As atividades sexuais fazem parte do campo da vida privada. Pelo menos, é assim que se pensa. No período medieval, onde não existia uma delimitação clara entre o público e o privado, a principal instituição da época, a Igreja, conseguia regular as atividades sexuais de seus seguidores, estabelecendo valores como a castidade, o matrimônio e o sexo para procriação. No presente artigo, a partir de uma discussão historiográfica entre autores como Jacques Le Goff e Jeffrey Richards, buscou-se apresentar as formas como a Igreja Católica regulamentava e orientava as atividades sexuais de seus fiéis.
RESUMO
Thaieny Gama*
Este
artigo tem como objetivo apresentar as regulamentações e
orientações da Igreja Católica quanto à sexualidade na Idade
Média. Além disso, aponta as penitências para os pecados sexuais
desse período. No primeiro momento se destacam a relação dos
historiadores com a temática da sexualidade. Em seguida, os valores
de virgindade, castidade e matrimônio são apontados como elementos
argumentativos para as regulamentações das práticas sexuais dos
fiéis. Por fim, são abordadas as punições para os crimes sexuais.
Na conclusão ressalta-se a relação da sexualidade da Idade Média
com a contemporaneidade destacando as mentalidades ainda constituídas
na sociedade.
Palavras-chave:
Sexualidade – Igreja Católica – Idade Média
INTRODUÇÃO
A
sexualidade na Idade Média nunca foi bem expressada como hoje
conhecemos e falamos. A Igreja Católica fortemente presente na vida
dos fiéis e na dissipação da moral no comportamento social, coibiu
as discussões quanto às atividades sexuais e regulamentou
orientações para as relações.
Atualmente
falar de sexualidade é comum e não é reprimido, porém, se
conhecermos as orientações da Igreja Católica na Idade Média,
haverá grandes discordâncias e questionamentos quanto às normas
estabelecidas em lei.
Diante
disso, não podemos descartar quem escreveu essas regulamentações:
o clero era os poucos letrados daquele período. E seria muito
conivente repudiar os desejos sexuais com essas normas e indicá-las
aos fiéis. Le Goff e Truong (2006) reforçam essa afirmativa
destacando que “os documentos em que se baseiam os historiadores
refletem somente o pensamento dos homens que detêm o poder de
escrever, de descrever e de depreciar, ou seja, os monges e os
eclesiásticos que, devido a seus votos de castidade, eram largamente
versados no ascetismo.” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 41)
Com
isso, os ensinamentos cristãos em relação à sexualidade estavam
voltados para a manutenção da ordem divina através dos valores da
virgindade, da castidade e do matrimônio, onde as atividades sexuais
seriam apenas para os objetivos de reprodução e não por meramente
saciar o desejo carnal.
“O
sexo não deveria ser usado por mero prazer. Segundo esta definição,
todo sexo fora do casamento, tanto heterossexual quanto homossexual,
era pecado, e, dentro do casamento, só deveria ser usado para fins
de procriação.” (RICHARDS, 1993, p. 34)
Contudo,
o controle da Igreja Católica aos fiéis para manutenção da ordem
divina, seria garantido com as confissões e consequentemente as
atribuições às penitências para os crimes sexuais. Dessa forma, o
individuo se livraria da culpa do pecado e a Igreja Católica
seguraria o fluxo natural da vida por meio de suas orientações.
Por
isso, esse artigo tem como objetivo destacar as regulamentações e
orientações da Igreja Católica quanto à sexualidade na Idade
Média e apresentar as penitências que cada crime se submeteria.
REGULAMENTAÇÃO
DA SEXUALIDADE NA IDADE MÉDIA
'Le-livre-de-Lancelot-du-Lac', França, circa 1401-1425.
Devido
à expansão do cristianismo no período medieval, a instituição
Igreja Católica disseminou e refletiu os valores da doutrina cristã.
Dentre as diversas orientações e regulamentações, os atos sexuais
também foram prescritos com base no poder do impulso sexual de cada
indivíduo.
De
acordo com Richards (1993), os pensadores cristãos desse período no
geral encaravam o sexo com uma ação desnecessária que confundiria
a vocação de uma pessoa: “a busca da perfeição espiritual, que
é, por definição, não sexual e transcende a carne”. (RICHARDS,
1993, p. 34)
Com
isso, os ensinamentos cristãos eram voltados para a prática do
celibato e a virgindade como ações de elevação da vida da pessoa.
Na questão da sexualidade, os preceitos tinham como primícias
apenas a reprodução, porém, essa indicação era voltada apenas
para os casados. “A cópula só é compreendida e tolerada com a
única finalidade de procriar”. (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 41). O
sexo fora do casamento era considerado pecado.
Por
isso, Leal (2010) apresenta três valores que a Igreja Católica
ressaltava aos fiéis: a virgindade, a castidade e o matrimônio. A
virgindade era uma condução a imitação à vida de Maria e de
Jesus. Maria como exemplo de serviço a Deus e Jesus como verbo que
virou carne, perfeição de Deus. A castidade estava voltada ao
seguimento das vidas dos santos na perspectiva de afastar-se do
pecado e de aproximar-se de Deus. E o matrimônio era visto como
sacramento que permitia a relação sexual do homem com a mulher da
forma correta e para a perpetuação da vida na terra, considerada
graça divina.
Diante
disso, a Igreja Católica apresenta regulamentações para as
práticas sexuais. Le Goff e Truong (2006) afirmam que nas relações
sexuais a mulher deve ser a passiva e o homem o ativo. Assim, o corpo
da mulher casada pertenceria ao seu marido. Essa afirmação é
reforçada mesmo quando os teólogos apresentam a ideia sobre a
relação de igualdade entre o homem e a mulher a partir da criação
de Adão e Eva.
Richards
(1993) ressalta que a posição apropriada para a relação sexual
era a “posição do missionário, frente a frente com o homem por
cima e a mulher embaixo” (RICHARDS, 1993, p. 40)
Além
disso, a Igreja Católica proibia as relações sexuais em dias de
festas religiosas e jejuns. Conforme Klapisch-Zuber (1989) a Igreja
estabeleceu um calendário para os momentos que o casal poderia ter
relações sexuais. As proibições eram para o momento da quaresma,
do advento, páscoa, pentecostes e outros dias santos. Durante a
gravidez da mulher, do aleitamento, dos quarenta dias após o parto e
das regras menstruais, o casal também era proibido às práticas
sexuais.
Le
Goff e Truong (2006) afirmam que qualquer tentativa contraceptiva era
pecado. Richards (1993) menciona que embora não haja especificação,
o sexo anal e oral era considerado contraceptivo. Outras práticas
eram conhecidas na Idade Média e denunciadas pela Igreja Católica:
Várias
formas de contracepção, fossem elas efetivas ou não, eram
conhecidas e presumivelmente praticadas: poções destiladas a partir
de diversas plantas, exercícios de ginástica realizados após a
relação, unguentos aplicados sobre os órgãos genitais masculinos,
líquidos introduzidos no útero antes ou depois da relação,
pessários. (RICHARDS, 1993, p. 42)
Klapisch-Zuber
(1989) aponta que apesar do corpo da mulher ser de propriedade do
marido, ela não deve ceder ao homem um pedido que seja pecado ou que
vá contra a natureza. Dessa forma, a única maneira de infringir o
dever de mulher é quando o homem impõe uma posição ou ação que
vai contra a ordem de Deus.
Le
Goff e Truong (2006) destacam como pecados outras práticas sexuais:
“Felação, sodomia, masturbação, adultério, seguramente, mas
também a fornicação com os monges, são, um a um, sucessivamente
condenados.” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 44)
Respectivamente,
Richards (1993) aponta que o amor cortês, amor do homem solteiro e
jovem pela mulher casada, era necessário ser evitado, pois, poderia
provocar o adultério e consequentemente o nascimento de filhos
bastardos.
Leal
(2010) menciona que a prática sexual do homem com animais era uma
ação natural na Idade Média, mas a Igreja Católica não aceitava
essa relação, denominando esse ato como bestialidade irracional.
Uma prática contra a ordem divina.
Para
garantir o controle eclesiástico e a disciplina do laicato, além de
propiciar “uma válvula de escape para o sofrimento individual
derivado de uma consciência de culpa” (RICHADS, 1993, p. 38), a
Igreja Católica estabeleceu a confissão e a penitência como ações
centrais da Igreja. Por isso, para facilitar a penitência atribuída
a cada pecado, o clero criou um documento que listavam os pecados e
os métodos para lidar com eles. As questões sexuais eram a maior
categoria que se atribuíam penitências. A mais comum era o jejum
com pão e água, ou, abstinência sexual, havendo uma escala de
punição. (RICHARDS, 1993, p. 39)
As
penas mais pesadas eram reservadas para incesto, sodomia e
bestialidade; quinze anos para infratores habituais. Mas existiam
penalidade menores para outros delitos homossexuais, tais como
masturbação mútua e sexo interfemural. Em outros penitenciais, o
sexo anal incorria uma pena de sete anos; delitos homossexuais
menores, dois ou três anos. Meninos eram punidos com penas muito
menos pesadas do que os adultos. (RICHARDS, 1993, p. 40)
Nesse
sentido, Leal (2010) ressalta que o sexo oral, incesto, adultério e
sodomia eram práticas consideradas abomináveis, e, a punição
poderia se definida em excomunhão e interdição perpétua do
matrimônio e da relação sexual.
Para
expressar o amadurecimento da Igreja Católica quanto aos pecados
sexuais, Richards (1993) apresenta uma mudança referente ao estupro:
“O estupro não era condenado pelos penitenciais, mas o raptus1
era.” (RICHARDS, 1993, p. 41). O raptus era um crime contra a
propriedade privada, pois, era o roubo de uma mulher de sua família.
Não está relacionado com o estupro que conhecemos atualmente.
Posteriormente, o raptus tornou-se um crime sexual contra mulheres
não casadas e recomendava-se pena de morte para tal delito.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
As
influências da Igreja Católica na questão da sexualidade ainda é
presente no dia a dia. Suas regulamentações sofreram alterações,
mas ainda estabelecem um comportamento doutrinário a homens e
mulheres. Porém, com a estabilização do estado laico, a Igreja já
não persegue os indivíduos e não impõe suas doutrinas a
sociedade.
Após
as leituras e o desenvolvimento deste artigo, percebemos o quanto as
mentalidades a essas orientações são presentes na atualidade.
Destaco as relações de machismo frequentemente encontrado na
sociedade no que tange a submissão e violência contra a mulher.
Essa visão da mulher como o sexo frágil, com inteligência inferior
e com tarefas voltadas para a família, visivelmente são reflexos
dos comportamentos da Idade Média. Um grande desafio para os
professores de história na perspectiva de salientar esse debate na
sala de aula.
Por
fim, reforço que essa temática ainda precisa ser mais trabalhada na
ânsia de refletir sobre essa influência da Igreja Católica e
visualizar os paradigmas que a sociedade está encaixada para
estabelecer novos caminhos. Na expectativa de fomentar o compromisso
social que cada um tem a contribuir para uma sociedade mais justa e
fraterna.
1 Raptus significa sequestro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
KLAPISCH-ZUBER, Christiane. A mulher e a família in: LE GOFF, Jacques. O homem Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.
LEAL, Raphael. Religião e sexo: do controle da Idade Média e sua herança na contemporaneidade. IV Colóquio de História: Abordagens Indisciplinares sobre a História da Sexualidade. 19 de novembro de 2010. Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
LE GOFF, Jaques; TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Tradução: Marcos Flamínio Peres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p.41.
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação: as minorias na Idade Média. Tradução: Marco Antonio da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 34.
*Thaieny Gama é acadêmica do 4° período do curso de História na UFAM, com interesse na área de pesquisa sobre História do Brasil (Golpe Civil Militar).
E-mail: thaieny.gama@hotmail.com
CRÉDITO DA IMAGEM:
http://www.cvltnation.com
Amei!!!!!!!
ResponderExcluiramei muitoooo seu artigo