quarta-feira, 15 de março de 2017

Perspectivas históricas e sociológicas sobre o Ciclo da Borracha (1945-1999)


Existe, desde 1940, uma densa historiografia sobre esse período econômico da região, tanto de autores naturais da terra quanto de outros estados. Institutos Históricos e Geográficos, Universidades e outros especialistas lançaram uma gama de interpretações na tentativa de compreender o que ocorreu naquele intervalo de tempo entre 1890 e 192015.

Caio Prado Júnior, em História Econômica do Brasil (1945), vê de forma negativa o sistema de aviamento, que se aproveitando do baixo ou nulo letramento do seringueiro, o prende a um sistema contínuo de endividamento; e o sistema rudimentar de trabalho, que destruía aos poucos as árvores de seringueira, tornando os espécimes cada vez mais raros. Para o autor, além do contrabando de Wickham, o declínio se deu porque a Amazônia se constituía em uma região meramente exportadora de matéria-prima, enquanto que suas concorrentes, as colônias asiáticas, eram financiadas, desde a plantação até a distribuição, pela Inglaterra e outras potências europeias; e porque as elites locais, políticos e seringalistas, não construíram algo duradouro, dissipando rapidamente os lucros obtidos com essa economia, cujo maior símbolo, de “imponência e mau gosto”, é o Teatro Amazonas. Para esse historiador da geração nacionalista e progressista, o ciclo da borracha foi marcado por uma prosperidade fictícia e superficial, o que torna seu fim “mais um assunto de novela romanesca que de história econômica” (MESQUITA, 2006).

Em Ordem e progresso (1957), Gilberto Freyre aborda a transição do período imperial para o Republicano, mostrando como permanecem, nesse novo contexto político, formas de organização social características da monarquia, com o diferencial de que a República trouxe a industrialização, a urbanização e, em menor proporção, alguma ascensão social de grupos antes excluídos. É nessa oposição, entre Império e República, que entra Manaus. Para Gilberto, a cidade foi “uma reação à rotina brasileira”, pois, recebendo influências inglesas, francesas, americanas e espanholas, se diferenciava da maioria das cidades do país, ainda com fortes traços conservadores do Império, acolhendo “desajustados políticos e sociais” que se entregavam aos prazeres em um ambiente de “economia de aventura e de civilização cenográfica” (MESQUITA, 2006).

A partir de 1960 autores da região Norte começaram a publicar obras sobre o assunto. Genesino Braga, em Fastígio e sensibilidade do Amazonas de ontem (1960), é saudosista ao afirmar que, naquele momento, o Amazonas “passava por uma fase alucinante de fausto, de luxo, de esbanjamento e de gastos imoderados, sendo um pequeno centro de ressonância da cultura europeia” (MESQUITA, 2006).

Bradford Burns, professor de História da UCLA e especialista em América Latina, produziu em 1961 uma monografia editada pelo governo do Estado do Amazonas em 1966, com o nome Manaus 1910: retrato de uma cidade em expansão. Sobre a capital, diz ele: “em 1910, Manaus reinava como a capital mundial da borracha. Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade europeia de seu tamanho ou mesmo maior”. Notou que, politicamente, a cidade estava ligada ao Rio de Janeiro, economicamente dependia de Londres e, culturalmente, de Paris. A obra, que não possui maiores informações, não carrega críticas sobre o sistema econômico, as condições de trabalho e as elites (MESQUITA, 2006).

Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro (1969), de Luiz de Miranda Corrêa, tem ares de um elogio saudosista ao período, à influência europeia e à ação das elites. Manaus se transformava, com obras monumentais e serviços públicos de qualidade. “Uma sociedade inteira passava de um estágio primitivo para os requintes da civilização europeia”. A descrição dos palacetes, bares, hotéis e bordéis são vívidas. As elites elogiadas são aquelas formadas com o nascimento da República, enquanto que “as famílias mais antigas do Amazonas, o pequeno número de privilegiados do Império, […] ou se adaptavam às novas condições de vida da região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos interesses da borracha”.

Com exceção da análise de Caio Prado Júnior e, em parte, da de Gilberto Freyre, que ainda tenta ver algum ponto positivo na sociedade republicana do início do século XX, todas as demais são positivas, algumas constituindo-se em verdadeiros elogios saudosistas. A borracha tornou alcançável o ideal de progresso burguês da Europa, sedimentando um passado amazônico nativo e mestiço, estagnado no marasmo colonial e, logo depois, imperial (MESQUITA, 2006).

O sociólogo Márcio Souza encerra essa linha de elogios e exaltação da cultura burguesa em 1977, com a publicação de A Expressão Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. De acordo com Otoni Mesquita, Márcio Souza, em algumas passagens, “mostra ter alguma influência de Caio Prado e Gilberto Freyre, mas tece críticas mais radicais” (MESQUITA, 2006, p. 157). Para o autor, durante o apogeu da borracha, o Amazonas esteve bastante alienado, com sua capital sendo “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”. Acrescenta ainda que ela não era “verdadeiramente uma cidade, mas decoração do sonho e do delírio, microcosmo das doenças do espírito burguês com toques de selvageria e grossura”, cujo novo estilo de vida contrastava com sua linhagem portuguesa, a tornando um verdadeiro cenário para o colonialismo. Essas críticas, em especial ao ideal burguês citadino, também poder ser vistas em sua Breve História da Amazônia (1994) e História da Amazônia (2009).

Roberto Santos, com sua História Econômica da Amazônia: 1800-1920 (1980), vê o ciclo da borracha como uma fase de expansão da economia amazônica, dependente de estímulos externos (industrialização na América do Norte e na Europa). Para ele, a força desses estímulos foi tão forte ao ponto de outros setores econômicos não conseguirem competir com a extração do látex, que absorveu mão de obra até da agricultura de subsistência. O sistema de aviamento “falseava o cálculo econômico”, estimulando o escambo nos seringais e “limitando a liberdade de consumo dos trabalhadores”. Roberto divide o período em quatro fases: 1830-50 – elevação inicial moderada; 1850-70 – melhoria do tirocínio, com aceleramento da produtividade; 1870-90 – adestramento nordestino, com modestíssima elevação da produtividade; e 1890-1910 – A fase acreana.

Antônio Loureiro, em A Grande Crise (1986), com um grande arsenal de dados estatísticos, analisa a derrocada da borracha em uma perspectiva nacional. O Brasil, para o autor, sentiu os efeitos da crise, pois dependia da Amazônia para a obtenção das libras esterlinas, necessárias para o pagamento da dívida externa, para equilibrar o preço do café e urbanizar a capital federal; mas continuava alheio à região. As críticas, em sua maioria, são feitas à omissão da União, que tardiamente tomou medidas que se mostraram ineficazes ao combate da crise; outras são feitas aos empresários e outros trabalhadores que enviavam altas somas de dinheiro para suas terras de origem, descapitalizando a região.

Warren Dean, americanista autor de A luta da borracha no Brasil (1987), desenvolve uma pesquisa interdisciplinar entre a história e a ecologia, ou História Ecológica, popular nos EUA entre 1970 e 1990. Dean levantou importantes questionamentos, como o porque de o país ter perdido o monopólio; quais os limites da monocultura; e porque as plantações brasileiras falharam. A luta do Brasil se deu após o auge das exportações e no início da decadência, quando começaram as primeiras tentativas de domesticação da seringueira e seu cultivo racional. Sua abordagem ultrapassa o recorte cronológico tradicional, indo de 1855 a 1986.

Bárbara Weinstein, também americanista, produziu A borracha na Amazônia: expansão e decadência, 1850-1920 (1993). Nesse estudo a autora mostrou como essa matéria-prima dominava a região muito antes do boom do final do século XIX; como existia, entre as elites, discursos a favor e contra essa economia extrativa. Ao abordar a figura do seringueiro, Bárbara, dentro do conceito de luta de classes da teoria marxista, foge da historiografia tradicional, que o mostrava apenas como um trabalhador miserável e explorado, o mostrando como um “militante” que usava diferentes formas de resistência contra a opressão dos seringalistas.

O ensaio de Edinea Mascarenhas Dias, A Ilusão do Fausto – Manaus 1890-1920 (1999), é um estudo que, ao mesmo tempo em que é esmiuçado o processo de transformação e desenvolvimento da cidade e de suas políticas públicas, são apresentadas as contradições do espaço urbano pensado pelas elites e pelo poder público, que criou mecanismos que, ao mesmo tempo em que ordenavam a urbe, segregavam pobres, prostitutas, analfabetos e desocupados. Tem influências de Edward Thompson, com sua crítica ao marxismo estruturalista; e de Max Weber, com seu conceito de estratificação social. O livro é dividido em duas partes: A cidade do Fausto e A falácia do Fausto.


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http://vfco.brazilia.jor.br


NOTA:

15 - Retirado na íntegra do livro de Otoni de Moreira Mesquita, 'Manaus, História e Arquitetura – 1852-1900'. Ele traça uma cronologia para a historiografia da borracha que vai de 1945 com Caio Prado Júnior até 1977 com Márcio Souza. No artigo a cronologia se estendeu até 1999, com o trabalho de Edneia Mascarenhas Dias. Foram incluídos os autores Roberto Santos, Antônio Loureiro, Warren Dean e Bárbara Weinstein.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Predecessores da Historiografia grega: Os logógrafos

Cariátides no templo de Erecteion, Acrópole de Atenas, século V a.C.

Os homens, nos tempos mais remotos, tinham como instrumento de transmissão de conhecimento a oralidade. A grandiosidade do mundo à sua volta, as imposições sofridas pela natureza indomável, o cotidiano rudimentar e outros elementos que poderiam causar fascínio e medo, fizeram surgir mitos e lendas para ilustrar a origem da vida e do mundo. Deuses, deusas e heróis surgiram para reger o universo e proteger aldeias, vilas e cidades. Os gregos, durante vários séculos, viam nesses relatos seu passado histórico. Não é difícil, através de uma reconstrução imaginativa, ver que as personagens de mitos e lendas representam seres humanos que possivelmente existiram um dia. O poeta épico Hesíodo (século VIII a.C.), em suas obras Os Trabalhos e os Dias e Teogonia, reúne, em versos, uma infinidade de histórias transmitidas oralmente, sendo considerado uma das principais fontes sobre os mitos e lendas gregas.

No século VI a.C., um grupo de prosadores gregos provenientes da Jônia e de outras regiões passou a racionalizar esses mitos e lendas para buscar uma origem histórica vinculada mais aos homens do que aos deuses. Estes eram os logógrafos, ainda não propriamente historiadores, por misturarem mitos aos fatos, mas já apresentando um certo espírito crítico, estando divididos em escritores de genealogias e relatos de fundação de cidades; obras geoetnográficas e de relatos de viagens; e mitográficas. Através de inúmeros fragmentos, cópias presentes em outras obras ou vagas citações, é possível conhecer a escrita, o estilo e os métodos desses 'quase' historiadores que antecederam Heródoto e Tucídides.

O mais antigo, ainda que envolto de dúvidas sobre sua existência e temporalidade, foi Cadmos de Mileto, que escreveu uma crônica sobre a fundação de sua cidade, utilizando tradições orais de mitos e lendas. Acusilau de Argos (final do século VI e primeira metade do século V a.C.), dório de origem mas escritor em dialeto jônico, escreveu uma Genealogia de sua cidade natal. Nela buscava estabelecer “uma linha sucessória desde a origem do mundo e dos deuses até o nascimento do primeiro homem, Foroneo, que também havia sido […] o primeiro rei humano de Argos e progenitor das estirpes reais do Peloponeso” (LÓPEZ, 2006, p. 39). Miceneo, herói fundador da cidade de Micenas, seria filho de Espartón e neto de Foróneo. Argos, fundador da cidade de mesmo nome, é neto de Foróneo através da união de Níobe, irmã de Espartón, com Zeus. Três heróis, sendo o último, fundador de Argos, o primeiro filho de Zeus com uma mortal. Essa Genealogia de origem divina engrandece sua cidade. Na parte dos mitos

“foi fortemente influenciado por Hesíodo, mas aplica um critério seletivo sobre a tradição quando elabora a genealogia de Foroneo e insere nela os heróis fundadores das grandes cidades do Peloponeso, resolve feitos inverossímeis de alguns mitos, sincroniza feitos e personagens míticos isolados e apresenta esses feitos e personagens sem os epítetos que a eles estavam consagrados pela tradição poética”.1

Quanto à escrita, Acusilau utiliza o dialeto jônio mesclado a formas anteriores de uma língua comum com expressões poéticas. Seu estilo é o paratático, de frases curtas unidas por partículas coordenativas e entrelaçadas pela repetição em cada frase de alguma palavra. Dialeto jônio e estilo paratático são característicos dos logógrafos. Ferécides de Atenas (primeira metade do século V a.C.) também produziu uma genealogia, intitulada Histórias, dividida em 10 livros. Ferécides não começa essa obra com uma cosmogonia nem com uma teogonia, mas com uma genealogia dos heróis da tradição mítica, com suas ascendências até os deuses, e suas descendências até os personagens de sua época e de sua cidade. É o primeiro a se dedicar às lendas da Ática e ao herói Teseu, de sua luta contra as Amazonas e as façanhas em Creta. O estilo é o paratático e o dialeto é o jônico.

Foi através das viagens marítimas, motivadas principalmente pelo comércio, que os gregos tomaram ciência da existência de outras culturas. Os logógrafos geoetnográficos e de relatos de viagens descreveram as terras e os povos que conheceram durante suas expedições pelo Mediterrâneo, Ásia e África.

Hecateu de Mileto (560 – 480 a. C.), proveniente da aristocracia de Mileto e contemporâneo das revoltas das cidades jônias contra o domínio persa, escreveu Genealogias, uma obra em prosa em que ordenava as linhagens das tradições míticas sobre as sagas heroicas. Hecateu não faz uma simples compilação, mostrando, em sua produção, uma busca pela verdade ou, pelo menos, pela verossimilhança. No proêmio diz o seguinte: “Assim fala Hecateu de Mileto: vou escrever o que é verdade, segundo se parece para mim, pois as histórias contadas pelos gregos são, me parece, contraditórias e ridículas”(LÓPEZ, 2006, p. 44). A verossimilhança é fundamentada na autoridade do autor, que indaga sobre suas fontes. O que ele pretende nessa obra é a organização e a racionalização dos mitos, numa tentativa de torná-los mais críveis. Hecateu é mais conhecido por suas obras de viagens, Descrição da terra (Periegeses) e Viagem ao redor da Terra (Periodos Ges). A Descrição da terra, dividida em dois livros, “Europa” e “Ásia”, foi produzida com informações obtidas durante as viagens e com informações de terceiros. A rota de viagens começa na Península Ibérica, passa pela costa da Europa até o Bósforo e contorna o Mar Negro; no segundo livro são abordadas a Ásia Menor, o Egito e a Líbia e termina nas Colunas de Hércules. Foram descritas formações geológicas, hidrográficas, cidades, portos e diversos povos e suas origens históricas ou lendárias. Viagem ao redor da Terra, um mapa do mundo à época, compreende a Ásia, a Europa e a África. Os continentes estão agrupados em partes iguais, em formato circular, agrupados em torno do Mar Egeu e rodeados pelo Oceano.

Helânico de Lesbos (480 - 395 a.C.) não foi um grande viajante como Hecateu, produzindo suas obras não a partir da observação pessoal, mas da obtenção de fontes orais e escritas. No campo mitográfico, Helânico revisa e sistematiza o passado mítico, ordenado de acordo com as sagas heroicas. Cada saga recebe um trabalho individual do autor. “Ele calcula por gerações a partir da tomada de Troia; elimina versões contraditórias, duplica ou amplia de forma arbitrária os membros de algumas linhagens e cria novas ramificações” (LÓPEZ, 2006, p. 48). Assim como seu predecessor, busca a racionalização do mito, suprimindo o que parecia excessivamente fantasioso e valendo-se do julgamento por verossimilhança. Helânico escreveu sobre a geografia, a história e os costumes da Pérsia, Egito, Lídia, Cítia e territórios mais relacionados com os gregos. Na própria Grécia, produziu monografias sobre costumes, construções, lendas de fundação e genealogias sobre a Eólia, Lesbos, Argos, Arcádia, Beocia, Tessália e Atenas. Em Ática, uma de suas principais obras, são abordadas a geografia, a história e os costumes da Ática. Atenas, principal cidade dessa região, recebe uma revisão de seu passado mítico de forma a torná-lo politicamente favorável; as origens míticas das principais famílias; e, pela primeira vez, se dá atenção para Teseu, herói fundador de Atenas e contraponto de Hércules, antepassado dos espartanos. Fundações de povos e cidades, Os vencedores das Carneas e As sacerdotisas de Hera em Argos são obras de caráter cronológico. Helânico buscou nas listas oficiais de instituições, templos, anotações antigas para estabelecer datas a cada nome importante para relacioná-los com feitos do passado e do presente. Em Os vencedores das Carneas, escrita em prosa e verso, utiliza a lista dos poetas que venceram as festas espartanas das Carneas. As sacerdotisas de Hera em Argos é baseada em listas oficiais que remontam ao período da Guerra de Tróia, sendo a linha cronológica de Helânico fundamentada na lista de reis e arcontes de Atenas. O autor consegue estabelecer um período para a queda de Tróia, entre 1192 e 1183 a.C.

Outros logógrafos que podem ser citados são Xantos de Sardes, lídio criado nos moldes da educação grega, autor de obras sobre sua terra natal, sobre a Ásia Menor e os diferentes povos que a formavam; e Dionísio de Mileto, a quem “deve-se-lhe a transformação de toda a mitologia heroica em novela histórica. Nesta, os antigos heróis tinham o seu lugar tomado por monarcas, generais, sábios e filantropos” (AZEVEDO, 1964, p. 24).

Os logógrafos deram início a um importante trabalho de busca histórica de suas origens, de suas cidades e instituições, vendo na racionalização dos mitos e lendas resquícios do que um dia fora um passado crível. No entanto, esses historiadores dos primeiros tempos ainda estavam longe daquela historiografia inaugurada por Heródoto e rigorosamente aplicada por Tucídides, a dos feitos e fatos memoráveis puramente humanos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LÓPEZ, José Antônio Caballero. Inicios y desarrollo de la historiografia griega: mito, política y propaganda. Editorial Sintesis, Madrid, España, 2006.

AZEVEDO, Vítor de. A História antes de Heródoto In: HERÓDOTO, História. W. M. Jackson Inc. São Paulo, Vol. XXIII, 1964.

NOTAS:


1 LÓPEZ, José Antônio Caballero. Inicios y desarrollo de la historiografía griega: mito, política y propaganda. Editorial Sintesis, Madrid, Espana, 2006, p. 39.

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domingo, 5 de fevereiro de 2017

O casamento entre portugueses e indígenas na Amazônia: O Alvará de 04 de abril de 1755

Essa pintura retrata uma família formada por um branco europeu e um indígena. Da união dos dois surge um mestiço. América Espanhola, séculos XVIII-XIX.

A dimensão do Estado do Grão-Pará e Maranhão, na segunda metade do século XVIII, constituía-se de empecilho para o reino de Portugal. Seja em São Luís ou em Belém, a administração pública não dava conta de todas as localidades do interior da região, isoladas e carentes de comunicação e desenvolvimento econômico. Vendo o problema que isso acarretaria para a soberania de Portugal sobre a Amazônia, cobiçada por holandeses e espanhóis, Mendonça Furtado sugere a criação de uma nova região administrativa. Na Carta Régia de 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, com capital na aldeia de Mariuá de São José do Javari, elevada à categoria de vila em 06 de maio de 1758 com o nome de Barcelos. (REIS, 1989, p. 120).

            Criada a nova unidade, era necessário povoá-la. A carência demográfica era um antigo problema do Grão-Pará, que possuía uma população formada, em sua maioria, desde os tempos do Padre Antônio Vieira, por indígenas, divididos em gentios, que viviam no interior, e cristãos, que podiam ser livres ou escravos; e por brancos portugueses, divididos em nobres ou cidadãos, aqueles que desempenhavam altos cargos civis e militares; peões, que poderiam ser mercadores, mecânicos e operários; e os infames, que eram cristãos novos e degredados (SARAGOÇA, 2000, In SOUZA, 2009, p. 130).  O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que [...] “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro” (MONTEIRO, 1995, p. 47).

            As primeiras famílias da Capitania de São José do Rio Negro surgiram dessa política populacional. Portugueses com índias, índios com portuguesas, esses casais foram se fixando, com direito, na região, em casas simples de madeira e palha ou já de alvenaria. Seus filhos e, depois, outros descendentes, continuaram o trabalho de povoar a Amazônia. Confiram na íntegra, abaixo, o Alvará que autorizou a união entre portugueses e nativos na Amazônia:

Eu, El Rey. Faço saber aos que este meu Alvará de Lei virem, que considerando o quanto convém, que meus Reais domínios da América se povoem, e que para este fim pode concorrer muito a comunicação com os índios, por meio de casamentos: Sou servido declarar, que os meus Vassalos deste Reino, e da América, que casarem com as índias dessa, não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos da minha Real atenção, e que nas terras em que se estabelecerem, serão preferidos para aqueles lugares, e ocupações, que couberem na graduação das suas pessoas, e que seus filhos, e descendentes, serão hábeis, e capazes de qualquer emprego, honra, ou Dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma, em razão destas alianças, em que serão também compreendidas as que já se acharem feitas antes desta minha declaração: E outrossim proíbo, que os ditos Vassalos casados com índias, ou seus descendentes, sejam tratados com o nome de caboclos, ou outro semelhante, que possa ser injurioso; e as pessoas de qualquer condição, ou qualidade, que praticarem o contrário, sendo-lhes assim legitimamente provado perante os Ouvidores das Comarcas, em que assistirem, serão por sentença destes, sem apelação, nem agravo, mandados sair da dita Comarca dentro de um mês, e até mercê minha; o que se executará sem falta alguma, tendo porém os Ouvidores cuidado em examinar a qualidade das provas, e das pessoas, que jurarem nesta matéria, para que se não faça violência, ou injustiça com este pretexto, tendo entendido, que só hão de admitir queixas do injuriado, e não de outra pessoa: O mesmo se praticará a respeito das Portuguesas que casarem com índios: e a seus filhos, e descendentes, e a todos concedo a mesma preferência para os ofícios, que houver nas terras em que viverem; e quando suceda, que os filhos, ou descendentes destes matrimônios tenham algum requerimento perante mim, me farão a saber esta qualidade, para em razão dela mais particularmente os entender. E ordeno que esta minha Real resolução se observe geralmente em todos os meus domínios da América. Pelo que mando ao Vice-Rei e Capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, Capitães generais e governadores do Estado do Maranhão e Pará, e mais conquistas do Brasil, capitães-mores delas, chanceleres, e Desembargadores das Relações da Bahia, e Rio de Janeiro, Ouvidores Gerais das Comarcas, Juízes de fora, e Ordinários, e mais justiças dos referidos Estados, cumpram, e guardem o presente Alvará de Lei, e o façam cumprir, e guardar na forma que nele se contém, o qual valerá como Carta, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, e se publicará nas ditas Comarcas, e em minha Chancelaria mor em que semelhantes Alvarás se costumam registrar; e o próprio se lançará na Torre do Tombo. Lisboa, quatro de Abril de mil e setecentos e cinquenta e cinco.

Rei

Marquês de Penalva P.

            Alvará de Lei, porque V. Majestade é servido declarar, que os Vassalos deste Reino, e da América, que casarem com índios dela, não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos da sua Real atenção, e serão preferidos nas terras, em que se estabelecerem, para os lugares, e ocupações, que couberem na graduação de suas pessoas; e seus filhos, e descendentes serão hábeis, e capazes de qualquer emprego, honra, ou Dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma, em razão destas alianças, em que se compreendem as que já se acham feitas antes desta Resolução; e que o mesmo se praticará com as Portuguesas, que casarem com índios, e a seus filhos, e descendentes, como acima se declara.
Para Vossa Majestade V:.

            Por Resolução de Sua Majestade de vinte e dois de Março de mil setecentos e cinquenta e cinco, tomada em Consulta do Conselho Ultramarino, de dezessete do dito mês, e ano.

O Secretário Joaquim Miguel Lopes de Lavre o fez escrever

            Registrado a fol. 48. Do liv. 12. De Provisões da Secretaria do Conselho Ultramarino. Lisboa, 10 de Abril de 1755.
Joaquim Miguel Lopes de Lavre.

Francisco Luiz da Cunha de Ataíde

            Foi publicado este Alvará de Lei na Chancelaria mor da Corte, e Reino, Lisboa, 12 de Abril de 1755.                                      
                                                                                                               Dom Sebastião Maldonado

            Registrado na Chancelaria mor da Corte, e Reino, no livro das Leis a fol. 83. Lisboa, 14 de Abril de 1755.
Rodrigo Xavier Alvares de Moura.


Theodosio de Cobellos Pereira o fez.



Foi reimpresso na Oficina de Miguel Rodrigues.


FONTES:

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. 2° ed, Belo Horizonte, Itatiaia, 1989. (Coleção reconquista do Brasil).

SOUZA, Márcio. História da Amazônia. Manaus, Editora Valer, 2009.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, São Paulo, Metro Cúbico, 1995.

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

De Boca do Acre para Manaus: A vida de uma migrante entre 1960 e 1980

Entrevista com a Sra. Maria Hortência Rodrigues de Carvalho
Entrevista realizada entre 12/01/2017 e 13/01/2017

DEPOENTE: Maria Hortência Rodrigues de Carvalho, 66 anos, natural do município de Boca do Acre (AM), há 54 anos moradora de Manaus.
TEMÁTICA: História Oral de vida

1° Imagem: Principal rua comercial de Boca do Acre, 1974. 2° Imagem: Av. Eduardo Ribeiro, Manaus, 1960.

“Eu tinha 12 anos quando sai de Boca do Acre. Fui obrigada. Meu pai foi obrigado a deixar a cidade porque trabalhava em uma empresa federal que lhe deu a ordem de vir para Manaus com a família. Chorei muito, eu era uma criança. Tenho muitas saudades de Boca do Acre, cidadezinha linda. Chegamos em Manaus de tarde. Era muito diferente de Boca do Acre. Achei a cidade feia porque nós fomos morar em uma região de mata onde existiam algumas casas da Base Aérea. Ficamos em uma onde já existia um casal e outra pessoa. O casal nos recebeu bem, o outro morador, não. Ele era estranho. Quem nos recebeu foi o seu Agostinho e a dona Raimunda Araújo. Fizeram um jantar, comemos e conversamos. Sabe o que era o jantar? Dois quartos de paca1 assada, uma delícia. No outro dia dona Raimunda nos convidou para ir no mercado fazer compras. Comprar comida porque aqui tudo era comprado. 
Aqui em Manaus meu pai continuou exercendo a mesma profissão de Boca do Acre, a de construtor de pistas para avião. Ele recebia as pedras para o trabalho de Santarém. Minha mãe sempre foi dona de casa, mãe e companheira. Zacarias Rodrigues Vieira e Maria Raimunda Rodrigues foram bons pais. Naquela época era no chicote (risos), qualquer erro apanhava, mas eram muito bons, me criaram com muito carinho.(Aponta para um grande quadro antigo da família, na sala) Esse quadro é uma das poucas lembranças que tenho deles. Ele é de 1969. Os retratistas vinham de casa em casa e perguntavam se não queríamos fazer um quadro, aí a gente dava uma foto, eles faziam o quadro e tal dia vinham entregar. Foi minha mãe que contratou o serviço. Ela tinha 41 anos e o meu pai 47. Eu não estava em casa, estava na escola. Quando eu cheguei de lá ela me falou. Os retratistas falaram que iam diminuir a careca do meu pai (risos) e, como eu era muito nova, me fizeram com a aparência mais velha. Meu filho tinha 3 anos de idade, e era muito amado por meus pais. Eles que escolheram as roupas da pintura, suas cores e desenharam penteados para mim e minha mãe. Para mim é muito importante ter o quadro, pois sinto muitas saudades dos meus pais o vendo. 
Eu e meus pais moramos nas casas da Base Aérea e depois fomos para a Betânia2, que estava sendo fundada. O dono daquelas terras limpou o lugar e construiu um escritório de venda de terrenos. Papai foi lá e comprou um, que ficou 10 meses pagando. Nele construiu uma palhoça onde ficamos morando. Depois, a prefeitura estava abrindo a rua Nova em São Lázaro. Era tudo propriedade da Base Aérea. Ela determinou que a área fosse loteada e que fosse dado um terreno para cada funcionário seu. Nós ganhamos e desde então passamos a morar no São Lázaro. Me lembro que meu pai estava construindo uma casa de madeira na rua Nova. Nós tínhamos uma também de madeira na rua 09 de Maio. Um dia vieram nos avisar que a casa da 09 de Maio estava pegando fogo. Quando chegamos lá alguns moradores, o Braga e a Nasa, já estavam apagando o fogo. Nos mudamos definitivamente para a Rua Nova. Em Boca do Acre eu estudava no Patronato Nossa Senhora de Nazaré. Quando viemos para Manaus eu fui estudar no Patronato Santa Terezinha. Nele estudei até começar os namoricos (risos) e me casar, ainda jovem. 
Na minha infância e adolescência Manaus era uma cidade linda. Não tinha tanto crime, era calma, boa para se morar. Lembro dos ônibus de madeira, das praças, a praça em frente ao Colégio Dom Pedro II, a da Polícia. Aos domingos todos levavam os filhos para brincar. Tinha alguns animais, na Praça da Matriz. Tinha tartaruga e peixe-boi. No Centro tinha arraial, mas acabou. A Cidade só ficava acesa até as 22:00 hrs, depois a energia era desligada e só voltava no outro dia. Os crimes eram muito raros. Quando acontecia, investigavam, assassinatos e outros tipos. Lembro do crime da Pensão Maranhense, na Avenida Eduardo Ribeiro, ocorrido em 1968. Era uma pensão, tinha restaurante. Era um recinto como outro qualquer. Um garoto, Waldegrace, que era engraxate, ficava trabalhando em frente a pensão. O dono dela, José Figueiredo, ficava observando ele. Um dia ele chamou o garoto e perguntou: Tu queres umas roupas usadas? O garoto disse que sim e ele falou: Então vamos lá em casa pegar. Fez isso só para assassinar o rapaz. No dia do julgamento, o pai de Waldegrace tentou matar o assassino. Só não matou porque o calibre era 22 e não fez muito efeito. O pai do menino foi para o presídio. 
Para se divertir nós tínhamos festas. Eu era muito nova e só ia para a Tarde Dançante. Eram a Manhã de Sol, a Tarde Dançante e a Noite Noturna. Era aqui no São Lázaro, organizadas pelos moradores. De noite também tinha cinema, de dia, muitas festas e, de tarde, muitas danças. Lá no Morro da Liberdade (apontando para cima) tinha o Libermorro. Nunca cheguei a ir. No Centro, o Ideal Clube era para os ricos. No São Jorge tinha o Arauto, casa de dança. E tinha uma no São Raimundo. As mulheres solteiras só saíam de casa a noite. De dia ficavam na “toca”, na casa delas. Só de noite podiam sair. 
Pela cidade nos locomovíamos de ônibus. Eles eram de madeira, pequenos. Não tinha cadeira para o cobrador, que ia em pé, segurando o dinheiro e procurando os passageiros que ainda não tinha pagado. Não lembro o preço da passagem, não lembro não. Tinha carroça, mas era para carregar rancho, madeira e palha para cobrir as casas. Tinha carro, tipo táxi. Não lembro do ano da instalação da Zona Franca, só sei que foi nos anos 70. A cidade ficou um alvoroço. Eu também gostei, pois podia comprar as coisas com facilidade. Tudo tinha aqui. Antes tinha que mandar buscar de longe. Depois que ela foi instalada, o ritmo de vida mudou, acelerou. Ninguém tinha mais tempo para nada. 
Existiram bons governos, que trabalhavam muito. Mas era Ditadura Militar. Foi pesada aqui. Daquela época eram bons os preços, aqui, no Morro da Liberdade e em qualquer lugar. No Centro a gente via aqueles senhores conversando na Praça, falando sobre o governo. A Polícia ficava vigiando e pegava eles, que eram presos ou sumiam. Disso eu não gostava. Ninguém podia ficar conversando muito tempo junto, vadiando, que a polícia vinha para cima. A política atual não é boa, não, tem muita corrupção. Não é bom para ninguém entrar na política hoje. 
Eu me casei com 14 anos, mas ele foi embora para Belém. Mandou me buscar mas meus pais não deixaram. Fui tendo meus filhos. Com ele tive apenas um. No meu segundo casamento eu já tinha 20 anos e fui tendo mais filhos. Tive quatro. Esse foi um bom casamento, que durou até ele falecer no ano passado, com 74 anos. O nome dele era João Augusto de Carvalho. Não estudou, mas eu também tinha pouco estudo, terminei eles com 62 anos. Era um bom marido, carinhoso. Com o primeiro marido eu tive o Leomar Rodrigues da Silva. Com o segundo, Giovana Rodrigues de Carvalho, Gerivan Rodrigues de Carvalho, Trissimara Rodrigues de Carvalho e Maralice Rodrigues de Carvalho, gêmeas. 
Eu já tinha 30 anos quando comecei a trabalhar e não parei mais, até me aposentar. Trabalhei na Caloi, onde hoje é outra loja, mas não gostei. Era um trabalho chato em uma fábrica de meias e tapetes. Depois fui trabalhar em uma fábrica de relógios, a Nelima. Trabalhei, trabalhei, mas não gostei. Resolvi estudar. Estudava, estudava mais, fazia cursos para cá e para lá. Fiz primeiros socorros e enfermagem. Fiz o concurso e entrei na SEMSA3. Fiz outro concurso e entrei na SUSAM4. Nela eu entrei como auxiliar mas também era técnica. Depois de uns anos, me convidaram para trabalhar na FUNAI5. Queria me aposentar pela SUSAM. Consegui. Na FUNAI era CLT, órgão federal que pagava bem. Fiquei trabalhando lá por 32 anos. Tinha vontade de fazer faculdade de Medicina, mas não fiz porque não tinha terminado os estudos. Depois estudei, mas aí já trabalhava em três empregos (mostra com os dedos) e estava cansada. Antes de trabalhar eu era doméstica. Ajudava a minha mãe a limpar a casa. Ajudar com dinheiro eu ainda não podia, pois meu marido ganhava muito pouco e também não deixava eu sair de casa para trabalhar. 
Ah, a melhor época da minha vida foi nos anos 60. Eu namorava muito (risos), muito mesmo, ia para muitas festas. Inventei de casar aí acabou (risos). Apesar da política suja, ainda espero uns bons anos para mim, para meus filhos, netos e tudo mais. Espero que minha cidade melhore bastante. Não tenho vontade de sair daqui, amo essa cidade. Assim como eu chorei quando sai da minha cidadezinha para vir para cá, se um dia eu precisar sair daqui, vou chorar muito mais...

NOTAS:
1 Espécie de roedor predominante em regiões de clima tropical
2 Bairro da Zona Sul de Manaus, vizinho do Morro da Liberdade, São Lázaro e Crespo.
3 Secretaria Municipal de Saúde.
4 Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas.

5 Fundação Nacional do Índio.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Manaus de Antigamente
Hernondino Chagas, IBGE.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Catolicismo Popular no Brasil

Imagens de Santo Antônio e São João Batista, santos populares no Brasil.

Esse pequeno texto faz parte do artigo Fragmentos de objetos, costumes e crendices antigas em Manaus, ainda não publicado.

O português e o espanhol trouxeram para a América o catolicismo. Nessa parte do Atlântico essa religião se desenvolveu de forma curiosa: mesclaram-se às raízes da tradição cristã ibérico romana, ainda com fortes traços medievais de influência pagã e maometana, as crenças dos nativos e, mais tarde, dos escravos africanos. Por mais que os conquistadores tentassem suprimir os credos dos outros dois grupos, o sincretismo, lentamente forjado em uma relação nem sempre amistosa de séculos, já havia ocorrido. Surgiu algo novo, outro catolicismo, o popular. Os moradores de povoados, vilas e poucas cidades existentes na América Portuguesa, distantes do centro de poder de Roma, se apegam mais à devoção do que ao sacramento.

O atual Rio de Janeiro um dia foi São Sebastião do Rio de Janeiro. A primeira cidade da colônia foi consagrada ao padroeiro de Lisboa, São Vicente. A fortaleza que deu origem à Manaus foi construída entre 1669-1670, sob a “invocação de Jesus, Maria e José” (MONTEIRO, 1995, p. 25), a Sagrada Família, e ficou conhecida como Fortaleza de São José da Barra. Em 1695, os padres carmelitas constroem uma pequena igreja ao lado do forte, consagrando o templo e a localidade à Nossa Senhora da Conceição. São Sebastião, São Vicente, Sagrada Família, São José da Barra e N. S. da Conceição da Barra, referências e oragos do catolicismo lusitano implantado no litoral e na região amazônica. De acordo com o Banco de Nomes Geográficos do Brasil, do IBGE, uma em cada 9 cidades brasileiras têm nome de santo, sendo 652 dos 5.565 municípios. Os mais citados, por ordem, são: São José (60), São João (54), Santo Antônio (38) e São Francisco (27)4.

O leigo (a) é a autoridade do culto popular. Existiam, claro, padres, freis e monges, mas o catolicismo foi transmitido por pessoas não ligadas ao poder eclesiástico, mas conhecedoras, ao seu modo rústico, das práticas religiosas. Herdeiras dos primeiros tempos da religião na América Portuguesa, são as rezadeiras e benzedeiras que ainda existem nas regiões Norte e Nordeste, que transitam entre a linha da religião, invocando os nomes de Jesus e santos, e do conhecimento nativo, buscando na mistura de ervas e plantas panaceias para todas as dificuldades. Iemanjá, divindade do Candomblé e da Umbanda, tem seu par na figura de Nossa Senhora dos Navegantes; e a lavagem das escadarias da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, é realizada por mães de santo e filhas de santo (RIBEIRO, 2012, p. 18). Essa é uma característica da ausência do poder institucionalizado, que permite o surgimento de uma religião maleável e mais acessível às massas. Semelhante aos cultos fenícios e greco-romanos é a prática do ex-voto suspecto, o voto realizado, que consiste em deixar objetos para os santos como agradecimentos por graças alcançadas.

O santo tem papel de destaque na vida religiosa. Tudo gira em torno de sua figura. Oratórios, capelas e santuários são construídos com a ajuda da comunidade para honrá-lo. Esses templos movimentam as massas devotas e concentram em si a vida econômica e social, com a realização de arraiais, feiras e quermesses em seus terrenos ou arredores. As principais cidades do Nordeste se transformam durante os festejos de junho para São João, São Pedro e Santo Antônio. Deus é o ser supremo, representado como Senhor Bom Jesus, Divino Pai Eterno e Divino Espírito Santo. Não existe um culto específico para ele, pois os santos cumprem o papel da intercessão divina. Jesus, filho do criador

[…] é o protótipo dos santos: bom e justo, ele sofre sem ter pecado, e por esse sofrimento ele ganha a misericórdia divina para com os homens. Sua representação popular é, pois, a representação do sofredor: o Crucificado, o Senhor morto, o Jesus da Paixão. Só a partir da ‘romanização’ se introduz a representação de Jesus glorioso, Cristo-Rei, do Jesus suave e manso, como o Menino Jesus e Sagrado Coração de Jesus. Basta lembrar que a grande festa do catolicismo popular não é a Páscoa e nem mesmo o Natal, mas a Sexta-Feira Santa, a Sexta-feira da Paixão. Assim como Jesus sofreu, aceitando como resignação as provações que Deus lhe mandou, também os santos sofreram cada qual as suas provações, tendo assim provado diante de Deus sua conformidade com o que lhes mandava. Também os homens têm que se conformar com a sorte que Deus lhe deu, vivendo em fidelidade aos mandamentos de Deus sem jamais amaldiçoar sua vida5.

A relação com as imagens sacras é íntima e mistura superstições variadas. Santo Antônio, o casamenteiro, quando intercede e não encontra um parceiro, é congelado e posto de cabeça para baixo em um copo d' água. São Longuinho ganha “três pulinhos” se ajudar a encontrar um objeto perdido. Quando ajudam são recompensados e, quando não, ficam de castigo. Em cantiga vinda da antiga freguesia de Monsanto, em Portugal, São José ajuda a embalar uma criança para o sono6: 

José, embala o Menino,
Com a mão, nanja co pé,
O menino que ali vês
É Jesus de Nazaré.
Cantai, anjos, ao Menino,
Que a Senhora logo vem,
Foi lavar os cueirinhos
À ribeira de Belém

São amigos próximos mas também podem ser tratados como crianças birrentas. Os santos curam e ajudam nos problemas do cotidiano, bem como protegem a casa, a rua e o comércio. O catolicismo popular é um dos exemplos mais significativos de como se desenvolveu a sociedade na América Portuguesa e, mais tarde, no Brasil. Uma religião milenar, já transformada em sua região de origem, se aclimatou nos trópicos, onde também recebeu outras influências e se transformou em algo novo, expressão de uma sociedade desigual e culturalmente multifacetada.

NOTAS:

4 Uma em cada nove cidades do país tem nome de santo. Disponível em g1.globo.com/brasil/noticia/2011/09/uma-em-cada-nove-cidades-do-pais-tem-nome-de-santo.html. Acesso em 17/01/2017.
5 OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Vozes, Petrópolis, 1985, p. 112.
6 José embala o menino In: Pires, A. Tomás. Cantos Populares Portuguezes (em Português). 1 ed. Elvas: Tipografia Progresso, 1902. vol. I.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. São Paulo, Editora Metro Cúbico, 4° ed, 1995.

RIBEIRO, Josenilda Oliveira. Sincretismo religioso no Brasil: Uma análise histórica das transformações no catolicismo, evangelismo, candomblé e espiritismo. UFPE, 2012.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

commons.wikimedia.org

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Leituras de 2016

Santo Agostinho, Caio Júlio Fedro, Voltaire, Montesquieu e Antônio Simplício de Almeida Neto

Esse ano foi bastante produtivo. Tive um artigo publicado na revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), um capítulo em livro lançado em outro estado e fui convidado para ser um dos administradores da página Manaus de Antigamente. O número de curtidores e de acessos ao blog aumentaram de forma incrível. Com compromisso dentro e fora da universidade, consegui concluir a leitura de 5 livros, dos quais 4 incríveis clássicos da literatura ocidental: Santo Agostinho, Fedro, Voltaire e Montesquieu. Os clássicos são sempre atuais. A leitura da obra de Simplício de Almeida Neto ocorreu através de uma atividade acadêmica, e foi muito proveitosa.

Santo Agostinho (Coleção Os Pensadores, Abril Cultural, 1999)

Ler Santo Agostinho é tentar compreender o (s) pensamento (s) de um dos maiores autores do Ocidente. As principais obras do bispo da cidade de Hipona e santo da Igreja são, em ordem cronológica: Contra os acadêmicos (386); Solilóquios (387); Do Livre-Arbítrio (388-395); De Magistro (389); De Trinitate (399-422); Confissões (400); A Cidade de Deus (413-426); e Retratações (413-426). A Coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, traz recortes de várias obras suas. Me chamaram a atenção a concepção que ele tinha de História, abordada em A Cidade de Deus, para ele o resultado do pecado de Adão e Eva, transmitido para todos os homens e mulheres, que o expressam na construção da cidade terrena, dos impérios e das civilizações; e de homem, em Solilóquios, constituído de duas personalidades: a primeira personalidade seria o “Homem exterior”, do mundo mundano, com necessidades biológicas, instintivo e animal. O segundo, o “Homem interior”, está ligado aos sentimentos, ao plano metafísico com Deus. É no homem interior, ligado a Deus, que Agostinho busca a felicidade e um sentido para sua existência.

Fábulas (Editora Escala, 2006)

Caio Júlio Fedro, ou apenas Fedro, é um autor com uma trajetória interessante. Nascido na Trácia, no século I d.C., fora levado para Roma para servir como escravo de Augusto, que logo lhe deu a liberdade. Conhecedor do grego, aperfeiçoou seu latim e aprimorou suas habilidades na escrita. Leitor de Esopo, o principal fabulista do mundo grego, introduziu em Roma esse gênero através de sua obra Fabulae (Fábulas). Através de personagens fictícios como animais, objetos e pessoas, nos transmite grandes lições de moral, ética, prudência e humildade. Minhas fábulas preferidas são A gralha soberba e o pavão, sobre aceitar a nossa vida sem criar falsas imagens desta; A rã implodida e o boi, sobre como não devemos tentar parecer ser mais do que realmente somos; A gratidão do rato, de como não devemos menosprezar as pessoas simples; Desculpas sim, porém não esquecer, sobre como perdemos a confiança em pessoas que nos enganam uma vez; e O crime tem preço, sobre como que faz o mal, o recebe de volta.

Cartas Filosóficas (Editora Escala, 2006)

Três elementos estão presentes nessa obra epistolográfica de Voltaire: tolerância, liberdade e diversidade. Eles são a essência da cultura burguesa do século XVIII. Crítico ácido dos reis absolutistas, dos membros da nobreza e do clero, saiu da França e se refugiou na Inglaterra, redigindo as Cartas Filosóficas ou Cartas Inglesas. Em 25 cartas, o autor compara instituições, costumes, crenças e outros aspectos da Inglaterra com a França. É uma forma de mostrar para as autoridades civis e religiosas da França, onde foi perseguido. Gostei das seguintes cartas: As 7 primeiras sobre grupos religiosos; 10° Sobre o Comércio; 8° Sobre o Parlamento; 11° Sobre a Inoculação do Vírus da Varíola; 20° Sobre os Senhores que Cultivam as Letras; 23° Sobre a Consideração que se deve ter pelos Literatos; e 24° Sobre as Academias. Nessas cartas temos o Voltaire filósofo, historiador, ensaísta e novelista.


Cartas Persas (Editora Escala, 2 volumes, 2006)

Mais uma obra epistolográfica, de caráter crítico-social ou uma sátira para alguns críticos literários. Montesquieu, assim como Voltaire, é um burguês letrado do século das Luzes, e tece críticas às instituições políticas e religiosas. Através de um grupo fictício de viajantes persas, o autor constrói um choque cultural entre a Europa e o Oriente, gênero comparativo recorrente no século XVIII. É através de personagens como Rica, Usbek e Ibben, que Montesquieu consegue escrever, criticar e idealizar as instituições de Paris e de outras cidades da Europa sem se preocupar com a censura (publicou o livro de forma anônima em 1721). As cartas que mais me interessaram, enviadas para amigos que estão na Europa ou no Oriente, foram: sobre os Monarcas; o Papa, a Comédia, a Liberdade das mulheres ocidentais em relação às orientais; as Cortes; e as Religiões.

Representações Utópicas no Ensino de História (Editora Unifesp, 2011)

Mais que qualquer outra disciplina, a História traz a questão da utopia de forma mais clara, pois aborda variados temas passados, todos com suas contradições, necessitando ser esmiuçados e explicados, sempre com algum significado para o presente. Temas que retratam guerras, revoluções, conflitos de classe, movimentos sociais e políticos, são exemplos de como a História carrega, no passado, inúmeras lições para se aprender no presente. Representações Utópicas no Ensino de História, livro do professor Antônio Simplício de Almeida Neto, trata das representações utópicas que os professores de história possuem em relação a sua disciplina, a maneira como eles representam o futuro em relação à disciplina escolar.

Infelizmente, nem só de coisas boas o ano feito. Dia 14 perdi meu pai e avô João Augusto de Carvalho, o qual agradeço imensamente por minha formação, apesar de não ter sido um neto à altura. Deixei pelo caminho História do Declínio e Queda do Império Romano, de Edward Gibbon; e De Pueris, de Erasmo de Roterdã. São leituras que vão ficar para 2017. Essas que foram feitas acima, recomendo, pois são obras agradáveis, edificantes para a moral e a ética, Desejo aos seguidores e seguidoras um bom final de ano e muitas leituras.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Estante Virtual
Editora Escala
Editora Nova Alexandria
Livrarias Saraiva


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

São Lázaro, o padroeiro do meu bairro

A palavra padroeiro tem origem no latim Patronus, que significa “defensor, protetor”, derivado de Pater, “pai”. O Santo Padroeiro de uma vila, povoado ou cidade, tem por objetivo a proteção do local a que foram dedicados e a intercessão entre o homem e o Criador. Na Idade Média conferiam prestígio às suas paróquias e cidades, que recebiam peregrinos de várias regiões em busca de contato com as relíquias e imagens divinas. Nas Sagradas escrituras, personagens que morreram puros no Senhor e alcançaram o Céu, continuam a interceder pelos vivos. Durante as perseguições a cristãos nos tempos do Império Romano, um grande número de pessoas que morreram em nome da fé foram aos poucos canonizadas pela Igreja Católica.

Manaus, fundada provavelmente em 1669, no entorno do Forte de São José da Barra, teve como primeira religião o Catolicismo, implantado na região através dos conquistadores portugueses. Essa religião viria a dominar por séculos a evolução da cidade. A primeira ermida construída na povoação foi consagrada à Nossa Senhora da Conceição; as primeiras ruas receberam o nome de Deus padre, Deus Filho e Deus Espírito Santo; os primeiros bairros foram São Vicente de Fora, uma homenagem ao santo padroeiro de Lisboa; e Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade. A escolha de um Santo Padroeiro é uma herança política e cultural dos tempos do Império Português, que assim dividia (a divisão ainda existe) suas freguesias em Portugal.

Lázaro era membro de uma família abastada da Palestina, e vivia com suas duas irmãs, Marta e Maria, em uma aldeia de Israel chamada Betânia (atualmente localizada na Cisjordânia), que junto da aldeia de Betfagé, era o último ponto de descanso para quem subia à cidade por Jericó. Betânia estava distante 3 km a leste de Jerusalém e do Monte das Oliveiras, um dos muitos lugares de transmissão dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Os três irmãos tinham uma forte amizade com Jesus, tendo o hospedado muitas vezes em sua casa. Jesus ficou hospedado nos dias que antecederam a Paixão, do Domingo de Ramos até o dia de sua prisão. Além da relação que tinha com Cristo, a figura de Lázaro tornou-se importante para a História do Cristianismo pois este, após a morte, foi ressuscitado por seu amigo. Desde os primeiros séculos do mundo cristão o túmulo de Lázaro se converteu em local de devoção, tendo sido erguido, no século IV de nossa era, um santuário em seu redor.

De acordo com a Bíblia (compilação abaixo produzida pela Ordem Militar e Hospitalar de São Lázaro de Jerusalém – Grão Priorado de Portugal), no Evangelho segundo João, a história do milagre de Lázaro ocorreu da seguinte forma:

Lázaro caiu doente em Betânia, onde estavam Maria e sua irmã Marta. Maria era quem ungira o Senhor com o óleo perfumado e lhe enxugara os pés com os seus cabelos. E Lázaro, que estava enfermo, era seu irmão. Suas irmãs mandaram, pois, dizer a Jesus: Senhor, aquele que tu amas está enfermo. A estas palavras, disse-lhes Jesus: Esta enfermidade não causará a morte, mas tem por finalidade a glória de Deus. Por ela será glorificado o Filho de Deus. (João 11, 1-4)

Ora, Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro. Mas, embora tivesse ouvido que ele estava enfermo, demorou-se ainda dois dias no mesmo lugar. Depois, disse a seus discípulos: Voltemos para a Judéia. Mestre, responderam eles, há pouco os judeus queriam-te apedrejar, e voltas para lá? Jesus respondeu: Não são doze as horas do dia? Quem caminha de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas quem anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz. Depois destas palavras, ele acrescentou: Lázaro, nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo. Disseram-lhe os seus discípulos: Senhor, se ele dorme, há-de sarar. Jesus, entretanto, falara da sua morte, mas eles pensavam que falasse do sono como tal. Então Jesus lhes declarou abertamente: Lázaro morreu. Alegro-me por vossa causa, por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos a ele. A isso Tomé, chamado Dídimo, disse aos seus condiscípulos: Vamos também nós, para morrermos com ele. (João 11, 5-16)

À chegada de Jesus, já havia quatro dias que Lázaro estava no sepulcro. Ora, Betânia distava de Jerusalém cerca de quinze estádios. Muitos judeus tinham vindo a Marta e a Maria, para lhes apresentar condolências pela morte de seu irmão. (João 11, 17-19)

Mal soube Marta da vinda de Jesus, saiu-lhe ao encontro. Maria, porém, estava sentada em casa. Marta disse a Jesus: Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido! Mas sei também, agora, que tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá. Disse-lhe Jesus: Teu irmão ressurgirá. Respondeu-lhe Marta: Sei que há-de ressurgir na ressurreição no último dia. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisto? Respondeu ela: Sim, Senhor. Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que devia vir ao mundo. A essas palavras, ela foi chamar sua irmã Maria, dizendo-lhe baixinho: O Mestre está aí e chama-te. Apenas ela o ouviu, levantou-se imediatamente e foi ao seu encontro. (Pois Jesus não tinha chegado à aldeia, mas estava ainda naquele lugar onde Marta o tinha encontrado.) Os judeus que estavam com ela em casa, em visita de pêsames, ao verem Maria levantar-se depressa e sair, seguiram-na, crendo que ela ia ao sepulcro para ali chorar. Quando, porém, Maria chegou onde Jesus estava e o viu, lançou-se aos seus pés e disse-lhe: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido! Ao vê-la chorar assim, como também todos os judeus que a acompanhavam, Jesus ficou intensamente comovido em espírito. E, sob o impulso de profunda emoção, perguntou: Onde o pusestes? Responderam-lhe: Senhor, vinde ver. Jesus pôs-se a chorar. Observaram por isso os judeus: Vede como ele o amava! Mas alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos do cego de nascença, fazer com que este não morresse? (João 11, 20-37).

Tomado, novamente, de profunda emoção, Jesus foi ao sepulcro. Era uma gruta, coberta por uma pedra. Jesus ordenou: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que ele está aí… Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu: Se creres, verás a glória de Deus? Tiraram, pois, a pedra. Levantando Jesus os olhos ao alto, disse: Pai, rendo-te graças, porque me ouviste. Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa do povo que está em roda, para que creiam que tu me enviaste. Depois destas palavras, exclamou em alta voz: Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo os pés e as mãos ligados com faixas, e o rosto coberto por um sudário. Ordenou então Jesus: Desligai-o e deixai-o ir. Muitos dos judeus, que tinham vindo a Marta e Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele. (João 11, 38-45).

No bairro São Lázaro, o dia do santo é comemorado com uma série de atividades que incluem missas, arraial e a procissão que percorre as principais ruas da comunidade, entre os dias 02 e 10 de fevereiro. No dia 11 do mesmo mês ocorre a benção dos animais. Durante a Idade Média, tornou-se padroeiro dos leprosos por causa de uma associação errônea feita entre sua figura e a de Lázaro da Parábola de São Lucas, o Evangelista. As imagens sacras reproduzidas mostram, em alguns casos, um Lázaro coberto por chagas, segurando muletas e acompanhado por dois cachorros; ou um Lázaro com vestes nobres segurando a Igreja de Larnaca, Chipre. São Lázaro é protetor dos enfermos, dos pobres e dos animais.

O escritor Raimundo Motta de Araújo Filho, autor do livro Nova Betânia (2008, Edições Muiraquitã, p. 20), afirma que o nome do bairro Betânia, fundado em 1964, escolhido pelo então arcebispo de Manaus Dom João de Souza Lima, foi uma alusão à cidade de onde veio o Santo São Lázaro, cujo nome batizara o bairro vizinho, fundado quase uma década antes.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://www.wjhirten.com/