segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A febre do ouro no Brasil: o Ciclo da mineração

Mapa das Minas Gerais, século 18.

Desde o início das Grandes Navegações, ouro e pedras preciosas atiçavam a imaginação dos europeus, que esperavam encontrar nos territórios descobertos grandes riquezas como as do lendário reino de El Dorado, em algum lugar das Américas ;e as do reino do cristão Preste João, inicialmente citado na Ásia e mais tarde na África.

No Brasil, as primeiras notícias sobre a existência de ouro surgem na época do descobrimento, em 1500, quando os europeus tiveram os primeiros contatos com os nativos que aqui viviam. Isso ficou registrado na Carta a El-Rei D. Manuel, de autoria do escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha.

"O Capitão, quando eles vieram (índios), estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço [...] um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro." - (Carta de Pero Vaz de Caminha).

Várias foram as tentativas do reino de Portugal de encontrar ouro no Brasil. Foram organizadas inúmeras entradas, expedições organizadas e financiadas pela coroa, e bandeiras, expedições organizadas por particulares, para desbravar o interior em busca de minas. Enquanto isso, os espanhóis saqueavam os metais preciosos dos povos do México e do Peru, e também descobriam minas de ouro e prata. No Brasil, o ouro foi descoberto por bandeirantes paulistas no final do século 17.

"Em 1693, Antônio Rodrigues de Arzão descobriu ouro em Cataguases, atual estado de Minas Gerais; pouco depois, em 1698, Antônio Dias Oliveira descobriu ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto; e, em 1700, foi a vez de Borba Gato achar ouro em Sabará. [...] em 1719, Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro em Cuiabá e, em 1722, Bartolomeu Bueno Filho achou riquezas em Goiás" - (VICENTINO e DORIGO, 1997, p. 128).

Em 1729 foram descobertos diamantes no Arraial do Tijuco, atual Diamantina, em Minas Gerais. Inicialmente, as minas de diamante foram entregues para particulares, chamados contratadores e, mais tarde, o próprio governo português assumiu a exploração diamantífera.


Mineração de Diamante. Pintura de Carlos Julião.

Essas descobertas causaram uma grande migração de brasileiros e estrangeiros para as regiões das minas, Goiás e Mato Grosso,  que buscavam enriquecer com a mineração. No país, a população passou de 300 mil habitantes no final do século 17, para 3.300.000 mil no final do século 18. Com a mineração como principal atividade econômica e o solo pouco fértil, a agricultura e a criação de animais ficavam de lado, o que acabava gerando a falta de alimentos nessas áreas.

"A mineração produziu uma rápida concentração de populações em zonas pouco férteis, provocando uma grande procura de alimentação e crises terríveis de fome. Como solução, os mineradores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais passaram a ser abastecidos com reses dos criadores do vale do São Francisco e sertões do Nordeste." (SIMONSEN, 1937, p. 239).

A mão de obra utilizada na mineração era escrava africana. Para o Brasil vieram dois grupos: os bantos e os sudaneses. Se dirigiram para Minas e a região Centro Oeste os sudaneses, negros fortes, altos e de elevado nível cultural. Foram de grande importância nesse ciclo econômico, pois traziam de seu continente séculos de experiência em mineração, tanto é que eram conhecidos como escravos britadores.

A "febre do ouro" foi responsável por conflitos nas Minas Gerais. A região atraiu colonos de vários cantos do país, que não eram bem recebidos pelos paulistas, os descobridores do ouro na região. Os paulistas apelidaram essas pessoas de Emboabas, que significa estrangeiro. Nesse confronto morreram centenas de emboabas e paulistas. O governo português interveio e separou a capitania de São Paulo e Minas Gerais da capitania do Rio de Janeiro. A criação das Casas de Fundição em 1720 e a cobrança de impostos motivou a revolta de Vila Rica, liderada por Filipe dos Santos, no mesmo ano. A revolta foi reprimida pelas autoridades e Filipe do Santos enforcado e esquartejado.


Vila Rica, 1820. Arnaud Julien Pallière.

O ouro propiciou o surgimento de núcleos urbanos como Vila Rica, São João Del Rey, Congonhas do Campo e Pirenópolis. A sociedade colonial se tornou mais diversificada, com mineradores, comerciantes, artesãos, tropeiros e advogados. As possibilidades ascensão social eram maiores. O eixo econômico e administrativo da Colônia, localizado até então na mais populosa e rica região, o Nordeste, mudou para a região Centro-Sul. Estradas foram abertas, cidades foram interligadas e surge pela primeira vez um mercado interno.

"Em 1763, por causa sobretudo de sua proximidade com as lavras de ouro, o Rio de Janeiro substituiu Salvador como capital da colônia, uma mudança que afetaria para sempre o Brasil. Ao escoar para a Europa a maior parte do metal precioso da colônia e, no sentido inverso, receber boa parte dos escravos e produtos destinados às lavras, o porto do Rio de Janeiro se tornou o mais importante da América Portuguesa." (FIGUEIREDO, 2012, p. 236)

Os filhos dos mais ricos iam estudar na Europa, e acabavam trazendo da viajem ideais iluministas, que mais tarde influenciariam várias revoltas no país. Nesse período, as artes, música, literatura, pintura e arquitetura se tornam mais refinadas, como fica evidente nas inúmeras igrejas barrocas e casarões construídos em Minas Gerais,  na composição de músicas sacras e nas obras arcadistas de Tomás Antônio Gonzaga  e Cláudio Manuel da Costa.

O conjunto de artistas mais atuante e criativo do Brasil no século XVIII era formado por dezenas de entalhadores, escultores, pintores e douradores [...]. Além de propiciar a aparição de uma fina escola de arquitetura e artes plásticas, a corrida do ouro estimulou o surgimento do movimento musical de expressão mais elevada nas Américas [...]. A literatura e a poesia fecham o rol dos subprodutos culturais da corrida do ouro. [...] A expressão máxima desse movimento foi o poeta Cláudio Manuel da Costa. (FIGUEIREDO, 2012, p. 234, 235)


Interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto. Fernando Piancastelli.

O ouro brasileiro também serviu para aliviar as dívidas portuguesas, em sua maioria com a Inglaterra. O Tratado de Methuen, firmado entre os dois países em 1703, estabelecia que Portugal comprasse tecidos ingleses, enquanto a Inglaterra comprava vinhos portugueses. Os tecidos ingleses tinham um valor muito mais elevado que os vinhos lusitanos.

"Os metais preciosos realizaram assim um circuito triangular: uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706-1750), em especial nos gastos da Corte e em obras como o gigantesco Palácio-Convento de Mafra; a terceira parte, finalmente, de forma direta, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra." (FAUSTO, 2001, p. 49, 50) 

Portugal, visando a maior arrecadação de lucros, criou mecanismos de distribuição de terras, fiscalização e cobrança sobre o ouro extraído das minas. Em 1702 foi criada a Intendência das Minas, órgãos presentes nas regiões mineradoras, cuja função era a distribuição de terras para a extração de ouro, a fiscalização e a cobrança de impostos sobre o metal extraído. Para evitar o contrabando, foi proibida a circulação de ouro em pó e em pepitas e, em 1720, foram criadas as Casas de Fundição, locais onde o ouro extraído era derretido e transformado em barras.

"O imposto cobrado pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro encontrado em suas colônias correspondia a 20% , ou seja, 1/5 (um quinto) do metal extraído que era registrado em "certificados de recolhimento" pelas casas de fundição. Este absurdo e altíssimo imposto, foi intitulado "O Quinto". [...] A Coroa Portuguesa quis, em determinado momento, cobrar os "quintos atrasados" de uma única vez, no episódio que ficou marcado em nossa história como "A Derrama". [...] Afonso Sardinha, em seu testamento declarou que guardava o ouro em pó em vasos de barro. Outro uso comum era o de imagens sacras ocas para esconder o ouro, daí a expressão "santo do pau oco". "(Reinaldo Luiz Lunelli)


Aos poucos as jazidas foram se esgotando, já que a extração era intensa e não possuía planejamento. Na segunda metade do século 18 a produção de ouro começara a cair gradualmente e, para reverter a perda de lucros, a Coroa Portuguesa aumentou os impostos. Esse aumento de impostos e o descontentamento da população, que não conseguia mais pagar o quinto por causa do esgotamento das jazidas, culminou, em 1789, na Inconfidência Mineira. A extração de ouro continuou nas décadas seguintes, mas não na mesma quantidade de antigamente.


FONTES: Carta a El-Rei D. Manuel. Pero Vaz de Caminha. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em 25/10/2014.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500 - 1820. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937.

FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura!: a corrida do ouro no Brasil (1697 - 1810). Rio de Janeiro: Record, 2012.

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.

Reinaldo Luiz Lunelli. A atualização do Quinto. s.d. Disponível em: http://www.portaltributario.com.br/artigos/atualizacaodoquinto.htm. Acesso em 29/10/2014.


CRÉDITO DA IMAGEM: http://rafaelflaneur.wordpress.com/
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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Manaus, sua origem: Considerações finais

Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro, 1754.

Manaus, 345 anos de muita História e Estórias. 345 anos de uma data que mescla o possível ano da fundação da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro, em 1669; com o dia e mês de um fato registrado, a elevação de Manaus à categoria de cidade, em 24 de outubro de 1848. Apesar de todos os percalços e a pinta de província, Manaus nos acolhe carinhosamente em seu seio. FELIZ 345 ANOS. - Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, 17, é estudante do ensino médio e pesquisador, autor dos artigos publicados no Jornal do Commercio, Quando Manaus foi Bela e Praças: convivência x recreação. É dono do blog História Inteligente, onde publica textos de História Geral, História do Brasil e História da Amazônia.


Declarações de alguns moradores ilustres


A ti Manaus:

Aguinaldo Nascimento Figueiredo.

"Manaus é a cidade mais universal que conheci em minhas andanças e olha que foram muitas. Mesmo tendo oportunidade de viver em outros lugares, supostamente paradisíacos, preferi ti escolher como meu asilo até a consumação do meu tempo. Em Manaus tudo é democrático, até mesmo o senso comum. É um lugar tão pitoresco que até babacas tem seus 15 segundos de fama e alguns até ensaiam pérolas filosóficas ou são eleitos para governar a cidade. Manaus tem um povo maravilhoso, não apenas o nativo, mas todos aqueles que a escolheram como berço e refúgio. Cidade cosmopolita, padece de muitas anomalias e de muita irresponsabilidade, principalmente por parte daqueles que juram tomar conta dela e fazem tudo ao contrário. Mas um dia ela vai se livrar dessa mediocridade e vai resgatar seu rumo, refazer e redesenhar seu futuro, para isso conte comigo minha aldeia mais globalizada do planeta Terra." - Aguinaldo Nascimento Figueiredo, 56, é professor e historiador amazonense, autor de História Geral do Amazonas, Santa Luzia: História e memória do povo do Emboca, Os Samurais das Selvas: a presença japonesa no Amazonas e centenas de artigos publicados em jornais e revistas.


Otoni Moreira de Mesquita.

"Cada um carrega sua cidade que constrói dentro si. Feita de experiências e vontades, resultado dos desejos e necessidades, construída a partir dos trajetos e contatos, dos cenários e paisagens experimentadas; dos cheiros e sabores registrados, dos personagens do cotidiano e da ficção e do imaginário. Tão material quanto abstrata. Grande parte inventada. Limites variáveis. Do estreito e seco ao mais amplo espaço. O homem que não está vazio não passará em branco pelas coisas que se manifestam na cidade. Poderá até deixar suas marcas, mas independentemente de sua vontade ela haverá de acompanha-lo a onde quer que vá, Não importa qual seja ela. Do norte ou do sul, pobre ou rica se fixará independente de seu gosto ou vontade." - Otoni Moreira de Mesquita, 61, é historiador, artista plástico e jornalista, autor de La Belle Vitrine: Manaus entre dois tempos 1890/1900 e Manaus: História e Arquitetura - 1852/1910.



Ed Lincon.

Por que eu amo Manaus?

"Porque essa é a cidade mais calorosa do mundo. Nossa cultura é rica. Nossa historia é cheia de mistérios e curiosidades. Eu amo Manaus acima de tudo!"- Ed Lincon, 45, é pesquisador sobre os cinemas de Manaus.


Rosa dos Anjos.

"Hoje seria um dia comum se nao fosse pelos 345 anos de uma cidade que me faz sempre voltar, quando viajo, pela comida, pelo carisma do povo, pela história,por tudo o que ela representa em minha vida. MANAUS ,MÃE DAS ÁGUAS, ENCANTADA TE AMO! Parabéns pelos seus 345 anos!" - Rosa dos Anjos é artista visual, agitadora cultural, estudante de Engenharia e Presidente da ACEAM (Associação de Cultura do Estado do Amazonas). É autora de uma das esculturas que fazem parte do roteiro turístico da cidade, a onça do CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva).


Maria Evany do Nascimento.

Um poema para a amada:

Viajar é sempre bom!
Melhor ainda é voltar. Pra mim é assim.
Quando viajo alimento meus olhos de coisas novas, meus ouvidos, meu paladar, todos os meus sentidos se renovam.

Mas o desejo de renovação não quer ficar só em mim, quer abraçar minha cidade. Tudo o que experimento e gosto eu desejo ter na minha cidade. Não para deixá-la cópia de outros lugares, afinal de contas nosso "porto de lenha nunca será Liverpool". Desejo ter na minha cidade suas belezas exaltadas, suas qualidades potencializadas, sua gente mais feliz.

É certo que toda cidade tem seu calvário, que só pode ser reconhecido se peregrinamos por um tempo. Mas mesmo no caminho do calvário há belezas germinadas.

Manaus é minha cidade, de onde germinei. Posso voar para outros lugares e conhecer outra gente. Isso é bom! Me ajuda e me (re) descobrir e me (re) conhecer. E voltar.

Voltar para esse calor inquietante, no meio de uma cidade sufocada pela floresta. A cidade que nasceu entre o rio e a floresta. Onde eu sinto meus pés no chão. Onde sou parte.

Maria Evany do Nascimento, 40, é arte educadora, doutora em design e pesquisadora sobre as praças e monumentos da cidade. É autora de Monumentos Públicos do Centro Histórico de Manaus.






Benayas Inacio Pereira.



A simplicidade que encanta:

Sou Manaus, e meu signo, Escorpião.
Vivo feliz. Não tenho desenganos.
Hoje, completo, cheio de emoção,
Trezentos e quarenta e cinco anos.


Benayas Inacio Pereira, 79, é formado em Literatura pela AlGRASP (Academia de Letras da Grande São Paulo), poeta, revisor, cronista, contista e estudou Letras por dois anos. Esse paulista de Nova Granada vive em Manaus desde 2001.


De Imperatriz (MA)  para Manaus:

Devânia Carvalho da Silva.

"Manaus de diversidades, riquezas e paisagens exuberantes. Com seus rios e igarapés que servem de estrada para muitos ribeiros. Desde os tempos da Borracha és considerada a Paris dos trópicos, com um povo acolhedor, que batalha todos os dias por uma vida melhor, mas sem deixar a metrópole cercada pela floresta cheia de vida, riquezas e culturas herdada pelo processo de ocupação, de todos os povos vindos de varias regiões e outros continentes dando sua contribuição. O resultado de tudo foi essa Manaus com gente simples e feliz. PARABÉNS MANAUS PELOS SEUS 345 ANOS dando oportunidades para todos que aqui chegam."- Devânia Carvalho da Silva, 38, é formada em Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA. Veio de Imperatriz, no Maranhão, em 2011. Atualmente desenvolve projetos e ministra aulas para o ensino fundamental e Médio.



A Manaus de Antigamente e a Manaus dos dias de hoje:


Gisella Vieira Braga.

"Como eu amo esse lugar! Minha vida, minha terra, minha casa e meu chão! O sentimento pela minha cidade vai muito além de palavras escritas, de fotos antigas e de prédios restaurados. Sinto paixão pela maneira como ela abraça e recebe o estrangeiro e a liberdade que gera seus filhos. Não importa onde o manauara esteja, ele leva Manaus no seu jeito de andar, falar e de agir. Manaus é assim, como cada um de seus filhos apaixonados, intensa e viva. Sinto-me como uma árvore plantada às margens do Amazonas, se arrancarem meus pés desse chão eu morro! AMO-TE MANAUS MORENA." - Gisella Vieira Braga, 31, é pedagoga e coordenadora pedagógica na SEMED, Manaus. É criadora da página Manaus de Antigamente, que resgata por meio de fotos, documentários, livros e documentos a História da cidade.



Um piauiense apaixonado por Manáos:


João Pinto.

"Fiquei tenso para escrever, hoje, sobre Manaus. Cidade também é gente que tem aniversário e uma mesa posta que espera os convidados. Em tua mesa, além do bolo, deve ter as pupunhas e os risos dos teus filhos, e as caldeiradas de tambaqui. Nessa noite, sento em uma das cadeiras e digo, Alô, Manaus, você me conhece? Sim, escreve para mim uma canção que me faça feliz nesses 345 anos. Boa noite, querida cidade, você para mim foi uma mãe adotiva, deu-me uma sala de aula, uma casa numa periferia, onde plantei minhas couves, inclusive uma família que agora dorme. E, caso queira me dar uma cova, mas que ao lado dela veja o Rio Negro, essa coisa que é o teu pôster mais bonito ao pôr-do-sol." - João Pinto, 63, é aposentado no Magistério amazonense. É também contista, autor de Luzes Esvaídas, O ditador da terra do sol e Contos de uma aula no vermelho, além do romance inédito O porão de Luzilândia, obra que trata sobre o mal de Alzheimer.



CRÉDITO DA IMAGEM: Manaus Sorriso

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Manaus, sua origem: Imbróglio do aniversário de Manaus

Vista aérea de Manaus, 1990.

" Salve 24 de Outubro de 2005, data que Manaus completa 336 anos de fundação!". É feriado no município de Manaus; quase ninguém formalmente trabalha. No entanto, o cidadão comum mal sabe que essa exclamação é oriunda de uma verdadeira mixórdia, pois se trata de uma mistura de tempos, eventos e significados que rigorosamente nada têm a ver uns com os outros.

Começo pela "fundação" da cidade. Ainda não se conhece nenhuma evidência documental ou qualquer outra, que autorize afirmar que o governador e capitão-general do Maranhão e Grão-Pará, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1667-1671), tenha ordenado ao capitão Francisco da Mota Falcão a fundar a cidade de Manaus. No máximo, esse militar teria ordens para edificar, em 1669, um estabelecimento militar que ganhou o ostentoso nome de Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. Do mesmo modo, até agora nada corrobora que essa edificação ocorreu mesmo nesse ano. Porém, se for verdadeiro, qual o mês, qual o dia em que o ato da fundação teria ocorrido ?

Normalmente atos dessa natureza são solenemente registrados por autoridades do poder público. Por exemplo: a fundação do Forte do Presépio - núcleo remoto da cidade de Belém - teve origem na ordem expressa no Regimento de Francisco Caldeira Castelo Branco, no qual se ordenou que fosse erigida uma fortificação, cuja fundação data de 12 de janeiro de 1616; outro exemplo, é o da Fortaleza de São Joaquim, edificado na confluência dos rios Tacutu e Branco, cuja construção foi ordenada através da Provisão Régia de 4 de novembro de 1752, mas só iniciada as obras em 1775, já no governo do capitão-general João Pereira Caldas.

A confusão continua. Em 1969 as autoridades constituídas do Município de Manaus e do Estado do Amazonas festejaram o aniversário de 300 anos da cidade de Manaus. Porém, em 24 de outubro de 1998 as mesmas autoridades comemoraram o "Sesquicentenário de Manaus", isto é, os 150 anos da cidade de Manaus. Pelo festejo anterior dever-se-ia estar celebrando pelo menos os 329 anos da cidade.

Hoje, comemoram-se os 336 anos da cidade. Tentarei explicar essa confusa trajetória. Os antigos cronistas e os autores mais recentes estão de acordo de que a Fortaleza da Barra do Rio Negro foi fundada em 1669, mesmo sem uma documentação comprobatória. Em volta dessa edificação militar se desenvolveu um verdadeiro "curral de índios", local onde era amontoado o produto das caçadas humanas, transformado em plantel de escravos à espera do momento adequado para serem transportados para Belém.

Além do "curral de índios" que se compunha de uma população transitória, no entorno da Fortaleza também se desenvolveu um aldeamento composto principalmente pelos índios Baníuas, Barés e Passés oriundos dos rios Içana, Negro e Japurá, que passaram a viver na condição de índios aldeados. O conjunto Fortaleza da Barra e o seu entorno em 1790 abrigou a sede da Capitania do Rio Negro no governo Lobo d' Almada (1788 - 1799) com a denominação de Barra do Rio Negro. No entanto, oito anos mais tarde perdeu essa condição, sendo dessa forma rebaixada à categoria de um simples Lugar, pois a sede do governo voltou a ser a vila de Barcelos. Voltando, entretanto, à condição de sede do governo por volta de 1808, e assim se manteve até o fim do período colonial.

Com a incorporação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro ao Império brasileiro, em 1823, a Capitania do Rio Negro foi transformada numa simples Comarca da Província do Pará; não obstante isso, a Barra do Rio Negro continuou sendo a sede dessa jurisdição. No início da década de 1830, houve uma mudança no Império em termos político-administrativo; por conta disso, a Comarca do Rio Negro mudou de denominação, passando a ser chamada de Comarca do Alto Amazonas, cuja sede foi novamente, em 25 de julho de 1833, elevada a condição de Vila com a denominação de Manaus.

Em 1848, a Assembleia Provincial Paraense, através da lei N° 145 de 24 de outubro desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. Somente pela Lei N° 68, de 4 de setembro de 1856, de autoria do deputado João Ignácio Rodrigues do Carmo, foi que a cidade passou a ser definitivamente denominada de Manaus.

Portanto, temos agora as chaves para as duas idades da cidade de Manaus. A da fundação da Fortaleza da Barra do Rio Negro, 1669; e a elevação de Manaus à categoria de cidade, em 24 de outubro de 1848. Na primeira, mesmo com a incerteza, tem-se o ano; na segunda, tem-se o dia o mês e um ano; entretanto, ambas não correspondem à verdade histórica que se procura acerca do nascimento da cidade.

Se se contar da fundação da Fortaleza, Manaus completaria, hoje, 336 anos de idade; se se contar da elevação à categoria de cidade, Manaus teria, hoje, 157 anos. Para pôr fim a essa situação desconfortável, alguns poucos preocupados com as festas solenes do evento patrocinadas pelas verbas públicas resolveram "franksteinear" a data do aniversário natalício da cidade, passando a ser contado, a partir de 24 de outubro de 1669. O dia e mês de um evento e o ano de outro. Eis o imbróglio.

Na realidade inventaram um dia de feriado ao arrepio da História, quase característico daquilo que o historiador inglês Eric Hobsbawm definiu como "tradição inventada", que seriam as práticas, muitas vezes tácitas, que visam a inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição. Neste caso o subentendimento cedeu ao escancaramento. Virou lei.

Não sei se esse tipo de questionamento leva a algum lugar. Em todo caso, já que as elites que dominam o poder público manauense e amazonense necessitam tanto desses tipos de eventos cívicos para exercitarem seus discursos carregados de nativismo piegas, deveriam criar outros feriados, a exemplo da elite política nacional que festeja o Descobrimento do Brasil, em 22 de abril e a Independência, em 07 de setembro. No caso de Manaus, uma festa para a Origem de Manaus (não para fundação), e outra para a Elevação de Manaus à categoria de cidade. Assim tudo fica "bonitinho dentro do vidrinho" (bordão de um comunicador local), e se põe fim essa embrulhada. Contudo, o evento da origem necessita de pesquisas, que o poder público deveria incentivar.

Finalmente, ainda nessa linha de raciocínio "cívico", não caberia ainda, a criação do feriado comemorativo ao Descobrimento do Amazonas; o dia em que o bergantim do espanhol Francisco de Orellana penetrou no rio Amazonas? "

SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado em CD-ROM no Jornal do Commercio nos dias 22, 23 e 24. 10. 2005, em Manaus.

Manaus, sua origem: Tristeza e lágrimas na Cidade Flutuante

Postal "Rua da Cidade Flutuante", 1960.

Terminado o ciclo da borracha, um grande contingente de trabalhadores ficou abandonado nos seringais e nas cidades do interior. Buscando oportunidades e melhores condições de vida, essas pessoas migraram para a capital. A partir de 1920, começou a se formar na orla do rio Negro, mais exatamente no porto de Manaus, um enorme aglomerado de casas de madeira e palha, que ficou conhecido como Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial que chegou a ter cerca de 12.000 habitantes. A "cidade dentro da cidade" teve seu fim durante o governo de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964 - 1967).

Ninguém, absolutamente ninguém, pode discordar de que as autoridades estão mesmo dispostas a terminar de uma vez por todas com a famosíssima Cidade Flutuante. Diariamente, a reportagem vem assistindo o drama triste e um tanto doloroso das famílias que são obrigadas a abandonar seus lares de longos e longos tempos, para em seguida virem seus flutuantes serem destruídos. A quebra quebra de flutuantes todos os dias é o que há de mais triste que se pode imaginar. Temos visto por exemplo, as lágrimas que correm pelas faces [...] das mulheres e crianças que ficam sem teto.

A Capitania dos Portos do nosso Estado, enquanto isso, vem agindo severamente no processo de liquidação dos flutuantes [...]. A população desse submundo encontra-se aterrorizada em face da maneira violenta com que estão destruindo as casas. Por outro lado, quase todos os proprietários de estabelecimentos comerciais [...] estão com prazo marcado para abandonarem ou retirarem seus flutuantes daquele local.

[...] Não estamos contra as medidas adotadas pelas autoridades competentes, o que não concordamos é com a violência pela qual estão quebrando os flutuantes. Acreditamos que as autoridades sabem o que fazem ou do contrário as consequências para as pessoas desabrigadas serão terríveis.

Assim pois, apelamos as autoridades responsáveis para que continuem no processo de extermínio da Cidade Flutuante, mas que esse processo não venha a prejudicar de maneira fatal as humildes famílias ali residentes. É preciso muita calma, muita calma mesmo.

Tristeza e lágrimas na Cidade Flutuante. Jornal O Grito. Manaus, quarta-feira, 31 de março de 1965. Acervo pessoal.


Com o fim da Cidade Flutuante, em 1967, seus antigos moradores foram residir em outras áreas de Manaus, principalmente em bairros em processo de formação, como a Raiz, na zona Sul, e a Compensa, na zona Oeste.

Postal da Cidade Flutuante, 1960.


CRÉDITO DAS IMAGENS: http://catadordepapeis.blogspot.com.br/

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Destruição na Amazônia: o maior terremoto do Brasil

Ilustração sobre possíveis efeitos do terremoto no Amazonas em pintura da artista Marlene Costa.

Um terremoto na Amazônia devastou há mais de 300 anos uma grande área na margem esquerda do rio Amazonas, a aproximadamente 45 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas. Fortes ondas no rio Amazonas alteraram o sentido da corrente de um de seus afluentes, o rio Urubu, e inundaram aldeias indígenas à semelhança de um tsunami de pequeno porte.
Relatado no diário do padre Samuel Fritz (1654-1725), que atuou na Amazônia durante 40 anos catequizando os índios, o terremoto de 1690 é atestado cientificamente pela primeira vez, com base em estudos sismológicos do pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), Alberto Veloso.
O estudo foi publicado recentemente na revista da Academia Brasileira de Ciências, em versão em inglês.
Em entrevista exclusiva concedida à agência Amazônia Real sobre sua pesquisa, Alberto Veloso diz que, após seus estudos, o terremoto de 1690 já pode ser considerado como o maior do Brasil. Ele estima que a magnitude do terremoto foi de 7 na escala Richter, sendo sentido a mais de mil quilômetros de seu epicentro, localizado na margem esquerda do rio Amazonas, a cerca de 45 quilômetros de Manaus, que na época era um ajuntamento de cabanas cobertas de palhas.

Leiam mais em: Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/pesquisa-atesta-que-terremoto-na-amazonia-em-1690-foi-o-maior-do-brasil/

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Comunidade Kalunga



Na língua banto, de origem africana, Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores (...), significa "lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família", ou "lugar onde nunca seca, arável, sendo bom para as horas de dificuldade". A terra começou a ser habitada em meados do século XVIII, quando africanos escravizados fugiram em busca de liberdade.

Era o período de colonização da região de Goiás em busca do ouro e da garimpagem, em que, além das populações nativas e indígenas, africanos foram escravizados como mão de obra barata. Em busca de libertação, estes escravos fugiram e criaram seu quilombo em uma terra de difícil acesso, com serras, vãos e rios; distante dos parentes e amigos que ficaram para trás. Os Kalungas representam um povo que se escondeu e luta, há mais de 300 anos, por sua comunidade, pela liberdade e sobrevivência. 

O quilombo Kalunga ocupa 237 mil hectares e abriga mais de 4.500 pessoas. São quatro núcleos principais de população: Contenda, Vão de Almas, Vão do Moleque e Ribeirão de Bois, que ficam nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Esse núcleos são formados por pequenos povoados como Engenho, Diadema, Riachão, Ema, entre outros. No entanto, mesmo com esta divisão, é difícil visualizar o habitat da população.

As festas populares dos Kalunga são sua marca registrada. A forte religiosidade do povo é demonstrada por meio dos festejos em homenagem aos santos de cada época. As festas são a caracterização genuína da cultura popular, em que o sagrado e o profano se misturam. Rezas e a dança da Sussa, o tradicional Levantamento do mastro do Divino e a mesa cheia de comidas e bebidas para a Festa do Império Kalunga, com a coroação do imperador e da rainha.

Mais do que comemoração religiosa, as festas têm um papel social. É nessas festas que parentes se reencontram, crianças são batizadas, são realizados casamentos, reivindicações são ouvidas por representantes políticos, etc. Quando reunidos, a nação Kalunga mostra ainda mais sua humildade, sua alegria e o valor de se preservar as tradições. Sempre dispostos para o trabalho e para o festejo, os Kalunga não veêm tempo ruim. Um exemplo da brasilidade mais genuína, que mais do que qualquer outra necessidade, requer respeito.




FONTE: Comunidade do Sítio Histórico Kalunga. Disponível em: http://www.encontrodeculturas.com.br/encontroteca/grupo/comunidade-do-sitio-historico-kalunga#.VDTNjfldXxE . Acesso em: 08/10/2014.


CRÉDITO DA IMAGEM: http://encantosdocerrado.com.br/

Manaus, sua origem: os limites da cidade em 1852

Planta da cidade de Manaus em 1852.


“Em 1852 a villa da Barra, hoje cidade de Manaus, conservava-se tal qual devera ter sido em 1832, tendo menos população e número maior de seus edificios em ruinas. Por um croquis da planta da villa, que foi traçado a vol d’oiseau por meu sempre lembrado pai – João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, nos primeiros dias do referido anno de 1852, (...) Era cortada a cidade da Barra (...), ao Norte pelo igarapé da Castelhana, que desagua no da Cachoeira Grande e pelo dos Remedios (Aterro), no logar denominado Mocó, cujas aguas lançam-se no Rio Negro. Este último igarapé dividia o bairro da República do dos Remédios.

Ao Occidente o igarapé da Cachoeira Grande limitava a cidade, e entre elle e o do Espirito-Santo corriam os igarapés de S. Vicente, cuja fonte estava situada na extrema occidental da rua da Palma, hoje denominada Saldanha Marinho; e o da Bica, seu affluente, que nasce na rua 10 de Julho, ainda não existente nessa epocha, e cujo leito se estende ao longo do largo da Polvora, formando com o igarapé da Cachoeira Grande o arrabalde denominado Cornetas e Saco do Alferes. Abaixo do igarapé de S. Vicente desaguava no Rio Negro um outro que denominava-se de Seminário, cuja nascente era na rua Brazileira, tendo sido transformado depois na Praça da Imperatriz. Esses dous igarapés formavam o bairro de S. Vicente, assim como o do Seminario e o do Espirito Santo o bairro que tomava deste o nome. O igarapé de S. Vicente lança-se por duas boccas no Rio Negro e forma a ilha de S. Vicente, onde se acha installada a enfermaria militar. Também desagua no mesmo rio o igarapé do Espirito-Santo, cuja nascente estava próxima do logar onde se acha edificado o theatro.”


(ARANHA, Bento. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Inprensa Oficial, 1897)



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