 07/01/1914.

Jornal do Commercio, 26/08/1917.

A Capital, 07/12/1917.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 11-93.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48° ed. São Paulo: Global, 2003.

FRANCO, Renato. Órfãos e expostos no império luso-brasileiro. O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira, 23/05/2018. Disponível em:http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=5201&Itemid=344. Acesso em 02/07/2020.

GUTIERRES, Damiana Valente Guimarães. No colo da ama de leite: a prática cultural da amamentação e dos cuidados das crianças na Província do Grão-Pará no século XIX. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Educação, Belém, 2013.

SILVA, Robson Roberto. A presença das amas-de-leite na amamentação das crianças brancas na cidade de São Paulo no século XIX. Antíteses (Londrina), v. 9, n. 17, p. 297-322, jan./jun. 2016.

SAMPAIO, Patrícia Melo (Org.). Posturas municipais, Amazonas (1838-1967). Manaus: EDUA, 2016.

sábado, 13 de junho de 2020

Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo, em Manaus

Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo. Foto de Euzivaldo Queiroz. FONTE: A Crítica, 13/06/2016.

Hoje, 13 de junho, para os católicos, é dia de Santo Antônio, Santo Antônio de Pádua ou Santo Antônio de Lisboa. O orago de origem portuguesa, a lembrar as raízes lusitanas das crenças brasileiras, muito mais que santo casamenteiro, atribuição pela qual é mais conhecido, é também protetor das mulheres, dos pobres e padroeiro dos objetos perdidos.

Não pretendo falar sobre o Santo, escrever uma Hagiografia. Me interessa, na realidade, uma construção relacionada ao seu culto: A Capela de Santo Santo Antônio do Pobre Diabo, localizada na rua Borba, bairro Cachoeirinha, zona Sul de Manaus, Tombada como Patrimônio Histórico Estadual. O nome ‘Pobre Diabo’ ao lado de ‘Santo Antônio’ é estranho a alguns, geralmente aos que anseiam um catolicismo brasileiro oficial, romanizado. Analisarei as origens do nome ‘Pobre Diabo’, que confunde-se com a construção da capela.

O historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), em seu Roteiro Histórico de Manaus, afirma que essa nomenclatura tem origem popular. Um comerciante português de nome Antônio José da Costa, estabelecido na rua da Instalação, mandou fazer uma tabuleta com a figura de um pobre vestindo trapos, com os dizeres “Ao Pobre Diabo”, uma referência irreverente ao proprietário, que não vendia fiado pois era uma pessoa “pobre”.

Em outra versão, que consta em uma matéria do Diário Oficial do Estado do Amazonas publicada em 11 de junho de 1927 e recuperada pelo pesquisador Durango Martins Duarte no livro Manaus entre o passado e o presente, Antônio José da Costa era sócio de José Joaquim de Souza Júnior. O português, que tinha uma imagem de Santo Antônio em uma das prateleiras do estabelecimento, todos os dias ao fechá-lo dizia: “Meu Santo Antônio, protegei este pobre Diabo” (1). Desfeita a sociedade em 1878, Antônio abriu, na mesma rua, um estabelecimento de nome ‘O Pobre Diabo’. Encontrei, em edição de 26 de fevereiro de 1888 do jornal A Província do Amazonas, um comércio com o nome ‘Pobre Diabo’, localizado na rua da Instalação (2).

Ainda de acordo com essa publicação, Antônio José da Costa mudou-se da rua da Instalação para o bairro da Cachoeirinha, onde adquiriu, em 1896, um terreno na antiga Praça Floriano Peixoto, local onde foi erguida a capela. Mário Ypiranga Monteiro afirma que coube a mulher de Antônio, Cordolina Rosa de Viterbo, financiar a construção da capela dedicada a Santo Antônio, santo de devoção da família, após uma promessa pela recuperação da saúde do marido. Ao nome de Santo Antônio uniu-se o termo Pobre Diabo, possivelmente por lembrança dos dizeres diários do comerciante ou pelo nome de seu antigo comércio. Ao que tudo indica, a construção data de 1897, como consta em matéria daquele ano publicada no Jornal do Amazonas e transcrita por Mário Ypiranga:

A muito conhecida e laboriosa Sra. D. Cordolina Rosa de Viterbo tendo feito erigir à sua custa no bairro da Cachoeirinha, Praça Floriano Peixoto, desta capital, uma pequena e elegante capela, sob a invocação do glorioso Santo Antônio, estava disposta a mandar benzê-la no dia 15 de agosto deste ano, a fim de mais realçar as festas desta data memorável para o Estado do Pará, de onde é natural a referida senhora, entendendo, porém, a que os nossos irmãos brasileiros estão presentemente expondo a sua vida pela pátria, onde o fanatismo faz milhares de vidas, resolveu adiar a benção da capela para outro dia que será previamente anunciado” (3).

O antropólogo Manoel Nunes Pereira (1893-1985), no texto Igrejas de Manaus, publicado em 1938 na Revista da Semana, do Rio de Janeiro, registrou que a Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo despertava a curiosidade em quem visitava a cidade: “- Olhe só… O Pobre Diabo aqui tem sua igreja! E entrechocam-se os mais espirituosos e irreverentes commentarios” (4).

A Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo em 1938. FONTE: PEREIRA, Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista da Semana, RJ, anno XXXIX, N. 7, 22/01/1938, p. 16.

Nunes Pereira adverte os leitores de que apenas o bairro em que estava a capela (Cachoeirinha), é que pertencia ao Diabo, “a igreja, entretanto, pertence ao orago portuguez, miraculosamente casamenteiro”. “Durante os festejos anuais, que se realizam na referida igreja”, escreve Pereira com uma leve dose de humor, “o Pobre Diabo até fica do lado de fóra, com os joelhos na poeira humilde do arraial. Lá dentro officia o padre, acolytos agitam thuribulos, cantôras sacras elevam hymnos, mas ao pobre diabo só é permittido bater no peito, contrictamente” (5).

O nome Capela de Santo Antônio do Pobre Diabo é contemporâneo à construção. Em uma nota publicada no Jornal do Commercio em 29 de maio de 1910, informava-se que o serviço de bondes seria reforçado aos domingos, desde as 15 horas, com mais de um bonde e dois reboques, por ocasião da realização da “Festa de Santo Antônio do Pobre Diabo” (6).

Além do nome pitoresco, a capela também foi palco de acontecimentos um tanto curiosos. Em 1907, Bibiano de Oliveira Costa, praticante da Marinha Mercante, tinha encontros amorosos com a jovem Maria da Costa Carneiro, de 16 anos, no interior desse templo. A mãe de Maria, Felizarda da Costa Carneiro, descobrindo o relacionamento e sentindo-se ofendida por ele ocorrer dentro de um lugar sagrado, denunciou Bibiano ao Delegado do 2° Distrito, Elviro Dantas, que o prendeu no dia 11 de abril de 1907. Preso, Bibiano disse que pediria Maria da Costa Carneiro em casamento. O Delegado, então, determinou que a união fosse realizada no dia seguinte (7). Santo Antônio, indiretamente, concretizou um enlace matrimonial, ainda que em circunstâncias pouco formais.

O nome Santo Antônio do Pobre Diabo é uma característica do Catolicismo popular brasileiro, que foi se desenvolvendo à margem do poder institucionalizado, maleável e influenciado por elementos do meio em que se estabeleceu. Ao nome do santo lusitano uniu-se o de ‘Pobre Diabo’, surgindo daí algo novo, único em nossa cidade, estranho aos mais conservadores mas acessível aos grupos populares e por eles já incorporado.

Salve Grande Antônio. Salve Santo Antônio do Pobre Diabo...


NOTAS:

(1) DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009, p. 140.

(2) Agências. A Província do Amazonas, 26/02/1888, p. 01.

(3) O jornal se refere à Guerra de Canudos. MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998 Apud MONTEIRO, Mário Ypiranga. Capela do Pobre Diabo.  Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 3° Edição, nov/1999 (Série Memória 1).

(4) PEREIRA, Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista da Semana, RJ, anno XXXIX, N. 7., 22/01/1938, p. 16.

(5) Ibid, p. 16.

(6) Festa de Santo Antônio do Pobre Diabo. Serviço de Bondes. Jornal do Commercio, 29/05/1910, p. 02.

(7) Cupido e… polícia. Travessuras e casório. Jornal do Commercio, 12/04/1907, p. 01.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Capela do Pobre Diabo.  Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 3° Edição, nov/1999 (Série Memória 1).

PEREIRA, Manoel Nunes. Igrejas de Manaus. Revista da Semana, RJ, anno XXXIX, N. 7., 22/01/1938, p. 16.

sábado, 6 de junho de 2020

Antonio José Souto Loureiro

Antônio José Souto Loureiro e alguns de seus trabalhos.

Hoje, dia 06 de junho, o médico e historiador Antônio José Souto Loureiro comemora 80 anos. É um amigo muito estimado, sendo sete de anos de uma boa amizade, que teve início quando nos conhecemos nos sebos da Feira da Avenida Eduardo Ribeiro e nos eventos do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), do qual é membro.

Para quem não o conhece, Antônio José Souto Loureiro nasceu em Manaus no dia 06 de junho de 1940, realizando seus estudos no Rio de Janeiro, onde graduou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, especializando-se em Reumatologia. É membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras (AAL) e da Academia Amazonense de Medicina.

Antônio Loureiro é dos intelectuais mais humildes que já conheci, sempre aberto a boas conversas. Certa vez, durante o lançamento de um livro no IGHA, nos encontramos e começamos a conversar. Me perguntou se concordava com a perspectiva histórica da autora do trabalho, de base marxista, da tão citada e já esgotada luta de classes. Disse que sim, em partes, e rebati a pergunta, recebendo a seguinte resposta: - Não concordo!. Vejo a História como uma eterna luta entre o bem e o mal!.  Continuando, perguntei: Como anda a sua relação com a academia (universidade)? Me disse: - Ninguém me lê, nem me convida para palestrar!. Lhe informei que sim, o liam e citavam em trabalhos, e que quase fiquei sem um livro seu quando o emprestei para um acadêmico finalizar o TCC. Rimos bastante e concordamos que, apesar das críticas de ambos os lados, não se faz História sem o mínimo de diálogo entre as correntes, das mais conservadoras às mais inovadoras.

Desses 80 anos bem vividos, já são quase 50 dedicados à pesquisa histórica, da qual surgiram trabalhos hoje considerados clássicos de nossa historiografia, essenciais aos historiadores e entusiastas que pretendem conhecer a constituição de nosso Estado e também expandir suas possibilidades de pesquisa.

São de sua autoria cerca de 16 obras, às quais poderia dedicar inúmeros artigos fazendo análises minuciosas. No entanto, destaco três que considero essenciais, devendo ser lidas, relidas, resenhadas e apreciadas: A Grande Crise (1907-1916) (1986), O Amazonas na Época Imperial (1989) e Tempos de Esperança - Amazonas (1917-1945) (1994).

Com um grande arsenal de dados estatísticos, oriundos principalmente do arquivo da Associação Comercial do Amazonas (ACA), e bibliográficos, analisa da derrocada da economia gomífera em A Grande Crise (1907-1916) (1986). O Brasil, para o autor, sentiu os efeitos da crise, pois dependia da Amazônia para a obtenção das libras esterlinas, necessárias para o pagamento da dívida externa, para equilibrar o preço do café e urbanizar a capital federal; mas continuou alheio à região quando ela mais precisou. A União tardiamente tomou medidas para sanar a crise, medidas essas que se mostraram ineficazes, bem como os empresários e outras camadas da sociedade extrativista, que no frenesi da Belle Époque descapitalizaram a região e não fizeram planos a longo prazo, com algumas raras exceções.

Em O Amazonas na Época Imperial (1989), Loureiro analisa o período que vai de 1852 até o advento da República. A obra foi escrita quando o autor se deu conta da exiguidade de trabalhos mais detalhados e abrangentes sobre o Amazonas nessa época. Como fontes, utilizou relatórios, falas e exposições dos Presidentes e Vice-Presidentes desse período, de forma que a narrativa é constituída da visão desses homens que serviram ao Império no Amazonas. O conteúdo, denso, de mais de 300 páginas, é rico em dados estatísticos das atividades comerciais e administrativas do Amazonas (instrução pública, obras públicas, missões religiosas, aldeamentos indígenas etc), o que torna a obra de fundamental importância para os estudos sobre o Segundo Reinado na região Norte que lhe sucederam.

Tempos de Esperança - Amazonas (1917-1945) foi um trabalho pioneiro em sua época, pois surgiu para preencher a lacuna historiográfica existente sobre o período posterior ao boom da economia gomífera e sua crise. No período analisado por Loureiro, o Estado do Amazonas, combalido economicamente, teve breves surtos de reavivamento econômico motivados por fatores externos como a Segunda Guerra Mundial. Foram tempos difíceis, sem dúvidas. Gripe Espanhola em 1918, Revolução Tenentista em 1924, embates entre as oligarquias tradicionais, uma dívida crescente e uma população ainda mais empobrecida. Apesar dos pesares, o Estado continuou produzindo, como nos mostra Loureiro, e não apenas borracha: castanha, couros e peles, pau rosa, madeiras, pirarucu, fibras vegetais, guaraná e outras matérias primas. O ápice da esperança se deu com os Acordos de Washington durante a Segunda Guerra, entre 1942 e 1945.

Parabéns e vida longa a Antônio José Souto Loureiro. Que continue na sua eterna luta histórica entre o bem e o mal, sendo ele fiel defensor do primeiro.

domingo, 31 de maio de 2020

Entrevista: Prof. Me. Marcos Paulo Mendes Araújo

Prof. Me. Marcos Paulo Mendes Araújo.

Marcos Paulo Mendes Araújo nasceu na cidade de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, em 1972. Tem Graduação em História pela Faculdade de Filosofia de Campo Grande (RJ), Graduação em Direito pela UNIG - Universidade Iguaçu (RJ), Especialização em Docência de Ensino Superior pela UFRJ -  Universidade Federal do Rio de Janeiro, Especialização em História e Cultura Antiga pela UFF - Universidade Federal Fluminense e Mestrado em História Social pela UFAM - Universidade Federal do Amazonas. É professor da Seduc, Semed, do curso de História da Universidade Nilton Lins e do curso de Administração da Faculdade Fucapi. É autor dos livros 'Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein no Xingu em 1884' (2018) e 'A epopeia do Xingu' (2020), além de ter publicado capítulos de livros em outros 9 trabalhos.

'A epopeia do Xingu', último trabalho do professor Marcos Paulo Mendes Araújo. Disponível em: https://www.editoradialetica.com/product-page/a-epop%C3%A9ia-do-xingu.

– Primeiramente, muito obrigado por conceder a entrevista. Para iniciarmos, como se deu sua mudança do Rio de Janeiro para Manaus? Quais os impactos que ela teve em sua vida?

- Cheguei em Manaus em janeiro de 2012. Minha esposa, que é militar da Força Aérea Brasileira (FAB), foi transferida para cá. No início eram muitas novidades, mas aos poucos toda família foi se adaptando. Profissionalmente foi muito interessante, pois a mudança possibilitou conhecer um outro Brasil com traços culturais bem diferentes daqueles que estava habituado.

– Quando o senhor decidiu se dedicar à História? Era um interesse antigo, dos tempos de infância e adolescência, ou surgiu apenas na reta final do Ensino Médio?

- Desde muito novo possuía interesse em estudar História. Fui criado em uma casa e em uma família de professores. Acho que isso acabou influenciando bastante. Um dos primeiros livros que ganhei de minha mãe foi uma coleção de História e Arqueologia.

– Além da História, o senhor também tem Graduação em Direito. Como vê a relação entre essas duas áreas, suas semelhanças e diferenças?

- Quando fui cursar o Direito em 1996 já era formado em História há 3 anos. Isso me favoreceu muito de várias formas. Conhecer aspectos da infraestrutura social ajudam a entender certas dinâmicas da justiça. A formulação das leis deve obedecer certos aspectos que estão intimamente ligados à teia social onde o homem está inserido. Conhecer a História da humanidade ajuda muito a entender essas dinâmicas que mencionei.

– Creio que essa relação tenha influenciado na escolha pela Especialização em História e Cultura Antiga, dada a influência das antigas civilizações nas noções de História e Direito, correto?

- Sim! A História Antiga entrou na minha vida muito cedo. Desde pequeno ficava muito intrigado com as grandes construções antigas. Isso me conduziu ao curso de pós-graduação nessa área na UFF. O Direito acabou gerando ainda mais interesse pela Antiguidade, principalmente no mundo Clássico. Nesse curso pude dialogar com muita coisa interessante e cruzei com pessoas que me ajudaram a amadurecer como historiador, como por exemplo meu Professor Ciro Flamarion Santana Cardoso.

– Já que o senhor citou o saudoso Professor Ciro Flamarion Cardoso, durante sua passagem pelas graduações e pós-graduações, quais outros docentes marcaram sua vida acadêmica?

- Muitos docentes foram importantes na minha trajetória. Corro o risco de esquecer alguns, mas poderia mencionar Francisco Carlos Palomares Martinho, Simplício Rosa, Edgar Leite, Vera Vergara Esteves, José d' Assunção Barros, Patrícia Maria Melo Sampaio, Márcia Mello, Waldemar Pedro Antônio e tantos outros que passaram pela minha vida.

– Além dos mestres, quais autores lhe influenciaram nesse período?

- Creio que alguns autores foram essenciais para mim. São tantos... Platão, Fustel de Coulanges, Tzvetan Todorov, Ciro Flamarion, Betty Meggers, Perry Anderson, Duby, Delumeau, José Honório Rodrigues, Bakhtin, Peter Burke, Jacques Le Goff, Ronaldo Vainfas, são muitos. Impossível listar todos de cabeça (risos). Por aí vai.

– Dentre esses que foram citados, quais são os que fariam parte dos livros de cabeceira, sem os quais não poderia ficar?

- Acho que o Georges Duby e seu livro Ano 1000, ano 2000. É um livro muito bom para ter na cabeceira da cama. Essa pergunta não é fácil de responder, pois acredito que nós historiadores vivemos em um presente contínuo. Nossos interesses mudam. O bom é ter uma boa biblioteca básica para colocar na cabeceira os bons livros que nos cercam. Façamos cabeceiras grandes.

– Desde quando atua como professor da rede pública de ensino?

- Como professor venho atuando desde 1991, ou seja, antes mesmo de me formar já lecionava. Minha atuação na rede pública teve início neste mencionado ano, quando fui lecionar na Escola Estadual Francisco Caldeira de Alvarenga, na comunidade do Urucânia, em Paciência (RJ). Nesses quase 30 anos lecionei em diferentes redes de ensino, públicas e privadas. No Amazonas, atuo na Seduc desde 2012, inicialmente como PSS e depois como concursado. Na Semed estou desde 2017.

– Como professor de História na Universidade Nilton Lins, percebe diferenças entre a História que é ensinada na rede privada e a que é ensinada na rede pública?

- Não. Nenhuma diferença. Os alunos são muito parecidos e os conteúdos iguais. Algumas diferenças residem nas formas como a pesquisa é tratada.

– Quais seriam essas formas?

- É um curso noturno voltado à formação de docentes. As disciplinas são pensadas no exercício do magistério. As práticas de pesquisa infelizmente ficam adormecidas e deixadas apenas para o final do curso e a escrituração do TCC. Penso que a pesquisa deveria caminhar junto. Os alunos devem ser estimulados a escrever e dialogar com fontes primárias desde o início do curso. Geralmente nas universidades públicas isso ocorre com mais frequência.

Ao longo de quase 30 anos de ensino na rede pública, o que pode dizer sobre as transformações de como a História é ensinada dos primeiros anos ao Ensino Médio?

- Dos anos 90 para cá muitas mudanças ocorreram. Algumas delas para melhor. Poderia destacar a nova LDB de 1996 que ajudou a mudar o perfil dos egressos que gostaríamos e necessitávamos no Brasil. Também é importante mencionar os novos parâmetros curriculares brasileiros que possibilitaram ampliar os objetivos do ensino de História. Ao longo desses anos, pude participar dessas mudanças no chão da escola, ou seja, trabalhando efetivamente nas mudanças. Agora vêm a nova BNCC. Ainda é cedo, mas acredito que poderá trazer alguns novos benefícios, apesar das críticas à forma como nasceu. Temos que fazer na linha de frente os ajustes necessários. Acho que hoje o historiador pode, nas salas de aula, sobretudo no Ensino Médio, propor aos alunos o estabelecimento de problemáticas que servem para nortear os diálogos.

– Ainda sobre a docência, como enxerga os livros didáticos de História, suas possibilidades e limites em sala de aula?

- Sou um defensor da ideia de que os livros didáticos deveriam ser pensados de outra forma. Apesar de alguns apresentarem boas propostas, não é fácil encontrar ainda o livro didático ideal. É fato que melhoraram significativamente, mas ainda necessitamos avançar mais. Nos anos 90 tive o prazer de conhecer uma coleção de livros de História da Professora Circe Bittencourt, da Unicamp. Uma História temática. Passei a ser um admirador dessa proposta, pois daria a nós professores mais liberdade para aprofundar estudos em temas mais significativos para a vida.

– Seu Mestrado em História Social foi realizado entre 2013 e 2015, e versou sobre dois expedicionários do século XIX: Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein. O que poderia dizer ao público sobre os dois? O que o levou a estudá-los?

- A pesquisa do Mestrado começou muito tempo antes. Entre 1995 e 2002 estive no serviço ativo do Exército. Trabalhei como historiador no Arquivo Histórico do Exército. Foi lá que conheci o relatório de observação científica do capitão Francisco de Paula Castro escriturado após ele ter acompanhado o médico e antropólogo alemão Karl von den Stein em 1884 em sua viagem pelo rio Xingu. Lendo o relatório do militar e o livro do alemão, encontrei muitos pontos carregados de controvérsias. Foi justamente isso que chamou minha atenção. Era necessário conhecer o cenário político da época, coisas como o papel do Positivismo na formação da jovem oficialidade. A crise que se abateu sobre a Monarquia, o cenário da ciência no país, ou seja, foram muitas coisas interessantes envolvidas na pesquisa.

– Pensa em fazer um Doutorado ou está com algum em andamento? Se sim, em qual área e qual o tema da pesquisa?

- Comecei a fazer o Doutorado em uma universidade pública na Argentina, mas infelizmente não conclui. No momento venho trabalhando em um projeto de pesquisa para desenvolver em algum programa de Doutorado no Brasil. Venho encaminhando isso.

– O foco ainda será a viagem dos expedicionários Francisco de Paula Castro e Karl von den Stein ou será outro?

- A temática será outra. Já venho trabalhando em um novo tema. Mas não irei fugir da minha área de interesse, que é a História Militar. O trabalho terá um recorte entre 1920 e 1940, e está relacionado à aviação.

– Como professor e historiador, de que forma enxerga os atuais cenários políticos brasileiro e mundial?

- Vejo que vivemos dias muito conturbados. Já estávamos vivendo dias sombrios, mas com a pandemia as coisas parecem ter potencializado para o pior lado. Vejo que os radicalismos estão aflorados e a História nos mostrou em outras ocasiões que quando isso ocorreu o resultado foi péssimo para a humanidade.

– Por último, e aproveitando para agradecer sua participação, qual mensagem deixa para os futuros acadêmicos de História?

- Minha mensagem é de esperança por dias melhores. É necessário acreditar nas pessoas sem prejulgar ninguém e nem tecer juízos de valores antes de estabelecer o diálogo. O mais importante é a manutenção do diálogo. Nosso país é fantástico e necessita de novos e bons historiadores. Que todos possam ser felizes na carreira que é uma das mais importantes no estabelecimento de nossa identidade.


sexta-feira, 22 de maio de 2020

A visita da Família Imperial Brasileira a Manaus (1927)

D. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança e sua família. FONTE: Blog do Antonio Morais.

Em 1927, D. Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança (1875-1940), filho de Isabel Cristina Leopoldina de Bragança, a Princesa Isabel (1846-1921), e do Príncipe Imperial Consorte Gastão de Orléans, o Conde D’ Eu (1842-1922), e neto de Dom Pedro II (1825-1891), visitou a cidade de Manaus, último destino de sua excursão pelos Estados da região Norte do país.

D. Pedro, acompanhado de sua esposa Princesa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz e da filha Princesa Isabel de Orléans e Bragança, chegou a Manaus na tarde de 23 de maio de 1927 a bordo do vapor ‘Distrito Federal’, sendo anunciado com fogos de artifício, recebido por autoridades políticas, militares e por grande número de pessoas que tomaram o Porto. O Jornal do Commercio foi representado pelo jornalista Genesino Braga (1906-1988). D. Pedro lhe disse que estava maravilhado com os aspectos amazônicos que pôde observar durante a viagem. Ao desembarcar, os membros da Família Imperial foram levados pela população para a Praça Oswaldo Cruz (da Matriz), onde forem por ela aclamados. A pedido da Associação Comercial do Amazonas (ACA), o comércio em geral fechou as portas em respeito aos ilustres visitantes, bem como a Associação dos Empregados suspendeu uma das sessões que realizaria naquele dia.

A Praça Oswaldo Cruz (da Matriz) no ano da visita da Família Imperial Brasileira. Foto de 1927 de David Vladimir Gutman. FONTE: GUTMAN, D. V. - 1000 Miles Up The Amazon With the Booth Line.

Em meio à multidão, D. Pedro entrou em um carro presidencial, acompanhado do Capitão Oliveira Goes, Ajudante de Ordens do Governador do Estado, Hugo Ribeiro Carneiro, Governador do Acre, que também estava no vapor ‘Distrito Federal’, e do Major Floriano Machado, posto à sua disposição pelo Governador Ephigênio Ferreira Salles. Elisabeth e sua filha foram em outro carro, na companhia da família do Dr. Simplício Coelho de Mello Rezende (1873-1932). Outros automóveis, com pessoas da sociedade manauara, acompanharam a comitiva de Pedro, que recebeu continências de uma força policial que estava no local.

A comitiva seguiu pela Avenida Eduardo Ribeiro, dobrando a Avenida Sete de Setembro, indo em direção à Avenida Joaquim Nabuco e desta para a Praça dos Remédios, parando em frente ao Palacete da família Mello Rezende, onde ficaram hospedados os príncipes. De noite, às 21 horas, os Mello Rezende realizaram uma grande recepção, que contou com a presença de outras famílias da elite. O evento foi embalado pela orquestra do Professor Mozart Donizetti, indo até a meia-noite.

No dia seguinte, o Centro Acadêmico da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus visitou o príncipe, que afirmou aos seus representantes, Paulino Pedreira e Paes Barreto Filho, ter gostado bastante do Amazonas, região que o encantou não só pelas dimensões, mas por abrigar, entre as selvas, uma cidade como Manaus. Por todas as regiões do mundo por onde passou, esta foi a que mais lhe deixou impressionado. Impressão semelhante teve seu secretário, o Tenente Mario Baldi, oficial do Exército Austríaco, que não esperava encontrar uma cidade tão linda como Manaus. Afirmava, ainda, ser o Amazonas o dínamo do Brasil.

Registro raro da Família Imperial Brasileira em Manaus, no Palacete Mello Rezende. Foto de 1927. FONTE: Jornal do Commercio, 29/05/1927.

No dia 27, Dom Pedro, junto ao Major Floriano Machado, visitou a Fábrica de Cerveja Amazonense, de Miranda Corrêa & Cia, localizada no bairro dos Tócos (Aparecida), sendo recebido no salão de honra pelo Dr. Maximino Corrêa. O príncipe ficou bastante admirado em ver um estabelecimento industrial daquele porte. Posteriormente foi à Manáos Harbour, onde foi recebido pelo diretor, pelos gerentes e demais funcionários. Também visitou o monumental Colégio Amazonense Dom Pedro II, instituição educacional criada nos tempos do Império, deixando sua assinatura no livro de visitantes. Às 13:30 do mesmo dia, recebeu a visita de uma comissão de operários, indo depois ao Clube Inglês. Visitou o prédio dos Correios, recepcionado pelo administrador Raul de Azevedo e pelos funcionários, percorrendo todas as dependências dessa repartição. De volta ao Palacete Mello Rezende, foi visitado por uma comissão da Associação de Mestres e Práticos. À noite foi recebido no Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e, ao fim desta, compareceu a uma reunião no Clube Alemão.

Na manhã do dia 28, na companhia do Governador Ephigênio Ferreira Salles, do Prefeito Araújo Lima e de outras autoridades, a Família Imperial fez um passeio fluvial no vapor ‘Inca’. À noite a empresa Fontenelle, proprietária do Cine Polytheama, ofereceu aos príncipes uma noite de gala, exibindo o filme Uma Noite Gloriosa (1924), drama norte-americano editado pela Paramount e protagonizado pela atriz Elaine Hammerstein. Como atrações musicais figuraram a Amazônia Jazz, com vasto repertório, e a Banda da Polícia Militar do Estado do Amazonas. No dia 29, às 21:30, a Academia Amazonense de Letras realizou, no Ideal Clube, um festival artístico em homenagem aos príncipes. Dom Pedro teve uma boa impressão dessa instituição, principalmente de seus acadêmicos.

Dom Pedro de Orléans e Bragança e sua comitiva deixaram Manaus no dia 30, partindo às 17:00 horas no vapor ‘Andirá’ em direção à Belém, em de lá para o Sul. Terminava aquela que foi uma das visitas mais memoráveis que Manaus recebeu, apesar de ser pouco conhecida. Interessante notar que, décadas antes, no final do Império, em 1889, seu pai, Conde D’ Eu, em visita a cidade, fora recebido com desconfiança e manifestos dos republicanos locais. Passadas quase quatro décadas, quando a ideia de um 3° Reinado já não tinha mais tanta força quanto antes, D. Pedro pôde visitar Manaus tranquilamente, sendo bem recebido e ovacionado pelos locais em que passou.


FONTES:

Jornal do Commercio, 24/05/1927.

Jornal do Commercio, 27/05/1927.

Jornal do Commercio, 28/05/1927.

Jornal do Commercio, 29/05/1927.

O Acadêmico – Órgão dos Estudantes da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Manaus, 19/06/1927.