terça-feira, 8 de junho de 2021

O clima da Manaus antiga

Rua Lobo d' Almada, 1935. Foto de Robert Swanton Platt. FONTE: University of Wisconsin-Milwaukee Libraries.

Uma das maiores dúvidas de quem acompanha páginas que divulgam fotos antigas da cidade é como as pessoas conseguiam vestir-se, no dia a dia, com roupas tão pesadas como ternos e paletós. Não sentiam calor? A cidade era menos quente que atualmente? Ao longo desse texto tentarei responder essas perguntas.

Primeiramente, vamos ao clima propriamente dito. Posteriormente abordarei aspectos relacionados ao vestuário manauara de outros tempos. 

Deixaram interessantes registros sobre nossa situação climática os viajantes, estrangeiros e nacionais, que passaram pela cidade entre a o início do século XIX e o início do século XX.

Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, naturalistas alemães, estiveram no então Lugar da Barra (Manaus) em 1819. Os sábios tiveram boa impressão da cidade, principalmente de seu clima - "A todos êsses encantos junte-se a majestosa tranquilidade do clima equatorial, que proporciona manhãs frescas e noites serenas em alternância regular" (SPIX, MARTIUS, 1981, p. 161).

O naturalista inglês Henry Walter Bates, que viveu na região por 10 anos, entre 1849 e 1859, descreveu o clima de Manaus como "salubre" e "delicioso", ideal para atividades agrícolas (BATES, 1944, p. 362-365).

Lourenço da Silva Araújo Amazonas, Capitão-Tenente da Armada Brasileira e membro do IHGB, no verbete Manáos, do seu 'Diccionario topográfico, histórico e descriptivo da Comarca do Alto Amazonas',  afirmou que nessa parte do Império o clima extremamente quente era amenizado pelas ventanias no verão e pelas cheias no inverno. Os três bairros da cidade, da Matriz, de São Vicente e dos Remédios, por serem cortados por igarapés, "são todos assaz apraziveis e arejados" (AMAZONAS, 1852, p. 187-188).

O Tenente Coronel João Wilkens de Mattos, Presidente da Província do Amazonas, criticava em relatório de 04 de abril de 1868 o traçado das ruas da cidade, muito estreitas, pois "em clima abrasador como o nosso, as quadras ou quarteirões devem ter de 100 metros, pelo menos de face, e as ruas de 20 de largura" (MATTOS, 04/04/1868 Apud SÁ, 2012, p. 55). O Código de Posturas de 1868 proibia o corte de árvores, varas e arbustos maiores de 5 palmos em riachos, igarapés e logradouros públicos, bem como o despejo de lixo nos cursos d' água (SÁ, 2012, p. 54-55).

Em 1893 o médico e escritor riograndense Francisco Lourenço da Fonseca, de passagem pela cidade, registrou em seu livro No Amazonas (1895) que "o clima de Manáos é humido e quente", fazendo algumas análises mais detalhadas: "As nossas observações thermometricas tem accusado oscillações de 24° centigrados (minima) pela madrugada a 31,5° (maxima), isto á sombra, e n' uma corrente d' ar. No verão, é claro, estes limites thermometricos costumam ser mais elevados..." (FONSECA, 1895, p. 97).

O escritor Euclides da Cunha, em 1905, além de tecer críticas ao artificialismo da cidade, que tentava de qualquer forma copiar os modismos no Novo Mundo, sentiu-se bastante incomodado com seu clima. Registrou em carta a Afonso Arinos que o clima de Manaus "[...] traduz-se num permanente banho de vapor - e quem o suporta precisa ter nos músculos a elástica firmeza das fibras dos buritis e nas artérias o sangue frio das sucuruíubas" (CUNHA, 1905, p. 250-251 Apud RIBEIRO, 2006, p. 152-153).

A cidade dos tempos provinciais era recortada pelos igarapés de São Vicente, da Ribeira, da Bica, do Espírito Santo, dos Remédios, da Cachoeirinha, da Cachoeira Grande, de Manaus, da Castelhana e de Monte Cristo (PEDROSA, 2018, s. p). Eles se faziam presentes na vida dos habitantes dos poucos bairros que formavam a urbe, contribuindo para deixar o clima mais ameno. Parte desses igarapés foi aterrada no final do século XIX e início do XX para dar lugar a vias públicas, o que começou a alterar significativamente a sensação térmica dos moradores.

No início do século XX a temperatura de Manaus oscilava entre 24° e 37° graus, segundo consta nos relatórios do Governo do Estado do Amazonas, na seção do Observatório Meteorológico de Manaus. Esse clima tropical, considerado tórrido no verão, fazia com que o Estado tivesse gastos frequentes com a pintura de prédios públicos, que não aguentavam a ação climática:

"Pinturas diversas

E' esta uma das despezas que mais pesam ao Thesouro do Estado, pela necessidade de fazelo a quasi que annualmente, devido ao clima de Manáos; assim foram pintados:

O Quartel de Segurança, nas faces externas.

- Gradis das pontes sobre os igarapés de Manáos e Bittencourt;

- bem como as pontes de ferro sobre os igarapés da Cachoeirinha e da Cachoeira Grande.

- Finalmente, mandei proceder a uma limpeza interna e externa no reservatorio do Mocó.

Este serviço dividiu-se em: limpeza geral das caixas, sua pintura a oleo, caiação geral interna e externamente, e pintura a oleo de todo o travamento de ferro, pintura fingida das faces externas e lisa das internas e divisões da casa dos guardas" (RELATÓRIO, 1905, p. 182).

Os empresários da cidade estavam cientes dos empecilhos que o clima poderia causar aos seus negócios. Alguns buscavam diferentes formas de amenizar o calor tropical, como a firma Ahlers & Cia, que em 1911 divulgava no jornal O Marítimo ter um "magnífico vapor", nomeado Cássio Reis, "dotado de accommodações apropriadas ao nosso clima, com luz electrica e camara frigorifica" (O MARÍTIMO, 16/05/1911, p. 04). Móveis e instrumentos musicais também eram construídos de forma a resistir por mais tempo às intempéries climáticas. Max Brunn, proprietário de uma loja de pianos no Centro, informava por volta de 1899 que vendia "pianos construídos especialmente para clima tropical" (O ANNUNCIADOR COMMERCIAL, 08/07/1899, p. 04).

Como resolver esse "problema"? Márcio Nery, então Chefe da Comissão de Saneamento de Manaus, propôs 5 pontos para amenizar o calor na cidade: I) a forma como as casas são construídas; II) A arborização e cuidado das praças, largos, pátios e ruas; III) o tipo de revestimento das ruas e passeios públicos; IV) o uso de água (fontes, chafarizes e bebedouros) em locais públicos; V) dicas para amenizar o calor no interior das residências (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 132-137).

Márcio Nery registra que as casas construídas em Manaus pouco ofereciam para o aproveitamento dos ventos. Recomendava-se que os cômodos fossem amplos de forma a facilitar a ventilação e a purificação dos ambientes (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 132). 

Rua Municipal (Avenida Sete de Setembro), no trecho da I Ponte Romana, dita Floriano Peixoto, no Centro de Manaus, em 1909. Foto de Huebner & Amaral. FONTE: Cartão postal.

A arborização de ruas, praças, largos e pátios era indispensável. "A plantação de árvores frondosas e capadas", afirma Nery, "é um benefício que se presta ao transeunte. Quando o carregador, o carroceiro, o pedestre enfim, causticado pelo calor, procura um refugio, é sob as arvores das praças e das ruas que o encontra" (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 133). Era recomenda a plantação de eucalyptus rostrataficus religiosa, ficus benjamina, sorveira e oity. Nas ruas estreitas seriam plantadas uma fileira de árvores, enquanto nas largas duas fileiras, uma de cada lado. Os moradores deveriam ajudar com a arborização, plantando árvores, plantas e flores em seus quintais e pátios.

As ruas deveriam ser revestidas com materiais impermeáveis e resistentes como asfalto e paralelepípedos (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 134-135). O uso de água em locais públicos poderia ser feito das seguintes formas:

"1° - Projectando-a na atmosphera, para moderar o calor e recreiar a vista, por meio de chafarizes, repuscos e outros meios de espadamar a agua no ar; 2° - Em fontes públicas, onde os pobres possam encontrar agua para as suas necessidades; 3° - Em tanques apropriados a bebedoiro de animaes; 4° - Nos apparelhos sanitarios diversos dispostos de espaço em espaço; 5° - Na lavagem das ruas e exgottos e na irrigação dos passeios, vias publicas, jardins e logradouros publicos; 6° - No Serviço de incendios; 7° Os lagos, rios e cascatas decorativas de jardins ou quaesquer outros logradouros publicos só devem ser permittidos quando as aguas se escôem facilmente para exgottos, não consentindo que ellas permaneçam paradas mais de tres dias, afim de que se não tornem viveiros de mosquitos ou outros insectos nocivos" (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 135).

Márcio Nery sugere, ainda, que a Prefeitura crie banhos públicos destinados às pessoas mais necessitadas, que poderiam, além de se limpar, se refrescar.

As outras formas de combater o calor eram de caráter mais particular. Elas incluíam a proteção das janelas com toldos, para evitar a penetração da luz solar no ambiente, a abertura das janelas durante a noite, quando o clima é mais agradável ou o uso de persianas, venezianas e vidraças duplas e o uso de ventiladores e resfriadores de ambiente (MENSAGEM, 10/07/1906, p. 136-137).

Analisando essas fontes do início do século XX percebe-se a preocupação do Município com a questão climática. Praças, ruas e outros logradouros foram arborizados em diferentes administrações. Bebedouros, fontes e chafarizes foram construídos em diferentes pontos da cidade. As ruas foram calçadas com paralelepípedos e limpas periodicamente, apesar das deficiências da época. Mesmo nos tempos de crise econômica esses serviços não foram abandonados, sendo desse período interessantes registros fotográficos que mostram a densidade da arborização das ruas centrais (ver a primeira fotografia).

Cachoeira do Tarumã. Cartão postal de 1975. FONTE: Acervo pessoal.

Os igarapés e balneários eram os refúgios da população aos finais de semana. Os mais conhecidos foram o Igarapé do Tarumã, largamente descrito pelos viajantes do século XIX; o Parque 10 de Novembro, inaugurado em 19 de abril de 1943; e a Ponte da Bolívia, de 1958. Eles tiveram uso regular até as décadas de 1980/1990, quando a poluição os tornou impróprios ao uso humano.

A partir desse ponto vamos analisar a moda dos manauaras daquele período e o que faziam a esse respeito para amenizar o calor.

O Professor Agnello Bittencourt (1876-1975), no trabalho memorialístico 'Manaus: pródromos e sequências', registrou que a temperatura média da cidade, entre o final do século XIX e o início do XX, era 2,5 graus mais baixa que a da época em que escrevia o trabalho (1969), mas mesmo assim o calor era, às vezes, grande. Isso não impedia o uso de modas inapropriadas ao clima local:

"Mas, não menor era a elegância da época - as mulheres espartilhadas e vestidas até os pés em pesadas sêdas; os homens, transpirando em seus fraques, croisés e casacas, muitas vêzes talhados em Londres, cartola ou chapéu-côco, colête, peito engomado e colarinho alto sob a forte canícula ou nos animados bailes, tão frequentes nos palacetes particulares, em suntuoso estilo "fin-de-siècle"" (BITTENCOURT, 1969, p. 70).

Algumas senhoras da sociedade e suas filhas após o fim de uma missa na Catedral de Nossa Senhora da Conceição. Foto de 1917. FONTE: Revista Cá & Lá, ano 2, n° 12, julho de 1917 (Biblioteca Mário Ypiranga - CCPA).

O relato de Bittencourt revela uma das disputas que as elites e classes médias das cidades tropicais enriquecidas durante a expansão industrial dos séculos XIX e XX travaram: a da moda importada e do clima local não apropriado às vestimentas. Por mais que as pessoas transpirassem, os códigos sociais, os modos e modas oriundos da Europa, sobretudo da França, falavam mais alto.

Família Armindo Fonseca passeando na Rua Municipal (Avenida Sete de Setembro). Foto de 1917. FONTE: Revista Cá & Lá, n° 13, 21/07/1917 (Biblioteca Mário Ypiranga - CCPA).

A moda europeia, apesar de se impor no cenário amazônico, teve de ser, em parte, "adaptada" ao clima da região. As roupas, mesmo as mais formais, eram feitas com tecidos leves e tinham cores claras. Nesse sentido Pedrosa (2018, s. p. ) chama a atenção para as possibilidades que os álbuns fotográficos da cidade oferecem para os estudos sobre a moda e o clima:

"Um olhar mais atento sobre as fotografias publicadas em álbuns, como o Álbum Comercial de Manaus (1896) e o Vistas de Manaus (1897), permite identificar os tipos de vestimentas das pessoas que aparecem timidamente, quase escondidas, postas em segundo plano ou, em alguns casos, em grande número em espaços públicos" (PEDROSA, 2018, s. p.).

Recorte retirado do 'Álbum Vistas de Manáos', de 1897. FONTE: Instituto Moreira Salles.

O Jornal do Commercio, em 1948, na sua Coluna Social, recomenda para enfrentar o calor manauara, além dos lugares ventilados e dos banhos frios, "(...) roupas leves, folgadas e porosas" (JORNAL DO COMMERCIO, 25/05/1948, p. 02). Uniam-se aos tipos de vestimentas dos habitantes os mecanismos de amenização climática (arborização, fontes, chafarizes etc).

De 1965 a 1973 a pesquisadora Maria de Nazaré Góes Ribeiro, do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), analisou os aspectos climatológicos da cidade utilizando dados da Estação Metereológica da Reserva Florestal Adolpho Ducke. As menores temperaturas foram registradas em 1965 (17,3°), 1967 (15,1°) e 1968 (14,3°). Nesses anos as máximas foram de 37°, 36,6° e 36,6° respectivamente. (RIBEIRO, 1976, p. 231).

Entre as décadas 1960 e 1990 a cidade cresceu de forma desordenada em decorrência da migração ocasionada pela Zona Franca. Em 1960, de acordo com o IBGE, a população era de 175.343. 30 anos depois, em 1990, esse número saltou para 1.010.544 habitantes. Em uma cidade com um elevado déficit habitacional, foram necessárias, para abrigar tantas pessoas, a derrubada de áreas verdes e a ocupação de leitos de igarapés, o que alterou novamente a sensação térmica. Município e Estado foram incapazes de sanar tais problemas.

Pode-se concluir, sem querer encerrar o tema e levando em conta as lacunas da presente pesquisa, que o clima de Manaus não mudou. O que mudou foram as formas de amenização, que praticamente desapareceram. A cidade, em 2012, após pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi classificada como a segunda cidade menor arborizada do país com mais de 1 milhão de habitantes, ficando atrás apenas de Belém. Os igarapés e balneários foram poluídos e destruídos entre as décadas de 1970 e 1990. Manaus distanciou-se enormemente desses elementos, tornando seu clima cada vez mais menos suportável.


FONTES:


Relatório, 1905.

O Annunciador Commercial, 08/07/1899.

Mensagem, 10/07/1906.

O Marítimo, 16/05/1911.

Jornal do Commercio, 25/05/1948.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


AMAZONAS, Lourenço da Silva Araújo. Diccionario topográfico, histórico e descriptivo da Comarca do Alto Amazonas. Recife: Tipografia Comercial de Meira Henriques, 1852. (Biblioteca Guita e José Mindlin).

BATES, Henry Walter. O naturalista no rio Amazonas. Tradução, prefácio e notas do Prof. Dr. Candido de Mello-Leitão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. 2 v. (Coleção Brasiliana).

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus - Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969.

FONSECA, Francisco Lourenço da. No Amazonas. Lisboa: Companhia Geral Typographica Editora, 1895.

PEDROSA, Fábio Augusto de Carvalho. Vida e Morte dos Igarapés e Balneários de Manaus. 24/10/2018. Disponível em: https://historiainte.blogspot.com/2018/10/vida-e-morte-dos-igarapes-e-balnearios.html. Acesso em 08/06/2021.

PEDROSA, Fábio Augusto de Carvalho. Modos e Modas dos Manauaras no século XIX. 02/11/2018. Disponível em: http://historiainte.blogspot.com/2018/09/modos-e-modas-dos-manauaras-no-seculo.html. Acesso em 12/09/2020.

RIBEIRO, Fabrício Leonardo. Cartas da selva: algumas impressões de Euclides da Cunha acerca da Amazônia. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 44, 2006, p. 147-162.

RIBEIRO, Maria de Nazaré Góes. Aspectos Climatológicos de Manaus. Acta Amazônica, vol. 6, n. 2, jun. 1976,  p. 229-233.

SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981.

SÁ, Jorge Franco de. Manaus: higiene, meio ambiente e segurança do trabalho na época áurea da borracha. Manaus: Edua, 2021.

SOUZA, Marina. Manaus e Belém são as capitais menos arborizadas, indica IBGE. G1 Amazonas, 25/05/2012. Disponível em: http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/05/manaus-e-belem-sao-capitais-menos-arborizadas-indica-ibge.html. Acesso em 08/06/2021.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Resenha - nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus, de Aguinaldo Nascimento Figueiredo

Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus, de Aguinaldo Nascimento Figueiredo.

O livro Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus (2021) foi escrito pelo Professor e Historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Foram necessários anos de pesquisas para que viesse à luz. Aguinaldo, como bom historiador que é, debruçou-se sobre documentos históricos, jornais, revistas, livros, romances históricos, blogs, sites e, principalmente, relatos orais que coletou em diferentes momentos e de diferentes pessoas.

Nesse trabalho histórico-antropológico Aguinaldo reconstituiu as trajetórias da boemia manauara, narrando as origens de diferentes estabelecimentos, tais como pensões, prostíbulos, hotéis, bares, clubes, associações e espaços de lazer naturais como praias e igarapés. E os componentes humanos que trilharam esses caminhos? São os frequentadores, membros da elite, da classe média e populares, as prostitutas, as cafetinas, os cafetões, os valentões, os músicos e personalidades locais e nacionais.

Possui onze capítulos. No primeiro são analisadas as expressões boêmia e boemia. A primeira diz respeito à uma região da Europa Central pertencente à República Checa, famosa pela produção de cristais e cervejas. A boemia, por outro lado, é um movimento que surgiu na França no século XIX em contraponto ao Romantismo e à dominação da aristocracia. Tinha como principais característica a valorização da criatividade e o desprendimento de regras e padrões clássicos. O boêmio, habitante da Boêmia, tornou-se, com o passar dos séculos, o indivíduo materialmente desapegado, despreocupado com a vida, amante das artes e da vida (p. 13-16).

No capítulo seguinte o Professor discorre sobre o primeiro estabelecimento dedicado aos divertimentos instalado em Manaus, ainda no período em que a cidade era o insípido Lugar da Barra, dando início ao roteiro histórico e sentimental: o boteco do português conhecido como "Séo Melgaço", naqueles longínquos tempos localizado na zona portuária, no lugar denominado Ribeira das Naus (p. 16-17). Em um lugar com pouco mais pouco menos de 3.000 habitantes, constituía-se no principal centro de lazer e circulação de informações sobre a vida cotidiana, os escândalos e a política reinol. Com o tempo e crescimento da Barra, foram surgindo outros espaços, desaparecendo o boteco do português Melgaço (p. 17-18).

Saindo da Manaus Colonial, no terceiro capítulo é abordada a boemia no período da borracha, entre fins do século XIX e início do XX. Nele são traçadas as origens de cinco locais marcantes nesse período de crescimento econômico e transformações urbanas: Hotel Cassina, Bar e Café dos Terríveis, Pavilhão Universal, Bolsa Universal e Hotel Restaurant Français. Contrastando com esses lugares, luxuosos e bem frequentados, estavam os cortiços e botequins de terceira categoria, alvos frequentes das investidas das autoridades policiais e sanitárias (p. 18-29).

Com a crise do sistema de produção gomífera a boêmia se reinventou. Surgiram as pensões, onde trabalhavam como prostitutas jovens e senhoras, sem maiores perspectivas dado o estado de calamidade em que se encontrava a cidade (p. 31). Nesse quarto capítulo conhecemos as pensões do período da borracha, destacando-se a Pensão Floreaux, na Avenida Epaminondas, que funcionava como bar, casa de jogos e casa de prostituição frequentada por ricos comerciantes e profissionais liberais (p. 31-35). Com o declínio da economia surgem pensões de menor requinte, mas que ainda prestavam bons serviços. A principal foi a Pensão da Lola, instalada em um sobrado na rua Saldanha Marinho, funcionando com bar, restaurante, salão de dança e quartos para a prática do lenocínio (p. 37-39).

Terminado esse período, Aguinaldo destaca, no quinto capítulo, que Manaus viveu, entre as décadas de 1950 e 1960, o período de ouro da boemia, quando foram instalados os bares, bordéis, prostíbulos e clubes que marcaram gerações. Dos bares, elenca o Bar Avenida, Bar do Quintino, Bar Sibéria, Bar Americano, Bar São Domingos, Bar e Choperia São Marcos, Mandy's Bar, Bar do Carvalho, Bar Jangadeiro, Bar Caldeira, Bar do Armando e Bar Balalaica. Entre os bordéis destacam-se o Cortina de Ferro, Bar do Orlando, Big Bar, Restaurante e Bar Jupaty, Bar Tropical, Dancing Fortaleza, Brasília Bar, Nosso Bar, Copacabana Bar, Bolero Bar, Globo de Ouro e a Pensão Jesus (p. 39-98).

Eram tempos de valentões, cafetões, cafetinas e mulheres famosas, temas do sexto capítulo. Os valentões, heróis e anti-heróis, registra o autor, eram partícipes de brigas memoráveis, pelas quais ficavam famosos. Eram eles os Irmãos Paixão, Tamborete, Cavalo do Cão, Cachoeirinha, Nego Milton, Vinte e Oito, Cabete, Segadilha, Americola e Otinha. Todos eram conhecidos pelas proezas em brigas e arruaças, aparecendo frequentemente nas páginas policiais. Além de valentão, Cavalo do Cão, cujo verdadeiro nome era Valdemar Oliveira, também era cafetão, o mais conhecido da cidade. Já a cafetina mais conhecida foi dona Valdomira, proprietária de vários bordéis pela cidade (p. 98-103). As mulheres mais requisitadas para as práticas sexuais tinham nomes curiosos: Xib*u Venenoso, Maria Jiquitaia, Maria Batalhão, Nise, Maria Tostão, Faricão, Zaira Pé de Pato, Jacaré Ti Pega, Pitioca, Graçona, Peruana, Maria Bangu e Jercina (p. 101-103).

O sétimo capítulo é dedicado aos lupanares, casas de prostituição que muitas vezes funcionavam sob a fachada de bares. Os mais famosos foram o Bar Bom Futuro, Shangri-lá, Lá Hoje, Boate Verônica, Ângelo's, Iracema, Rosa de Maio, Piscina, Chica Bobó, Saramandaia, Selvagem, Patrícia's Bar, Maria das Patas e Poço de Caldas (p. 103-132). Destaca-se a predileção para a abertura deles na Estrada de Flores, dada sua localização, distante da área urbana, permitindo a tranquilidade e discrição entre os frequentadores.

Os clubes e associações recreativas movimentavam a cidade com seus bailes de carnavais e outros bailes temáticos, recebendo atrações artísticas locais e nacionais. No oitavo capítulo figuram o Acapulco Night Club, Maloca dos Barés, Associação Atlética de Constantinópolis e Grêmio Social e Recreativo de Educandos (p. 133-144).

Além dos lugares construídos, Manaus contava com recantos naturais, paragens bucólicas rodeadas de verde e geralmente com igarapés de águas límpidas que os tornavam ainda mais especiais. No nono capítulo conhecemos como se tornaram frequentadas a Ponta Negra, Praia da Ponta Branca (Praia do Canela), Ponte da Bolívia, Tarumã, Tarumanzinho e a Cachoeira das Almas (p. 145-153).

O penúltimo capítulo possui um tom romântico, pois trata das serenatas, dedicadas às jovens da cidade e realizadas por grupos de amigos, os seresteiros. Os seresteiros mais famosos foram Iran e Roberto Caminha, Gebes de Medeiros, Carlos Alberto Maciel, Wilson Campos, irmãos Verçosa, Orsine Marques, Roque Souza, Hélio Trigueiro, Josaphat Pires, Jaime Rebelo, Índio do Brasil, Jorge Santos, Demóstenes Carminé, Toscano, Américo, Elson Farias, José Braga, Estevam Santos, Sebastião Gomes de Medeiros, Normando, Paulo Sadi, Carlinho Chinoca e Paulo Timóteo. Atividade exercida majoritariamente por homens, a partir da década de 1960 aparecem mulheres seresteiras como Kátia Maria, Ilka de Souza, Maria Neide e Guiomar Cunha (p. 154-156). Também despontam os trios musicais e os conjuntos. Dos primeiros cita-se o Ajuricaba, Três Brilhantes e Trio Iraúna. Os conjuntos foram os Embaixadores, The Sunshine e Blue Birds Band, este último fundado em 17 de junho de 1967 e ainda em atividade (p. 156-158).

O último capítulo é uma pequena galeria de artistas que fizeram e ainda fazem parte da boemia manauara. São eles Nelson Gonçalves (1919-1998), Salim Gonçalves (1935-2007), Abílio Farias (1947-2013), Ludimar Teixeira, o Teixeira de Manaus, José Costa de Aquino, o Carrapeta (1936-2019), Cleonice Galvão do Nascimento, a Kátia Maria (n. 1940), e Celestina Maria (p. 158-166).

Faltava em nossa historiografia um trabalho de peso, escrito de forma bem humorada, como pede o tema, que desse conta de reconstituir essa parte da História de Manaus, até então tratada de forma pontual em trabalhos memorialísticos. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:


FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus. Manaus: edição do autor, 2021.



quarta-feira, 2 de junho de 2021

Manaus e suas escadarias

Escadaria da rua Tapajós, no Centro. FONTE: Google Maps, 2019.

As escadarias, em uma definição bem simples, são vias de acesso formadas por lances de escadas construídas para facilitar nosso trânsito em determinados lugares. Elas são construídas em edifícios públicos, igrejas, residências, portos, escolas e ladeiras. São um dos vários lugares que passam despercebidos no nosso dia a dia, apesar do uso. Nesse texto vou falar de algumas escadarias de Manaus, existentes e já desaparecidas. Me perdoem se esquecer de alguma (s).

Vamos às mais antigas. As da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, a Igreja Matriz, foram construídas na administração de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892-1896). Elas possuem o formato de lira, instrumento musical de corda que na Mitologia Grega era utilizado pelo Deus Apolo, que além de Deus Sol eram também associado às Artes e à Música. Na década de 1990, acima delas, foram instalados azulejos que retratavam a Via Sacra. Eles foram destruídos no último restauro, pois não faziam parte do projeto original de fins do século XIX.

As escadarias da Igreja Matriz vistas de cima. Foto de 1968. FONTE: Blog Baú Velho.

O Teatro Amazonas possui quatro escadarias, todas feitas em mármore de Carrara. As frontais, no Largo de São Sebastião, são as principais, levando aos jardins e à entrada do Teatro. As laterais ficam nas ruas José Clemente e 10 de Julho. As da parte de trás ficam na Avenida Eduardo Ribeiro. Com o mesmo mármore de Carrara foram feitas as belíssimas escadarias do Palácio da  Justiça.

A escadaria de acesso ao segundo andar da Biblioteca Pública do Amazonas, na rua Barroso, é um trabalho artístico ímpar. Foi confeccionada pela empresa escocesa Walter MacFarlane & Company. Da mesma forma são belas as do Palácio Rio Negro, na Avenida Sete de Setembro, feitas com madeiras regionais e decoradas com duas esculturas femininas feitas em bronze. Por ela passaram Governadores, visitantes ilustres e, nos dias de hoje, visitantes do Centro Cultural Palácio Rio Negro.

Escadaria da Biblioteca Pública do Amazonas. FONTE: Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Amazonas.

Das escadarias localizadas em escolas, pode-se citar as do Instituto Benjamin Constant, na rua Ramos Ferreira, construído em 1894; as do Instituto de Educação do Amazonas (IEA), na mesma rua, de 1944; e as do Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, na Avenida Sete de Setembro, concluído em 1886.

No início da rua Xavier de Mendonça, no bairro de Aparecida, às margens do Igarapé de São Vicente, existe uma pequena escadaria feita em pedra do tipo jacaré, abundante em outras épocas. Nela atracam canoas de moradores, trabalhadores da área e banhistas que, entusiasmados com a paisagem, a utilizam como local de salto para as águas escuras do igarapé. Sua construção se deu na administração do Prefeito Antônio Botelho Maia (1936-1941), conforme informado em Mensagem do edil à Câmara Municipal em 15 de abril de 1937, servindo não só para a atracação de embarcações, mas também para o embelezamento dessa parte da via, onde ficava a saída do esgoto.

Orla dos Remédios, 1956. FONTE: Brasil Revista, 1956.

A escadaria da Praça Torquato Tapajós, mais conhecida como dos Remédios, foi erguida em 1944 na gestão municipal de Francisco do Couto Vale, conforme noticiado pelo Jornal do Commercio em edição de 07 de setembro de 1944. As obras ficaram a cargo da empresa 'Electro-Ferro Construções S. A.". Ela durou décadas, desaparecendo com a construção da Avenida Manaus Moderna, entre as décadas de 1980 e 1990. Nela atracavam embarcações de pequeno e médio porte e eram comercializados diferentes gêneros alimentícios. Foi palco de inúmeros assaltos, brigas, tentativas de homicídio e homicídios, sendo uma referência frequente nas páginas policiais.

Na rua Tapajós, no Centro, com início na Escola Estadual Frei Sílvio Vagheggi, existe uma escadaria com três lances de escadas. Ela facilita a comunicação entre essa rua e a Leonardo Malcher, já que o trecho é uma pequena ladeira. Na edição de 13 de maio de 1965 do Jornal do Commercio, em texto dedicado aos serviços de reparo das ruas da cidade pela Prefeitura, é citado que a escadaria, uma velha aspiração dos moradores da rua Tapajós, teria suas obras iniciadas ainda no mês de maio daquele ano. Não se sabe quando foi concluída, mas até hoje é utilizada pelos que enfrentam a descida ou a subida entre as ruas.

Escadaria João Veiga. FOTO: Elza Souza.

De acordo com a memorialista Elza Souza, existem no bairro de São Raimundo pelo menos duas escadarias: a Escadaria João Veiga, localizada na rua Boa Vista, que levava à extinta orla da Beira-Mar, hoje Parque Rio Negro; e a Escadaria da Goela, localizada entre a rua 05 de Setembro e a antiga rua Sagrado Coração de Jesus. Ela lembra de as ter conhecido quando ainda eram de madeira, utilizando-as para chegar na praia que circulava a colina do bairro.

Em outros bairros existe um sem número de escadarias. Simples ou rebuscadas, funcionais ou decorativas, são lugares cheios de Histórias, marcando a paisagem urbana da cidade.


FONTES:


Jornal do Commercio, 13/05/1965, p. 07.

Mensagem, 15/04/1937. In: Jornal do Commercio, 25/04/1937, p. 07.

Jornal do Commercio, 07/09/1944, p. 03.

Entrevista com Elza Souza, 01/06/2021.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guilherme Aluízio de Oliveira Silva, um jovem jornalista

Guilherme Aluízio de Oliveira Silva, à esquerda, entrevistando o Dr. Francisco Cavalcante de Oliveira. Foto da década de 1950. FONTE: Acervo da família Silva.

Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019), muito antes de ser um grande empresário do ramo da comunicação, proprietário do centenário Jornal do Commercio de Manaus, foi jornalista, tendo iniciado sua carreira em 1955 aos 18 anos no extinto jornal A Gazeta, à época propriedade do político Arthur Virgílio Filho (1921-1987).

Nesse periódico atuou como repórter e redator, produzindo matérias de alta qualidade e grande repercussão, como a intitulada Dois gêneros de primeira necessidade provocam séria crise no consumo, em que registrou o desespero dos manauaras diante da falta de farinha de trigo e açúcar, o que gerou uma grave crise, sendo necessário o racionamento do pouco que ainda existia e do que era apreendido em fiscalizações nas imediações do porto. O problema só foi superado com a compra em grandes quantidades feitas pela COAP (Comissão de Abastecimento e Preços) em casas comerciais do Pará.

Além das matérias investigativas, notabilizou-se na produção de relatos de viagem. Comecemos por sua Excursão do Rio Negro a Nova Olinda. Nele descreve com riqueza de detalhes a viagem, realizada por iniciativa do Atlético Rio Negro Clube e da Petrobras, à cidade de Nova Olinda, onde estava sendo feita a prospecção de petróleo. Ele destacou, logo ao chegar, que os tripulantes da chatinha ‘Irineu Evangelista’ ficaram admirados “[…] com o muito que tem feito a Petrobras por aquela cidade madeirense, no que diz respeito às suas ruas em linha reta e nas bonitas construções erigidas quase que em plena selva”.

Posteriormente a essa passagem por Nova Olinda, recordou sua terra natal, Beruri, no texto Recordando o Berury. O lugar que Guilherme descreveu era modesto, com quatro ruas e cerca de 1000 habitantes, tendo como principais atividades econômicas o plantio, a colheita da castanha, a pesca e a indústria manual. A Petrobras estava em busca de petróleo nessas terras. “As esperanças do seu povo convergem para o ouro negro”, registrou o autor, “aquele mesmo que jorrou em Nova Olinda”. A partir desse ponto ele passa a exaltar a natureza e a vida bucólica de Beruri, em contraste com a correria e artificialismo das grandes cidades: “Pequenino lugar encravado no barro vermelho do Purus, que nos viu nascer, tu estás ausente das orgias da cidade, das noturnas bacanais, da “very kar society”. Não tens carros nem jipes atropeladores, esses monstros sob rodas que matam e atrofiam os pedestres. A vaidade, a descompostura e a falsidade não existem entre teus filhos. És esquecido, mas melhor que lembrado”.

Sua série de reportagens de viagens mais longa chama-se Belém em seis dias, dividida em seis partes. A estadia de seis dias na capital paraense ocorreu com contexto de estreitamento de laços entre os membros do Orbis Clube de Manaus, do qual Guilherme era membro, e o Orbis Clube de Belém. O Orbis era uma entidade social que congregava jovens de diferentes classes sociais e ocupações. Foi criada com os objetivos de garantir a educação gratuita, atividades culturais e o estudo e soluções de problemas sociais. Nos dias em que a comitiva do Orbis de Manaus esteve em Belém, tomou nota sobre diferentes aspectos da cidade, como o comércio, as indústrias, os pontos turísticos, a culinária e a vida social. Ao final de sua estadia afirmou o seguinte: “A Belém que nós vimos em seis dias, e que foi pintada por nós nestas reportagens, está bem nítida aos nossos olhos, e dêles ninguém tirará a impressão maravilhosa do que é a grande cidade – centro de um povo bom e amigo”.

Em 24 de janeiro de 1958 escreveu um belo texto em comemoração ao aniversário do jornal A Gazeta. Com título simples, Parabéns, “A Gazeta”!, descreveu de forma brilhante a trajetória de lutas do vespertino, fundado em 24 de janeiro de 1949. “Eram tempos”, escreve Guilherme, de “glórias alcançadas com o sacrifício e o esforço de um punhado de bravos jornalistas, que a tempo e hora se lançou numa tarefa, com um futuro ignorado, construindo e conceituando o grande jornal de hoje”. Nesta homenagem não citou apenas os colegas de redação, o Diretor Arthur Virgílio, o Secretário Caupolican Padilha e o Gerente Augias Gadelha, também deixando registrados os nomes dos funcionários que trabalhavam com o maquinário: Costa Novo, Nonato da Costa, Dalmo, Rebelo, Osmar, Solondino, Corrêa Lima, Francisca e Eduardo. Todos eram peças importantes para o dinamismo e qualidade ímpares do jornal.

Nesse período Guilherme tinha como companheiros de trabalho os jornalistas Milton de Magalhães Cordeiro, Wanderley Barbosa de Pinho, Júlio César da Costa, Aldévio Praia, Thomaz Tavares, Ulysses Oyarzabal (fotógrafo), Leonardo Parentes de Araújo, Benedito de Jesus Azêdo, Raimundo Nonato de Magalhães Cordeiro, Frânio Lima, Thomaz Meireles Neto, Guilherme Gadelha, Lenize Carvalho e Andréa Limongi.

Guilherme Aluízio foi um jovem que lutava bravamente por seus ideais, principalmente os que diziam respeito à educação. Foi um membro ativo da União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas (UESA), chegando a candidatar-se à presidência da mesma, viajando para o interior do Estado para angariar votos dos colégios interioranos. Mesmo não sendo aluno do Colégio Estadual do Amazonas (Dom Pedro II), registrou de forma vibrante, no texto A Vitória que eu vi, a eleição do amigo jornalista do jornal A Tarde, Waldy Machado, para a presidência do Centro Estudantil Plácido Serrano, tendo como vice Manuel Luiz. Deve-se destacar, também, sua participação política como um dos oradores do Núcleo Central Pró Arthur Virgílio em 1958.

Sua vida social era rica. Foi membro dos principais clubes da cidade. No já citado Orbis Clube foi eleito Presidente em 1959. Sua posse foi realizada no dia em que o clube comemorou um ano de fundação. Estiveram presentes o Governador Gilberto Mestrinho, o Prefeito Lóris Cordovil e outras autoridades, bem como empresários de envergadura no Estado. No Atlético Rio Negro Clube fez parte da Juventude Rionegrina. Já no Ideal Clube atuou como Diretor de Imprensa do Boletim Social da casa. É em um desses boletins, de 1960, que figura um de seus mais belos textos, Num Mors... necrológio (elogio fúnebre) em homenagem ao Desembargador Emiliano Stanislau Affonso (1881-1960), então o único sócio-fundador do clube ainda vivo. A passagem do desembargador era uma “pêrda irreparável, lacuna impreenchível, ausência sentida”, mas sua “presença espiritual” jamais seria esquecida.

Guilherme deixou o jornalismo em 1960, quando começou a trabalhar nas empresas de seu pai, Álvaro Fachina da Silva (1908-2000). Ele foi um jornalista completo, escrevendo matérias investigativas, relatos de viagens, elogios fúnebres e atuando no meio político e social. Tal experiência, mais de duas décadas depois, resultaria na aquisição e modernização do Jornal do Commercio de Manaus.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

24 de maio de 1884: Abolição da Escravidão em Manaus

Recorte do jornal 'Amazonas'. FONTE: Amazonas, 24/05/1884, p. 01.

Apesar de ser pouco conhecida e não fazer parte do calendário oficial do Estado, a data de 24 de Maio é de extrema importância para a História do Amazonas no que diz respeito à luta contra a escravidão.

No dia 24 de maio de 1884 o Presidente da Província do Amazonas, Theodoreto Carlos de Faria Souto (1841-1893), declarou o fim da escravidão na cidade de Manaus. Um mês e meio depois, em 10 de julho, a escravidão seria abolida em toda a Província. Manaus foi uma das primeiras cidades do Império a abolir essa prática, sendo precedida, em 1883, pelas vilas de Acarape,  Pacatuba, São Francisco, Aracoiaba, outras localidades e a cidade de Fortaleza, ambas na Província do Ceará.

Para que Manaus e, posteriormente, o Amazonas, se vissem livres de tão antigo sistema econômico, que por séculos foi o sustentáculo do país, foram necessários anos de lutas de várias entidades abolicionistas, destacando-se a 'Sociedade Emancipadora Amazonense', fundada em 1870, e da Maçonaria, que atuavam na Assembleia Legislativa Provincial da Província e também compravam cartas de alforria. De 1869 a 1884 foram criadas leis visando a libertação dos negros escravizados, garantindo nos orçamentos da Província quantias para a compra de alforrias.

A lei n° 184, de 19 de maio de 1869, destinou 10:000$000. A n° 200, de 05 de maio de 1870, 12.000$000. A n° 219, do ano seguinte, a mesma quantia para os escravos que nascessem a partir daquela data. A lei n° 444, de 31 de janeiro de 1880, garantiu a liberdade de dez escravos; e a n° 620, de 14 de junho de 1883, a liberdade de dezessete (AMAZONAS, 24/05/1884, p. 01) Finalmente, no dia 24 de maio de 1884, o Presidente Theodoreto Carlos de Faria Souto anunciava, na Praça Dom Pedro II, que tinha fim a escravidão na cidade de Manaus. Por conta dessa ação, Thedoreto Souto foi demitido do cargo pelo Gabinete Lafayette, comandado por Lafayette Rodrigues Pereira, Presidente do Conselho dos Ministros.

Deve-se destacar que os escravos não foram passivos diante da escravidão. Nos jornais do século XIX e em outros documentos encontramos vários registros de fugas, de rebeldia contra agressões e trabalhos extenuantes, sendo essas as principais formas de resistência verificadas na Província do Amazonas e em outras localidades do Império.

A antiga Rua da Constituição foi renomeada, de acordo com o Historiador Mário Ypiranga Monteiro, no livro Roteiro Histórico de Manaus, como 24 de Maio em 24 de fevereiro de 1887 por proposta dos vereadores Silvério José Nery, José Carneiro dos Santos e Manuel Ramos, ambos abolicionistas (MONTEIRO, 1998, p. 723).


FONTES:


Amazonas, 24/05/1884.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. 2 vols. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.

domingo, 23 de maio de 2021

José Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008)

Senador José Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008). FONTE: Blog do Dep. Estadual Serafim Corrêa.

Há 13 anos partia o saudoso Senador José Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008). Antes de iniciar sua carreira política, formou-se em Direito na UFAM, fazendo pós-graduação em Ciência Política no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e em Administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV), lecionando Economia na primeira instituição. Atuou como Inspetor Geral de Vigilância da Vara de Menores e Secretário do Tribunal de Justiça do Amazonas. Foi eleito Vereador por Manaus em 1988, se reelegendo em 1992. Ficou no cargo até 1995, pois em 1994 havia sido eleito Senador pelo Amazonas, conseguindo a reeleição para esse cargo em 2002, com mais de 500 mil votos, tomando posse em 2003 e o exercendo até 2008, ano de seu falecimento. Apaixonado pelo Amazonas e pela região Amazônica como um todo, em seu último pronunciamento registrou: "Não tenho medo da cobiça internacional, mas sim da nacional, das ações de pecuaristas e madeireiros que poderão levar ao holocausto ambiental da região". Além de nos legar uma brilhante trajetória na arena política, atuando em diferentes comissões no Senado como Titular e Suplente, foi, no campo cultural, membro do Clube da Madrugada, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e da Academia Amazonense de Letras (AAL). Ele nos legou o brilhante trabalho memorialístico "Evocação de Manaus: como eu a vi ou sonhei" (1984), no qual narra o cotidiano da cidade entre as décadas de 1940 e 1950, a cidade que viu, sentiu e sonhou quando "despertou para o mundo". Deixo essa nota biográfica em homenagem ao ilustre Professor, Político e Escritor que foi.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:


ANDRADE, Moacir. Antologia Biográfica de Personalidades Ilustres do Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial do Amazonas, 1995.

JEFFERSON Péres era conhecido por posturas éticas e posições firmes na política. Senado Notícias, 23/05/2008. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/05/23/jefferson-peres-era-conhecido-por-posturas-eticas-e-posicoes-firmes-na-politica. Acesso em 23/05/2021.

PÉRES, Jefferson. Verbete. In: ABREU, Alzira Alves de et al (coords.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/peres-jeferson. Acesso em 23/05/2021.

Cemitério de São João Batista: Jazigo da família Nogueira da Silva

Jazigo da família Nogueira da Silva. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

O jazigo da família Nogueira da Silva está localizado na quadra 06 do Cemitério de São João Batista, em Manaus. Seu formato de mãos postas em oração chama a atenção dos visitantes. Ele foi construído para homenagear Alonso Nogueira da Silva (1915-1962), sobre o qual conseguiu-se informações através de um de seus filhos, Rosenaldo Tavares da Silva:

"Meu pai teve uma vida trabalhando como Regatão, viajando pelo Rio Purus, até Boca do Acre. Levava de Manaus gênero alimentício não perecível e vendia, ou trocava, por produtos tipo castanha, juta, sorva, borracha etc. Em Manaus, negociava aqueles produtos com empresas beneficiadoras ou exportadoras. Naquela época, década de 1950, havia o Banco da Borracha, hoje BASA, que incentivava aquela atividade. Meu pai faleceu precocemente, aos 46 anos de idade, vítima de infarto do miocárdio, em 16 de setembro de 1962".

A obra foi executada pelo escultor alagoano Geraldo Florêncio de Carvalho, proprietário da empresa Calima Ltda, também responsável pela construção do túmulo do Ex-Senador pelo Amazonas Leopoldo Tavares da Cunha Melo (1891-1962), localizado no mesmo cemitério, e pela remodelação da Praça da Saudade em 1964.

Fui informado pelos filhos de Alonso Nogueira da Silva que existe um túmulo semelhante no Cemitério Municipal de São José, em Parintins. Realizando pesquisas no site Arte Funerária Brasil, descobri que existe um jazigo de mesma feição no Cemitério São Pantaleão, também conhecido como Cemitério do Gavião, em São Luís, no Maranhão. Sobre o exemplar do cemitério de Parintins, de acordo com a jornalista Bruna Oliveira, em matéria do jornal Em Tempo, ele pertence à família do empresário Dodó Carvalho (OLIVEIRA, 2019).

Jazigo do Cemitério Municipal de São José, em Parintins. FOTO: Bruna Oliveira, 2019.

O site Arte Funerária Brasil descreve o jazigo do Cemitério São Pantaleão da seguinte forma: "A PRECE, século XX. O jazigo destaca-se do seu entorno por colocar em sua cabeceira uma escultura enorme que representa as mãos na posição de oração. Sobre ela está assentada a cruz latina. Atentar para o realismo das mãos feitas provavelmente de concreto".

O jazigo do Cemitério São Pantaleão, em São Luís, no Maranhão. FOTO: Site Arte Funerária Brasil.

No livro Cemitério Municipal de São João, o arquiteto Humberto Barata Neto classifica o jazigo da família Nogueira da Silva como sendo um exemplar de arquitetura Kitsch (BARATA NETO, 2012, p. 32). A arquitetura Kitsch é caracterizada pela presença de criatividade, exagero em decorações e dimensões. As 'mãos em oração' do Cemitério de São João Batista são bastante realistas, possuindo detalhes nas dobras dos dedos, nas unhas e nas articulações. Antigamente elas eram pintadas em rosa claro, tendo recebido atualmente nova pintura em branco.

Jazigo da família Nogueira da Silva em 1977. FONTE: Jornal do Commercio, 28/10/1977, p. 01.

Jazigo da família Nogueira da Silva com a antiga pintura. FOTO: Site Arte Funerária Brasil.

Jazigo da família Nogueira da Silva. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Jazigo da família Nogueira da Silva. Parte de trás. FOTO: Fábio Augusto, 2019.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARTE Funerária Brasil. Cemitério São Pantaleão. Disponível em: artefunerariabrasil.com.br/cemiterio-sao-pantaleao/#histria.

BARATA NETO, Humberto D. F. Cemitério Municipal de São João. Manaus: Governo do Estado do Amazonas - Secretaria de Estado de Cultura, 2012.

OLIVEIRA, Bruna. Cemitério: desenterrando as histórias de quem já morreu em Parintins. Lugar que muita gente evita, mas é rico em histórias da Ilha Tupinambarana. Em Tempo, 01/07/2019.