quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Nota para uma eleição Norte-Americana


Já faz um bom tempo que a grande mídia, que esse ano fez, não podemos negar, uma grande campanha a favor de Hillary e oposição à Trump, não possui mais poder. Inúmeras pesquisas que davam uma vantagem de 90% para a candidata foram por água abaixo. Hillary tinha um projeto que, guardadas as devidas diferenças, era uma continuidade do modelo de Obama: mais intervenção estatal, cobrança de impostos de grandes fortunas e estímulos econômicos. A fórmula não parece ter funcionado: O presidente deixou o cargo com 54% de rejeição, crescimento da economia abaixo do esperado e, com inúmeros estímulos financeiros, agravamento da dívida pública, que ultrapassa a assustadora casa de 19 trilhões de dólares. Mais grave ainda foi o fato de não ter dado uma resposta ao Terrorismo, algo esperado tanto interna como externamente. Trump, mesmo com toda sua acidez crítica, pintou um cenário realista dos EUA, com mais de 7,5-8 milhões de desempregados e geração de empregos insuficiente. Os Democratas, artistas apoiadores e militantes que migraram da campanha do ex-candidato Bernie Sanders pintaram um outro quadro, fantasioso: Os Estados Unidos das oportunidades, do pleno crescimento, guiado com “maestria” pelo Estado. O estadunidense sempre foi desconfiado, talvez pelos séculos de desmandos como súdito do Reino Unido. Lhe prometeram o céu e a terra em condições duvidosas. O cenário mudou, com uma esquerda mundial retraída e a ascensão da direita, que sempre esteve aí, mas acuada por falta de apoio. Trump é um marinheiro de primeira viagem na política, e deve ser, ao bom modo americano conservador, observado com prudência pois, agora, é o 45° presidente de uma nação que anseia por reparos em sua estrutura.

Fábio Augusto

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Curso de História: Expectativa e Realidade


Esse texto pode ser útil para as pessoas que estão em dúvida em cursar História ou que já se veem decididas em dedicar seus próximos anos a essa área das Ciências Humanas.

Gostamos de História. Se perguntarmos aos nossos pais, tios ou primos mais velhos, ou questionarmo-nos, possivelmente uma das matérias que eles mais gostavam e nós gostávamos no ensino básico era a História. O interesse pode surgir pelos mais variados motivos, que podem ir desde o encantamento por estudar temas passados como o Egito, Grécia e Roma antigas, Idade Média e Grandes Navegações, até ao simples fato da matéria ser preferida a outras como a Matemática, a Física e a Química.

Você que ainda está no ensino fundamental ou médio e se sente atraído por essa disciplina, ou que já está na reta final dos vestibulares e pensa em dedicar os próximos anos de sua vida a essa área, que História espera encontrar na universidade? Pode ficar ciente que essa História maravilhosa, das civilizações antigas, dos homens medievais, das grandes navegações e das grandes guerras, existe, mas também encontrará em 4 ou 5 anos de estudo as Histórias teórica e metodológica. Essa é uma questão séria, pois muitos que entram no curso podem ficar insatisfeitos, no início, ao se verem diante de questões mais complexas. Essa ciência é muito maior do que aparenta ser.

Num primeiro momento, nos períodos iniciais, nos deparamos com disciplinas que, a primeira vista, não parecem em nada com o que aprendemos no ensino básico: Historiografia Geral I e II, Teoria da História, Didática Geral, Psicologia da Educação e História Antiga I e II (pode variar dependendo da instituição). Até aí, a História Antiga refresca a memória das aulas sobre a Mesopotâmia e o Egito e a Grécia e a Roma. O primeiro “choque” pode ser a Historiografia Geral, pois passamos a compreender que desde as épocas mais remotas as sociedades desenvolveram formas de registrar suas ações no espaço e no tempo. As leituras são as mais variadas, indo de clássicos greco-romanos a ensaios escritos no século XVIII. Psicologia da Educação e Didática Geral podem causar estranhamento. Acredite, todo historiador é um professor, pois o conhecimento que este adquire na academia será transmitido depois para a sala de aula e através de livros didáticos e paradidáticos. Falarei da Teoria em conjunto com as Metodologias.

Mais adiante, surgem disciplinas como Metodologia da História, Metodologia do Ensino da História, História Medieval I e Prática Integrada I. A História Medieval que estudamos é cronologicamente semelhante a que estudamos no ensino fundamental. As semelhanças acabam aí, pois as abordagens sobre esse período, dependendo dos autores utilizados, são vistas do ponto de vista teórico, dependendo do (s) autor (es) utilizados, como Jerôme Baschet, que questiona aspectos como a economia, a cultura, a política e a duração desse período. A Prática Integrada pretende a elaboração de reflexões sobre as linguagens, formas de transmitir o conhecimento histórico para os ensinos fundamental e médio. Teoria da História, Metodologia da História e Metodologia do Ensino da História merecem ser analisadas de forma conjunta:

O Historiador Eraldo Ribeiro Tavares examinando atas da Câmara de Vitória.

A Teoria pode ser definida como uma visão de mundo. Existem várias teorias, existem várias visões de mundo. Na História, as abordagens teóricas são diversas. Existe o Positivismo, o Materialismo Histórico, a Micro-História, a Nova História etc. São diferentes visões de mundo utilizadas para compreender as formulações históricas. Por ser um campo que trata de pensamentos, visões de mundo, mantém diálogo com a Filosofia e a Sociologia. A Metodologia do Ensino da História trabalha com a formação do profissional de História, a trajetória do ensino de História e novas perspectivas e metodologias para sua aplicação. As metodologias são baseadas nas teorias anteriormente citadas e em elementos da Prática Integrada. Enfim a Metodologia da História, talvez a disciplina que mais abra os horizontes de quem faz o curso. Aprende-se que o historiador não é um “calendário”, um mero repetidor de fatos e datas, mas sim um profissional que investiga, colhe fontes (materiais e imateriais), as critica, analisa, interpreta os fatos e tenta explicá-los. É, ainda, auxiliado por ciências como a Arqueologia, a Paleografia, a Diplomática e a Epigrafia.

Portanto, você que vai cursar História em uma universidade, seja ela pública ou privada, modalidade de licenciatura ou bacharelado, encontrará no curso a História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, mas também encontrará a Teoria da História, as Metodologias e as Práticas. Decidido? Você não irá se arrepender. É uma experiência incrível, que nos apresenta outras perspectivas de mundo, reflexões sobre a própria História e o cotidiano.


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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Manaus em três momentos


Hoje, 24 de outubro, Manaus completa 347 anos de fundação, 168 de elevação à categoria de cidade. Nesses mais de três séculos de existência, passando pela subordinação ao Grão-Pará e por críticas de viajantes oitocentistas, a cidade teve momentos particulares, emblemáticos até, que seriam decisivos para sua evolução.

A tumultuosa relação com o Grão-Pará: Manaus, através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Acredita-se que essa fundação tenha se dado em 1669. Nessa fortaleza foram aglutinados soldados portugueses com indígenas das etnias baré, passé, manau e baniwa. Do outro lado, já no século XVIII, sua vizinha Belém despontava como capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, mantendo relação direta com Lisboa, capital do Império Português. Funda-se a Capitania de São José do Rio Negro em 1755, estando esta subordinada ao Grão-Pará e com capital em Mariuá, atual Barcelos. Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. Todo um projeto de transformação econômica, política e social, encabeçado por Lobo D' Almada, desaba graças a essa manobra. Restava esperar dias melhores com o Império…

Fidelidade à Dom Pedro I, a primeira tentativa de emancipação e os viajantes oitocentistas: As notícias dos desdobramentos políticos chegaram ao Norte com três meses de atraso. Mesmo assim, a população da Barra jurou fidelidade ao Imperador Pedro I, partidário da independência. Tentava-se com essa jura conseguir a emancipação do Grão-Pará. O objetivo não foi alcançado, na verdade, parece ter sido pior, pois a Capitania fora incorporada ao Grão-Pará na condição de Comarca de segunda categoria. Em 1832, diferentes camadas sociais da cidade e de outras cidades se rebelaram, criando a Província do Rio Negro, iniciativa sufocada por forças militares de Belém, durando pouco mais de quatro meses. Em 1848 a antiga Vila da Barra é elevada à categoria de cidade, em 24 de outubro. Acanhada, ela recebeu visitantes, na sua maioria naturalistas, de vários países da Europa. Em síntese, eles não gostaram do que viram, teceram críticas ácidas em suas publicações. Louis Agassiz, de passagem pela cidade em 1865, fez uma previsão que em poucas décadas se concretizaria: “Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação”. É digno de registro o esforço dos governos provinciais em tentar dotar Manaus das condições necessárias para seu crescimento. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos.

O Alvorecer da República, as transformações econômicas, a crise e a Zona Franca: A República traria consigo o boom econômico da Amazônia. Manaus, aquela cidade que vinha de um passado colonial e imperial não muito favoráveis, teria, pelo menos, duas décadas de esplendor. Teatro Amazonas, Palácio da Justiça, Alfândega, Avenida Eduardo Ribeiro; obras monumentais que se tornaram símbolos de uma época mais amena. A partir de 1910, os preços da borracha começaram a se tornar instáveis, por causa do início da concorrência das colônias inglesas no sudeste asiático. A crise econômica se instalou com maior força em 1920 e, em 1929, com a quebra da Bolsa dos EUA, completou-se o quadro de ruína. Ocorre uma breve recuperação da economia entre 1942 e 1945. Entre os anos 1960 e 1970, o projeto da Zona Franca de Manaus permitiu um novo avanço econômico da cidade. Até hoje esse modelo de zona de livre comércio, com foco em indústrias, é a principal mola econômica não só da capital, como de todo Estado.


Manaus é uma cidade marcada por altos e baixos. Da colônia à República, conseguiu se reerguer várias vezes. Aliás, considero essa uma das principais características da História da cidade, a habilidade de enfrentar graves crises econômicas e políticas. Parabéns Manaus, 347 anos, que consiga se reerguer e se tornar cada vez mais humana.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A Economia Gomífera na Amazônia II: Manaus e Belém

Gravura de Belém por volta do século XIX. Vista parcial de Manaus em 1860.

As cidades aglutinam em si os elementos mais significativos advindos das transformações econômicas. Podemos atestar isso vendo o riquíssimo patrimônio arquitetônico deixado nas antigas cidades das Minas Gerais. Mas, muito mais que arquitetura, as cidades ganham novos tipos sociais, ares culturais importados, na maioria das vezes da Europa, novos aparatos técnicos e, em alguns casos, sofrem uma verdadeira refundação. Belém e Manaus, metrópoles da região Norte e com histórias distintas, ambas enriquecidas pela economia gomífera, serão contempladas nessa segunda parte da série A Economia Gomífera na Amazônia.

O passado colonial dessas duas cidades pode dizer muito sobre a evolução pela qual vão passar na segunda metade do século XIX. Belém foi fundada em 1616 como uma fortaleza para conter as pretensões de ingleses, espanhóis, holandeses e franceses na Amazônia. Manaus, também através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Em 1751, Belém se tornou a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, dada sua importância política e econômica. Em 1755 foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao Grão-Pará, com capital em Mariuá (Barcelos). Lobo D' Almada, em 1791, transfere a capital para o Lugar da Barra (Manaus), para logo depois a sede ser novamente transferida para Mariuá. O Lugar se torna capital definitivamente em 1807.

Quando Belém se torna capital, ela passa por algumas mudanças para se adequar à nova função. O governador Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, promove as primeiras reformas urbanísticas do lugar, com o alinhamento de ruas, construção de prédios públicos e particulares funcionais e dotados de uma arquitetura mais requintada. A cidade mantinha relação direta com Lisboa, em Portugal, sem precisar de alguma intervenção da capital da colônia (até 1763 Salvador e, depois, Rio de Janeiro). Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. A situação só viria a melhorar entre 1848 e 1852, quando a Vila de Manaus é elevada à categoria de cidade e o Amazonas se emancipa do Pará e se torna província, com capital em Manaus.

Já no Império do Brasil, Belém causava boa impressão nos viajantes que passavam pela cidade. Ave-Lallemant, em 1859, gostou das construções da cidade, do estado das ruas e usou o termo europeização para falar dos costumes que a cidade começava a importar. No mais, a cidade ainda guardava o velho urbanismo colonial lusitano. De passagem por Manaus em 1848, Alfred Wallace Russel não gostou das ruas, do comércio, das igrejas e concluiu que os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que qualquer outra comunidade civilizada . O passado colonial foi mais favorável para Belém do que para Manaus, que só conseguiria sanar parte de seus velhos problemas com o advento da República e da economia gomífera.

Boulervad Castilhos França em Belém, início do século XX. Rua da Instalação, Manaus, início do século XX.

A República traria consigo o boom econômico da Amazônia, algo jamais visto nessa região até então. Nos anos finais do século XIX Belém e Manaus conseguiram se modernizar. Os impostos arrecadados das exportações de borracha garantiram a estruturação e embelezamento das duas cidades. Em 1890, estima-se que Belém tinha uma população de mais de 50.000 mil habitantes, formada por nativos, mestiços e também muitos imigrantes europeus, que se fixaram na cidade para trabalhar nas atividades geradas pela exportação de matérias-primas. Nas Docas do Pará, navios faziam viagens para Lisboa, Havre, Liverpool, Antuérpia, Nova York, São Luís do Maranhão, Fortaleza, Recife e Manaus. Ruas, praças e avenidas eram erguidas de forma monumental e em padrões europeus por engenheiros ingleses, americanos e brasileiros que foram estudar no exterior. O Estado assegurava, por meio dos Códigos de Posturas, um ordenamento social, que consistia, por exemplo, em multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, que comercializassem produtos sem alvará ou se vestissem de forma inadequada em determinados ambientes. A figura política de maior destaque no cenário de Belém, entre 1897 e 1911, foi intendente Antônio Lemos, que projetou uma cidade moderna, arborizada, com luz elétrica, prédios que marcam a paisagem da capital paraense até hoje, como o Mercado Ver-o-Peso, A Praça Batista Campos; e um sistema de bondes eficiente.

Teatro da Paz, em Belém. Teatro Amazonas, em Manaus.

Manaus foi considerada, mais do que Belém, a capital da borracha. Podemos entender isso pelo fato de que foi com essa economia que a cidade conseguiu enterrar seu passado colonial e imperial nada favoráveis em relação à cidade vizinha. A Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas, irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. Sim, inúmeros registros nos informam disso, mas não podemos desmerecer os esforços das administrações provinciais em tentar melhorá-la. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos. Uma nova feição urbana e social vai surgir durante a administração do maranhense Eduardo Gonçalves Ribeiro, entre 1892-1896. Esse engenheiro militar soube como ninguém aproveitar a arrecadação dos cofres públicos. Grandes avenidas como a Eduardo Ribeiro e a Sete de Setembro foram alinhadas; os igarapés que atravessavam a cidade e que incomodaram os viajantes no passado, foram aterrados; foi instalada a iluminação elétrica, o sistema de bondes, pavimentação de ruas e o cabo subfluvial que ligava Manaus aos principais centros europeus e da América do Norte; prédios públicos como o Palácio da Justiça foram construídos; e o Teatro Amazonas, símbolo do fastígio econômico, concluído. Operários maranhenses foram foram trazidos para trabalhar em obras públicas; ingleses, alemães e americanos vieram tomar conta do Porto, das Casas Aviadoras e dos bancos; espanhóis, italianos, portugueses, judeus e libaneses se dedicaram ao comércio. Assim como em Belém, foi aplicado na cidade um Código de Posturas rígido, que previa multas para ações consideradas incorretas (comércio e construção irregular, vestimentas inadequadas etc).

O ciclo da borracha teve similitudes e diferenças para as duas cidades: Manaus e Belém, e, em nível macro, a região Amazônica, entraram no contexto da economia capitalista, disputando preços na Europa e na América do Norte; usaram a arrecadação de impostos para dotar as capitais do aparato necessário para a função de cidades exportadoras. Em Belém a antiga elite colonial ligada à terra garantiu a manutenção de sua posição, agora transformando-se em negociadora, produtora e exportadora de borracha; Em Manaus, onde inexistia uma elite tradicional, surge um poderoso grupo de empresários, políticos, militares, engenheiros, seringalistas e burocratas que passaram a cuidar dos negócios da cidade.


FONTES:

Resumo feito a partir dos livros 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994); e 'A Belle Époque Amazônica', de Ana Maria Daou (2000).


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sábado, 1 de outubro de 2016

Canal no Youtube


Amigos e amigas do blog, criei hoje um canal no youtube, no qual irei publicar semanalmente vídeos sobre História Geral, História do Brasil e História da Amazônia. Se inscrevam e aproveitem os conteúdos.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Império Carolíngio: Renascimento e ascensão da Igreja (II)

Segunda e última parte do texto Império Carolíngio: Renascimento e ascensão da Igreja.

Iluminura representando a construção do Palácio Imperial de Carlos Magno. Grande Crônica da França (1455), Jean de Fouquet.

O renascimento carolíngio está pautado em três elementos: o pensamento, o livro e a liturgia. A corte de Carlos Magno e depois a de seu filho Luís, o Piedoso, cerca-se de homens letrados de vários cantos da Europa. Esses letrados carolíngios tem o objetivo de difundir os principais textos do Cristianismo: em primeiro lugar, as Sagradas Escrituras; depois, os textos litúrgicos utilizados para a celebração do culto e, por último, clássicos da literatura cristã. Carlos Magno desejava criar "uma nova Atenas enriquecida pela plenitude sétupla do Espírito Santo" (1). Para realizar essa missão, no entanto, foi necessária uma mudança nas técnicas literárias utilizadas até então.

Os clérigos carolíngios passaram a utilizar a 'minúscula carolíngia', uma letra menor e mais elegante, que tornava os livros mais manuseáveis e legíveis. Além disso, os escritores carolíngios começam a separar, graças a um sistema de pontuação, as palavras umas das outras, assim como as frases. A partir dessas mudanças, a produção de livros aumenta de forma considerável, pois os monges copistas passam a trabalhar, em seus escritórios, de forma mais organizada. A maior parte dessas cópias era destinada ao culto cristão, outras, menos numerosas, eram sobre literatura latina. Preservar a literatura dos antigos permitia o conhecimento do paganismo, uma forma de conhecer o inimigo, e o aprendizado de regras de latim.

Aliás, o domínio das regras do latim é essencial para difusão dos textos antigos. O latim evoluía e variava de região para região. Para tentar garantir uma unidade, os clérigos restauram o latim, não da forma clássica, mas simplificado, para garantir uma transmissão correta do texto bíblico e dos fundamentos do pensamento cristão. Porém, eles reconhecem que as línguas faladas em outras regiões se distanciam cada vez mais do latim, e recomendam que os sermões sejam proferidos em línguas distintas. Instala-se um dualidade linguística na Europa: De um lado, o latim, uma língua erudita voltada para a leitura dos textos sagrados e da liturgia da Igreja; do outro, línguas vernáculas faladas por populações diversas.

O Império Carolíngio fez grande esforço para reformar a liturgia. Na Europa do século VIII existiam diferentes tradições litúrgicas, com características particulares para celebrar as festas e ritos cristãos. Além das liturgias romana, galicana e visigótica, existia uma infinidade dessas práticas em regiões menores do continente. Para o Império, que possui um projeto unificador, essa diversidade litúrgica é um empecilho para suas pretensões. Os monarcas carolíngios, então, voltam-se para Roma, com o objetivo de estender a liturgia que já era praticada nessa cidade. 

A base dessa reforma litúrgica é o sacramentário, livro essencial para a celebração da missa, que contém todas as fórmulas e regras que devem ser pronunciadas pelo sacerdote. O sacramentário enviado a Carlos Magno pelo papa, e revisado por Bento de Aniana, se torna o principal pilar do Ocidente cristão e garante a unificação desejada pelo imperador. A reforma litúrgica expressa bem a aliança entre esses dois poderes, Aix (capital imperial) e Roma (cidade papal).

Iniciado pela corte de Carlos Magno e continuado por seu filho, o renascimento artístico é inseparável do poder eclesiástico e imperial, e se espalha todos os domínios do imperador. São construídas igrejas imponentes, com um maciço voltado para a adoração aos santos e outro dedicado a Jesus Cristo; palácios e monastérios. 

O Monastério foi o embrião da universidade Ocidental. Localizados fora da malha urbana, esses locais tinham seu ensino dividido entre as Artes Mecânicas e as Artes Liberais. Em síntese, trabalho manual e trabalho intelectual. As primeiras artes eram dedicadas às camadas mais baixas da população, sendo as Artes Liberais destinadas para um pequeno número de aristocratas. As disciplinas Liberais eram divididas em: Quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia) e Trivium (lógica, gramática e retórica). O culto dos santos se tornou um sucesso no século VIII, fazendo com que as igrejas de peregrinação fossem ampliadas e que se realizassem reformas para facilitar o acesso dos fiéis às relíquias. 

A experiência de renascimento e restauração carolíngia foi de curta duração. Ela dura, em certos aspectos, até o reinado de Luís, o Piedoso (814-840). No entanto, com sua morte, o Império é repartido em 843 entre seus três filhos. Uma das características marcantes dos carolíngios e que contribuiu para a ruína do projeto imperial, foi o costume de repartir as posses imperiais entre os descendentes, o que cada vez mais fragmentava a Europa, dando origem ao atual mapa geopolítico do continente. Soma-se a esses fatores internos as incursões normandas e a pressão sobre a fronteira oriental. Os condes e outros aristocratas, que controlam as províncias, se mostram cada vez mais infiéis ao monarca, criando poderes autônomos.


NOTAS:

(1) A face cambiante da Europa. In: História em Revista 600 - 800: A Marcha do Islã. Time-Life, Rio de Janeiro: Editora Cidade Cultural. p. 82.

FONTES:

O Renascimento Carolíngio (séculos VIII e IX). In: BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: Do ano mil à colonização da América. Tradução de Marcelo Rede. São Paulo: Editora Globo, 2006.

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domingo, 18 de setembro de 2016

Análise da expressão "Invasões Bárbaras"

Saque de Roma pelos Vândalos, em 455 d.C. Pintura de Heinrich Leutemann.

Bárbaro, sinônimo de incivilizado, rude e atrasado. Essa expressão, que nos leva à Idade Média, é consagrada no dia a dia, seja por meio da mídia ou, na maioria das vezes, pela herança etimológica que nos foi deixada. Quando se junta a essa palavra outra, invasões, temos um prato cheio para análises. As invasões bárbaras são pontuadas como uma das causas do declínio da parte Ocidental do Império Romano, como bem vemos no ensino básico e, agora, em mais uma série do canal History. Nos foi repassada através de livros didáticos e até mesmo alguns acadêmicos, uma imagem de violentas incursões de povos de vários lugares da Europa em direção ao Império Romano.

No entanto, não foi bem isso que aconteceu, pelo menos em parte. Jerôme Baschet, medievalista francês autor de A Civilização Feudal: do ano mil à colonização da América (2006), uma síntese de História Medieval para os calouros da UNACH (Universidad Autónoma de Chiapas), analisa essa expressão saindo da tradição de ver apenas o poderio militar bárbaro, dando foco para a organização desses povos e desmistificando alguns pontos de suas relações com Roma.

Baschet faz uma dupla crítica a essa expressão. Primeiro, ele analisa a palavra bárbaro, empregada, primeiramente, para designar os não-gregos e, depois, os não-romanos. A palavra ganhou uma conotação negativa, tornando Roma um modelo de civilização e os não-romanos exemplo de atraso técnico e cultural. Ao entrar em contanto com o Império, esses povos ignoraram elementos essenciais para a cultura urbana de Roma, como a prática da escrita, o Direito e a administração estatal. Mas, em contrapartida, esses povos, organizados em torno de um chefe tribal, tinham suas próprias técnicas, como o artesanato e o trabalho com metais, superior ao dos romanos e frequentemente requisitado pelos mesmos.

Invasões recebe a segunda crítica. O termo, quase que de forma automática, nos faz pensar em violentas incursões militares contra o Império. Elas existiram, claro, e foram bastante violentas, mas, paralelo a elas, existiu um lento processo de infiltração, no qual esses povos germânicos iam se instalando, na maioria das vezes, de forma pacífica. Os grupos menores se favoreciam das práticas artesanais e metalúrgicas, e também prestavam serviços ao exército romano. Grupos maiores faziam acordos com o Império e ganhavam deste o estatuto de Povo Federado, uma associação à Roma, na qual o Estado Romano garantia cidadania, subsídios e proteção em troca de contingentes militares.

Quando o Império entrou em colapso e sua estrutura fiscal desabou, os bárbaros souberam se favorecer com esse problema. As antigas cidades romanas e suas elites, que sofriam cada vez mais com o aumento de impostos, ganham dos reis germânicos privilégios fiscais maiores que o normal, fazendo a antiga estrutura fiscal cair de dentro para fora. O desaparecimento da antiga estrutura fiscal tornou o Ocidente um grupo de regiões sem relação entre si e bastante regionalizado. Os reinos germânicos não conseguem restaurar o imposto e controlar suas terras e as elites locais.

As elites locais das antigas cidades do Império tem seu papel no processo de integração dos povos bárbaros. Para manter suas posições, elas se aliam aos líderes germânicos, realizando casamentos, fundindo linhagens romanas e bárbaras. Os dois lados saem ganhando: os bárbaros, aos poucos, iam se integrando à sociedade romana, muitas vezes ascendendo como membros da aristocracia; enquanto que as antigas elites romanas se militarizaram, protegeram suas posições e passaram a controlar cada vez mais as cidades.

No campo jurídico são misturados elementos do Direito Romano e costumes de origem germânica, caracterizando a ausência de um poder real que possa ser aplicado. O poder do rei germânico emana de sua relação de fidelidade com sua corte, onde seus membros são recompensados com proteção e concessões públicas, numa prática de paternalismo que confunde o público com o privado. Com a ausência de uma estrutura fiscal que garanta o controle das regiões e suas elites; de uma codificação jurídica organizada, Baschet conclui que é impossível considerar estados os reinos germânicos da Alta Idade Média.

Portanto, as Invasões Bárbaras não devem ser vistas ou imaginadas apenas como ações violentas dos povos germânicos, mas também como um processo de infiltração lento, com duração de vários séculos, no qual os líderes dessas tribos souberam se aproveitar das fraquezas internas do Império Romano e se integrar a essa realidade. A fronteira, em certa medida, perde seu caráter de divisão e se torna o lugar das trocas comerciais e culturais, onde são mesclados elementos romanos e germânicos, dando luz a uma nova realidade na Europa, a realidade romano-germânica.


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