quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Estudos sobre o Mundo Grego - da Antiguidade ao século XVIII

Via Appia. Frontispício do segundo tomo de Antiguidades Romanas (1756) de Piranesi.

A Grécia Antiga, região geográfica compreendida pelo sul dos Bálcãs (Grécia Continental), a Península do Peloponeso (Grécia Peninsular), as ilhas do Mar Egeu (Grécia Insular) e as colônias estabelecidas na Ásia Menor e Península Itálica (Magna Grécia), sempre despertou a curiosidade de especialistas e amadores, seja por suas fantásticas ruínas históricas, ainda visíveis em algumas cidades da Europa, a língua, a Filosofia e a literatura, que influenciaram fortemente desde sábios da Idade Média até autores contemporâneos. Os romanos, conquistadores dos territórios gregos, demonstraram um forte interesse por essa sociedade.

Antes de incorporar os territórios gregos ao seu império, Roma já possuía uma forte influência da cultura helênica, transmitida através de trocas comerciais e de batalhas travadas entre o Império e diferentes cidades-estado gregas. A conquista apenas veio para consolidar um processo que já estava há muito tempo em andamento. Como Roma preservava a língua, a religião e algumas instituições políticas dos territórios que conquistava, o helenismo sobreviveu e passou a fazer parte da sociedade romana. Artistas, médicos, professores de Filosofia e Retórica, alguns como escravos, ensinavam romanos abastados. Atenas permaneceu com a sua posição de centro intelectual; e os romanos cultos dominavam e liam a língua grega. Os deuses romanos eram semelhantes às divindades helenas, diferenciando-se apenas nos nomes.

Foi ainda na Antiguidade que surgiram os primeiros estudos sobre a Grécia, estes produzidos por romanos e gregos de cidadania romana. Plutarco (46 d.C. - 120 d.C.), um grego de cidadania romana, viajou por muitas cidades gregas sob jugo romano, produzindo uma obra variada, destacando-se Vidas Paralelas, um compêndio de biografias de grandes personagens greco-romanos. Ao abordar a vida dos personagens espartanos Licurgo, Lisandro, Agesilau, Ágis e Cleômenes, Plutarco nos apresenta a evolução histórica da cidade de Esparta dos tempos arcaicos até o helênico¹.

O geógrafo e viajante grego Pausânias (c, de 115 d.C. - c. de 180 d.C.) elaborou um Guia da Grécia, no qual descreve monumentos, templos, obras de arte, história, geografia, costumes e mitos da Grécia Continental e do Peloponeso. Além de visitar pessoalmente cada uma dessas cidades, Pausânias teve como fontes relatos de viagem e autores gregos anteriores. Sua obra é dividida em dez livros: 1-Ática e Megárida, 2-Corinto, 3-Lacônia, 4-Messênia, 5 e 6-Élida, 7-Acaia, 8-Arcádia, 9-Beócia, 10-Fócida e Lócrida Ozoliana.

Durante o período que ficou conhecido como Humanismo, uma transição da baixa Idade Média para a Idade Moderna (séculos 14 e 16), intelectuais das cidades-estado italianas, enriquecidas pelo comércio e politicamente instáveis, viram na cultura-greco romana modelos artísticos e políticos a serem seguidos. Patrocinado por nobres italianos e pelo Papa Eugênio IV, o humanista, arqueólogo e viajante Ciríaco de Ancona (1391-1455), ao estudar inscrições gregas em monumentos, inaugura uma nova ciência auxiliar da História, a Epigrafia. Além de estudar inscrições, Ciríaco foi um grande colecionador de relíquias, códices e documentos clássicos, compilados em obras como Comentários, dividida em 6 volumes, arruinados em 1514; Itinerário (1742); e Epigramas encontrados em Ilírico por Ciríaco de Ancona (1664).

Um desenho de Ciríaco representando uma antiga tumba romana.

Na época de Ciríaco, os monumentos e templos gregos tinham ganho outras funções: Mansões, Castelos particulares, fortalezas, estábulos e igrejas. Muitos escritos, cópias e obras de autores gregos se encontravam preservadas em mosteiros e abadias, onde eram recopiados e estudados por sábios. No século 18, as ruínas eram um prato cheio para saqueadores vindos da França, da Inglaterra e de cidades do Oriente, patrocinados ou interessados nos ganhos vindos com a venda das peças. O contrabando era destinado para coleções particulares, muitas das quais podem ser vistas hoje em museus da Europa e em alguns da América do Norte. Eruditos iluministas, patrocinados ou independentes, passaram a fazer pesquisas e escavações em antigas cidades gregas. O arqueólogo alemão Johann Joachin Winckelmann (1717-1768) era especialista em História da Arte, defendendo, em suas obras, os princípios e a superioridade das técnicas, do ideal de beleza das artes gregas. Sua obra magna é História da Arte Antiga (1764).

O desenho que ilustra o início desse texto é de autoria de veneziano Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), gravurista, arquiteto, engenheiro e arqueólogo italiano. Ainda jovem, teve contato, no Sul da Itália, com inúmeras ruínas gregas, das quais fazia reconstituições, desenhos e tirava modelos para obras arquitetônicas e paisagísticas. Seus desenhos e estudos de arte clássica, além de preservarem o conhecimento da Grécia Antiga, influenciaram diversos artistas Neoclássicos pela Europa, que buscavam um movimento em oposição ao rococó. Antiguidades Romanas (1756) reúne mais de uma centena de águas-fortes (técnica gravurista) dos monumentos de Veneza, Roma e cidades do Sul da Itália.


¹ SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador: análise das biografias espartanas. São Paulo: Edusp, 2006. p. 186.


FONTES:

Atlas of the Greek World. Grandes Impérios e Civilizações - Grécia, berço de Ocidente Vol I. Tradução de Ana Berhan da Costa. Rio de Janeiro: Edições del Prado, 1996.

Grécia Antiga - Disponível em: http://greciantiga.org/


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Os Evangelhos

Por Antonio José Loureiro


As quatro criaturas aladas que simbolizam os Quatro Evangelistas - Anjo (Mateus), Leão (Marcos), Touro (Lucas) e Águia (João) - ao redor do Cristo em Glória, na Igreja de São Trofime, em Arles.

O Novo Testamento está constituído por quatro Evangelhos, sendo três sinóticos, muito semelhantes entre si, e o de João Evangelista, mais profundo.

O mais antigo deles seria o de Marcos, escrito entre os anos de 65 e 70 da nossa era, interpretando os conhecimentos de Pedro. O autor acompanhou Paulo, na sua primeira viagem, visitando Chipre e Roma, onde os seus escritos foram muito difundidos entre os convertidos de origem romana. Marcos é representado por um leão, símbolo do elemento fogo.

Simbolizado pelo homem, Mateus é o elemento água. Foi um coletor de impostos, em Cafarnaum, sendo o mais judaico dos quatro autores, e talvez por isso se diga: Mateus, primeiro os meus...Escreveu a vida de Cristo, entre os anos de 75 e 80. Para ele Jesus seria um novo Moisés. Lucas, o touro, a terra, foi um médico acompanhante de Paulo em suas viagens. Talvez tenha nascido em Antióquia, sendo um judeu helenizado, daí o seu Evangelho tornar-se o mais querido dos gregos. Foi escrito entre 75 e 80 d. C. e difundiu a Ressurreição e a opção pelos pobres e humildes.

João Evangelista, a águia de Cristo, o ar, terminou de escrever o Evangelho especial, no ano 95. Pregou em Éfeso, sendo influenciado pela filosofia grega e pelo gnosticismo pré-cristão. O seu Evangelho é o mais esotérico de todos, talvez por ter sido escrito em uma época posterior aos demais.

João também foi o autor do Apocalipse, compêndio escatológico tratando dos últimos dias, do Juízo Final, da volta de Cristo e da Jerusalém Celeste, escrito entre 90 e 95, e dirigido às Sete Igrejas da Ásia Menor, um livro rico em alegorias, simbolismos e numerologia, com aterrorizantes quadros e um fortíssimo chamamento para a regeneração. O seu primeiro versículo por muito tempo abriu as sessões da Maçonaria.

Além desses quatro Evangelhos muitos outros existiram, suprimidos com o tempo, a medida que a religião evoluía, ou quando considerados sem sustentação. São os chamados Evangelhos Apócrifos, alguns perdidos, outros reencontrados entre os coptas do Alto Egito, restos de uma tradição que permanece viva, coexistindo com islamismo, naquele país. Outros desapareceram na luta entre as igrejas de Pedro-Paulo e a dos dois Joões.


Antonio José Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.



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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A Historiografia da Conquista II - Mestiços e Indígenas na América Espanhola

Cena da primeira página do Códice Mendoza, representando a fundação da cidade de Tenochtitlan.

No primeiro texto, vimos como portugueses e, em especial os espanhóis, produziam historiografia sobre o Novo Mundo. Agora, nessa segunda parte, vamos entender como mestiços e indígenas passaram a escrever suas histórias após o contato com os espanhóis.

Os nativos, ao contrário do que alguns historiadores espanhóis acreditavam, tinham consciência de seu passado histórico e sabiam ordená-lo: dividiam seus escritos entre os destinados à realeza e os destinados à população comum; separavam fontes orais de escritas e pictóricas; e cronistas de historiadores. Dos espanhóis, os mestiços e indígenas utilizaram a língua, os gêneros de escrita e a cronologia cristã.

Um dos primeiros autores nativos a mesclar tanto conhecimentos históricos indígenas com europeus foi o nobre asteca Chimalpahín, autor de Relaciones ou Anais. Em seu livro, ele usa tanto a datação do calendário cíclico asteca quanto a datação cristã Anno Domini. Ele cobre períodos anteriores e posteriores à conquista espanhola, reis antigos do México, Listas de arcebispos, etc; consultando para tal os testemunhos de anciãos. Ele também aborda eventos ocorridos na Europa, como o assassinato do Rei Henrique IV da França, em 1610. A escrita de Chimalpahín era em Nahuatl, com o uso de algumas palavras em espanhol.

O mestiço Alva Ixtlixóchitl escrevia tanto em espanhol quanto em Nahuatl. Criticou os excessos espanhóis contra os nativos e elogiou a introdução do Cristianismo na região. Como fontes, usa os códices indígenas e os relatos dos anciãos. Sua história, além de abordar a conquista, também cobre o período antigo do México, como o governo dos olmecas.

O aristocrata mestiço Garcilaso de la Vega e o nativo andino Felipe Guaman Poma de Ayala são os dois maiores exemplos da nova geração de historiadores da América Espanhola (séculos 16 e 17), que passaram a utilizar conhecimentos europeus e nativos para produzir suas obras. Garcilaso, que passou boa parte de sua vida na Europa, escrevia seus trabalhos em forma de prosa e em castelhano. 

Garcilaso usava discursos inventados (afirmava que os nativos tinham se convertido voluntariamente ao Cristianismo) e informações de historiadores espanhóis antigos como Gómara, José de Acosta e Cieza de León. Apesar de criticar as ações espanholas no Peru, Garcilaso tenta conciliar esses dois povos, dizendo que estes tem muito em comum. Da sua origem inca, teve muitas informações orais a sua disposição, bem como materiais escritos. Escreveu Comentários Reais (1609); a Flórida de Inca (1605), relato sobre uma expedição espanhola no que é a atual região da Flórida e a Costa do Golfo; e História Geral do Peru (1617).

Guaman Poma de Ayala, nativo andino de origem humilde, dominava o quíchua e o castelhano. Escreveu Primeira Nova Crônica e bom governo, utilizando informações de historiadores antigos como Las Casas, Acosta e Zárate. Seu livro traz muitos elementos da cultura nativa. O índice de conteúdos e dividido de acordo com o sistema decimal andino;e a narrativa é empregada para explicar as figuras. Seu livro inicia com uma descrição do Peru, depois uma história bíblica sobre os incas; passando para o governo espanhol no Peru, no qual temos críticas ao governo, aos clérigos e aos pecados de nativos e estrangeiros

Em síntese, temos como características da historiografia nativa e mestiça: uso de conhecimentos europeus como a língua espanhola, a cronologia cristã e os gêneros de escrita (anais, crônicas e histórias); uso de conhecimentos indígenas (códices, relatos de anciãos e cronologia como o quipo ou o calendário cíclico) e defesa do ponto de vista do conquistado.


FONTES:

WOOLF, Daniel. Uma História Global da História. Tradução de Caesar Souza. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.


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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Historiografia da Conquista I - Portugueses e Espanhóis entre 1450 e 1800

Conquista de México por Cortes.

 “A maior coisa depois da criação do mundo, tirando a encarnação e a morte de quem o criou, foi o descobrimento das Índias” - Fernando López de Gómara, em História General de las Indias (1552)


Podemos perceber, através dessa frase do padre e historiador espanhol Fernando López de Gómara, como a descoberta das Américas, empreendida por Colombo em 1492, teve um grande impacto na Europa. Novos povos, costumes e crenças eram apresentados à Europa cristã, que rapidamente tentou interpretá-los através de uma ótica clássica, mesmo percebendo, de início, que não seria uma tarefa fácil. A historiografia do primeiro século de ocupação europeia seria dominada por autores ligados ao poder eclesiástico e imperial, surgindo mais tarde escritores mestiços e nativos. Nosso primeiro foco de análises vão ser os escritores portugueses e espanhóis.

Portugueses e Espanhóis

Os pioneiros nos descobrimentos além-mar foram os portugueses, que conquistaram Ceuta, cidade do Norte da África, em 1415. Fernão Lopes é considerado um dos principais cronistas-historiadores de Portugal. Antigo guarda-mor da Torre do Tombo e Tabelião do reino, teve farta fonte documental para a elaboração de seus escritos. Na África, na Ásia e no subcontinente indiano, os historiadores portugueses, assim como os espanhóis, na América, se viram frente a frente com novas formas de contagem de tempo, mitos, lendas e histórias fundadoras. Com dificuldades para analisá-las sob a perspectiva cristã ou sem bases documentais, muitos desses autores se viram utilizando os conhecimentos dos nativos em suas obras.

Nas Américas Andina e Caribenha, áreas de interesse da Coroa Espanhola, existiam os historiadores ligados ao clero e aqueles relacionados à máquina administrativa e militar. As primeiras obras sobre a América foram escritas por autores humanistas que nunca estiveram ou passaram pela região. Pedro Mártir de Anglería, italiano que viveu boa parte de sua vida na Espanha, produziu, com conhecimentos geográficos da Antiguidade, provenientes de Plínio, e a divisão por décadas, de Tito Lívio, a primeira grande obra sobre o descobrimento da América, intitulada Décadas sobre o Novo Mundo. Outros humanistas que se dedicaram a escrever a história do continente, mesmo sem ter contato com este, foram Antonio de Herrera y Tordesillas, Pedro Sarmiento de Gamboa e Francisco López de Gómara. Enquanto alguns historiadores davam uma introdução geral sobre a origem do mundo e dos povos (segundo a Bíblia), outros preferiam dividir seus livros em capítulos sobre Geografia, Economia, Religião e História. Eles saem do marasmo cronológico humanista e abordam outros conhecimentos, como Heródoto fez em suas Histórias.

O primeiro historiador a colocar os pés no Novo Mundo foi Gonzalo Fernández de Oviedo, representante da Coroa. Suas principais obras, Sobre a História natural das Índias e História Geral das Índias, foram as primeiras escritas em espanhol. Abordando história natural e outros aspectos do continente, a história começava a partir do descobrimento de Colombo, em 1492. De sua experiência como romancista, Oviedo evoca a figura de Júlio César em referência ao conquistador espanhol Cortés. Gómara, que como já foi dito, não esteve na América, escreveu a História da Conquista do México e História Geral das Índias, através de relatos de Cortés, a quem serviu como capelão. Cronologicamente, a obra se inicia com as conquistas de Cortés e termina com sua morte, em Sevilha, na Espanha.

No século 17, os historiadores da América Espanhola estavam relutantes em utilizar fontes orais vindas dos nativos. Isso se deve ao fato de que as obras eram patrocinadas por particulares e pela Igreja – os primeiros interessados em informações de fácil acesso e entendimento, e o segundo em inserir os nativos na cultura cristã. Com o surgimento de uma nova vertente do Cristianismo, o Protestantismo, a Igreja Católica se viu incumbida de absorver o passado desses povos para a religião considerada a correta, o Catolicismo. Os historiadores ligados à Igreja, escreviam sobre a história do continente sob a ótica de suas ordens religiosas: Dominicana, Jesuíta e Franciscana.

Os historiadores clericais que se destacam são Bartolomé de Las Casas, José de Acosta e Bernardino de Sahagún. Las Casas se destacou por sua defesa aos nativos, muitas vezes vistos com inferioridade por outros autores e, desde sempre, massacrados pelos conquistadores. Seu livro História das Índias, dividido em décadas, vem com um prólogo explicando o que é História, a lembrança a historiadores clássicos e a motivação para a escrita. Analisava os indígenas americanos em comparação a gregos e romanos. José de Acosta, Jesuíta, escreveu a História Natural e Moral das Índias, na qual articulava, como se pensa na teoria moderna, que os nativos descendiam da Ásia. Acosta, ao narrar a História dos nativos, afirma que isso é importante para facilitar o processo de evangelização. Dividia os povos bárbaros em Civilizados, Semicivilizados e Selvagens. Sahagún foi um proeminente conhecedor das línguas nativas, bem como um destaque entre os demais historiadores, pois sua principal obra História geral das Coisas da Nova Espanha, foi produzida através de muitas informações orais de seus alunos indígenas, que aprenderam latim com ele. É uma grande enciclopédia, com diversos assuntos sobre a região. Foi um escritor bilíngue, escrevendo em Nahuatl, língua geral dos povos da Mesoamérica, e espanhol, a língua do Império.

Em síntese, podemos ter como características dos historiadores do Novo Mundo: Divergências entre autores espanhóis, geralmente em relação ao uso de fontes e de conhecimentos indígenas; A visão de mundo era providencialista, sendo que esses autores viam a Espanha como a realizadora da missão de cristianizar os novos territórios; As línguas europeias e indígenas se hibridizaram, isto é, passaram a trocar influências; Autores da Antiguidade eram evocados, tinham o estilo literário copiado; Por mais que tenha ocorrido algumas tentativas diferentes, o passado nativo era visto sob a ótica da cultura europeia; Uso de conhecimentos indígenas para a produção de livros; Obras controladas politicamente e escritas com objetivos de informação; Autores ligados ao Clero, particulares e Monarquia.


FONTES:

WOOLF, Daniel. Uma História global da História. Tradução de Caesar Souza - Petrópolis, RJ, Vozes, 2014.


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Library of Congress - www.loc.gov

domingo, 24 de janeiro de 2016

A escrita da História II: Crônicas e Histórias

Primeira página da Crônica de Hainaut, 1448.


Autores: Godofredo de Monmouth, Guilherme de Malmesbury, Mateus Paris, Jocelin de Brakelonde, Godofredo de Villehardouin e Jean de Froissart.


Como vimos no primeiro texto, na Crônica anglo-saxônica, os anais foram evoluindo, tornando-se mais elaborados e detalhados, até chegar ao ponto de serem considerados crônicas. Mais uma vez, precisamos recorrer à etimologia para saber a função desse gênero historiográfico: Crônica vem do latim chronica, derivado do grego chrónos, que significa tempo. Os eventos apresentados em uma crônica estão ordenados através de uma cronologia, isto é, com uma data fixa para o início e o fim.

As crônicas se proliferam em vários reinos da Europa, que passam a patrocinar escritores e utilizá-las para a construção de uma identidade nacional. Além de exaltar reinos, elas também falavam sobre reis, heróis nacionais e fatos importantes. Como já existia uma ideia de “patriotismo”, as crônicas passaram a ser escritas nas línguas de cada país. Os autores dessa época, séculos 12 e 13, tinham conhecimento das obras de autores clássicos como Tito Lívio, Eusébio, Salústio, Cícero e, claro, utilizavam também passagens das Sagradas Escrituras.

Podemos ter como exemplos de cronistas e suas obras os ingleses Godofredo de Monmouth, Guilherme de Malmesbury, Mateus Paris e Jocelin de Brakelonde. As crônicas, como relatos, podem ser fantasiosas, principalmente quando estas tratam de fatos anteriores ao autor. Os trabalhos de Godofredo mesclam fatos históricos como feitos de reis e genealogias com mitos e lendas do povo bretão, como a figura de gigantes ou de outros seres fantásticos. O objetivo dessa crônica é exaltar a Britânia e seu povo. Não existe uma preocupação com a veracidade do que é relatado, mas sim com os efeitos que os relatos produzirão.

Guilherme de Malmesbury é mais cuidadoso no tratamento do que escreve. Ele afirma que, ou foi testemunha ocular ou teve informações de fontes confiáveis. Indo mais além que seu antecessor, Guilherme transita entre a crônica e a história propriamente dita, pois este, em parte, abandona a cronologia episódica e tenta organizar diferentes fatos em um único conjunto. A descrição física de personagens nos lembra o estilo de Suetônio. Críticas, mesmo que leves, são feitas a homens poderosos.

Mateus Paris é provocativo, informal, tecendo críticas ácidas tanto a reis, comerciantes, membros do clero e até ao Papa. Sua crônica é menos extensa que a de outros autores, cobrindo duas décadas de história contemporânea inglesa. Possui trabalhos sobre história secular e eclesiástica. No campo religioso, se destaca a crônica da abadia de St. Albans. Como se trata de sua abadia, logicamente a escrita é restrita a fatos locais e assuntos da instituição religiosa. O autor critica tanto abades mortos como os que assumiriam seus postos; descreve aquisições da abadia; doações etc.

A crônica da abadia de St. Edmund, escrita por Jocelin de Brakelonde, engloba o final do século 12 até o início do século 13, com o reinado de João. Apesar de ser uma crônica, a obra de Jocelin tem os elementos de uma produção historiográfica: ela tem um início, meio e fim bem desenvolvidos, no caso o governo do rei, as confusões políticas e religiosas; a renovação da abadia e a coroação de um novo monarca. Como todas as obras locais e episcopais, ela trata das relações administrativas da abadia, da vida de abades e, claro, sua evolução.

Finalmente chegamos à história propriamente dita. Seus representantes são os franceses Godofredo de Villehardouin e Jean Froissart. Agora, como gênero, a história é produzida com uma narrativa extensa, temas coerentes e ordenados e escrita estilizada. Villehardouin, em sua obra A conquista de Constantinopla, aborda, de forma privilegiada (este foi um nobre e militar) a 4° Cruzada. Como militar, perde em qualidade para outros autores, pois não descreve táticas de combate, entregando ao providencialismo as vitórias e as derrotas. Registra baixas de cavaleiros nobres, elevações de patente, honrarias e pilhagens à cidade de Constantinopla. Escreveu em prosa, utilizando o francês como língua. Seu interesse religioso é pequeno, tanto que sua obra inicia com os preparativos para a Cruzada, e não com a origem do mundo segundo a Bíblia, como era recorrente em outros autores.

No século 14, Jean de Froissart reviveu um gênero existente na Europa desde os tempos de Carlos Magno: a escrita de cavalaria. Froissart é o ponto máximo da história da guerra do século 14. Como fonte recorre aos arautos do passado, que registravam cenas de batalhas; e ao livro de seu predecessor, Jean le Bel. Incorpora em sua narrativa, considerada organizada, outras histórias, geralmente romances arturianos. A Crônica engloba ética e normas de combate, cenas de guerra e cercos a cidades, os conflitos entre Inglaterra e França e revoltas populares em cidades como Paris, Londres e Ghent. Escreveu o livro em francês. Sua obra, uma encomenda, mostra elementos de exaltação ao heroísmo burguês, retratada pela cena dos “burgueses de Calais”; mas ao mesmo tempo também mostra uma certa preocupação com elementos populares de algumas cidades. O que Froissart preserva é a ordem “natural” das coisas, a defesa da Cristandade e da nobreza.



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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

3 anos de História Inteligente

Clio, musa grega da História. Pierre Mignard, século XVII.

É, amigos e amigas, leitores e leitoras do História Inteligente, hoje, 18 de janeiro de 2015, meu blog completa 3 anos de fundação e de atividades ininterruptas. Me lembro do dia em que o criei, numa sexta-feira ensolarada: Nesse dia, não tive aula, e, como já possuía um número denso de artigos escritos à mão, desde o ensino fundamental, decidi que era hora de divulgá-los, expandir meu poder de alcance e, claro, ajudar pessoas com meu conhecimento. A ideia foi um blog, e o nome, uma sugestão da minha mãe, foi HISTÓRIA INTELIGENTE.

Não imaginava que, em pouco tempo, meu blog ficaria tão conhecido e meus escritos tão valorizados. Ao longo desses três anos fiz parcerias importantes, algumas delas figurando com artigos aqui publicados: o Presidente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Antônio José Loureiro; os historiadores Aguinaldo Nascimento Figueiredo, Coronel Roberto Mendonça, Elza Souza, Ed Lincon, Eylan Lins e Otoni Moreira Mesquita.

Foi através do História Inteligente que publiquei meus primeiros artigos em um jornal local de grande circulação, o Jornal do Comércio, representado pela figura do jornalista Evaldo Ferreira, que leu meus artigos e me convidou para publicá-los. Conheci historiadores e pesquisadores de outras regiões, que me consultavam quando estavam interessados na história da cidade de Manaus, um dos meus focos de pesquisa.

Além de divulgar conhecimento, também adquiri outros, através de comentários e críticas construtivas de amigos e leitores. Contando com este texto que aqui escrevo, foram publicados, no total, 400 textos no blog. Eles foram, de acordo com anos: 157 em 2013; 180 em 2014; 52 em 2015; e, até o momento, 11 em 2016. Enquanto tiver forças para escrever, estarei vivo, em cada linha e em cada parágrafo. Inspiração e temas não irão faltar, pois o homem, imprevisível do jeito que é, não para de alterar, sem aviso prévio, o mundo que habita.

Amigos e amigas, leitores e leitoras, de Norte a Sul do país, obrigado por estarem comigo nesses três anos de HISTÓRIA INTELIGENTE. A participação de vocês é essencial para a continuidade deste. Nos vemos em outros artigos...



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A Escrita da História I: Anais

Primeira página da Crônica de Peterborough, integrante da Crônica anglo-saxônica, um conjunto de Anais sobre a História dos anglo-saxões.

Na atual fase do curso de História, na matéria Historiografia Geral II, estamos estudando as Historiografias do Ocidente Medieval, que cobre o início da produção historiográfica a partir da queda do Império Romano do Ocidente até a segunda metade do século 15. Antes de nos aprofundarmos nas obras e nos perfis historiográficos de autores como Godofredo de Monmouth (1100-1155), Guilherme de Malmesbury (1080-1143) e Godofredo de Villehardouin (1150/1160-1212), é preciso entender as diferentes formas que os historiadores do medievo tinham de registrar a história: Anais, crônicas e história. Vou começar pelos Anais, gênero bastante utilizado desde a Antiguidade Clássica.

Esse e os outros conceitos nós começamos a analisar através de sua etimologia. Anais, do latim annales, originado de annus, significa ano. Temos aí uma forma de registro feita ano por ano, de forma objetiva, sobre fatos importantes (podem ser locais, nacionais e universais) como uma colheita, uma batalha, evento astronômico ou a morte de alguma pessoa ilustre. Não existe uma preocupação com o estilo literário, nem com a retórica. Os Anais surgem, assim como os estudos cronológicos da Idade Média, da necessidade de se estabelecer uma data para a Páscoa, o pontapé inicial das festividades cristãs.

Em um dos primeiros textos utilizados nessa matéria, o historiador John Burrow afirma que podemos perceber, na Crônica anglo-saxônica, como a escrita vai perdendo seu caráter puramente analítico, pragmático, e se torna mais extensa, desenvolvida e com algum grau de preocupação estilística. Se os calendários antigos se desenvolveram e deram origem aos Anais, os Anais se desenvolvem e tornam-se crônicas.

Mas, claro, apesar das diferenças, a escrita de um texto histórico poderia mesclar mais de um gênero. Um autor pode iniciar um relato histórico, bem desenvolvido, com estilo literário etc. Ao longo de seu texto, ele pode nos apresentar passagens analíticas, objetivas. Se isso acontece atualmente, imaginem há 1000 anos, quando muitas vezes os autores os faziam se distinção de gênero. O gramático romano Aulo Gélio, citando o gramático Vérrio Flaco, através de sua obra Noites Áticas, nos apresenta uma distinção entre os Anais e a História: ele diz que, pela etimologia, a História (investigar, averiguar) é um registro de fatos presenciados pelos próprios autores, enquanto que os Anais são registros de fatos anteriores, organizados ano a ano.

Apenas em nível de informação, a Crônica anglo-saxônica, que começou a ser escrita no final século IX, é um conjunto de anais que cobrem o período de 1 d. C até a segunda metade do século 12. As informações são apresentadas por ano, sendo que, ao longo deles, percebemos a mudança na abordagem, que começa a se tornar realmente uma crônica. Entendemos, com isso, a explicação de Vérrio Flaco.



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