sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O Estado em questão - Etienne de La Boétie

Por Antonio José Loureiro


Étienne de la Boétie nasceu em Sarlat, em 1530, e faleceu em Germignan, em 1563. Foi amigo de Montaigne, traduziu Plutarco e Xenofonte e também escreveu sonetos. 

Ficou célebre por ter sido um dos primeiros a questionar a tirania dos governos, no seu livro “Discurso da Servidão Voluntária”, escrito por volta de 1549, e reeditado, em 1572, pelos calvinistas. Nele fez pela primeira vez a interrogação: “ Por que existe obediência ? ”.

Muitos autores falaram do Poder, de Deus, da Natureza, da Fôrça, do Povo e da Razão, e discutiram os méritos e os defeitos dos diferentes regimes de governo, mas esconderam o fato de que o comando de alguém provém da obediência de muitos, não se sabendo o por que disto e como isto é gerado.

O homem, como um ser pensante, poderia entrar em sociedade com os seus semelhantes, e isto seria o suficiente, mas acaba por se entregar à dominação. Por que milhões de pessoas aceitam receber ordens, às vezes absurdas, de terceiros ou de grupos? Seria por interesse? Mas qual o interesse em se deixar subjugar?

Enquanto Maquiavel achava que pouco importava ao príncipe ser odiado, desde que obedecido, De La Boétie opinava que ele seria sempre odiável, sob qualquer ponto de vista, e o povo deveria revoltar-se sempre. De La Boétie era contrário inclusive às utopias, formas sublimadas e ideais de Estado, pois elas representariam a dominação elaborada e mistificada. 

A subjugação ao Estado não se daria pelo fascínio do um e sim pela manipulação dos grupos de poder, que mantêm o seu prestígio através dele, criando toda uma estrutura mística, social, econômica, militar e política a seu favor, os chamados mecanismos de Estado. 

E os avanços ditos sociais, alcançados a partir do fim do século XIX, colocaram nas mãos dos governantes uma quantidade tão grande de recursos, que eles se tornaram capazes de comprar até o voto universal, mantendo-se indefinidamente no poder ao quebrar esta viga mestra da democracia, a alternância, pois podem distribuir benesses sociais capazes de interferir neste processo.

A luta dos políticos de se apossarem da mais valia, para comandarem a sua distribuição, foi por eles vencida. O Estado Brasileiro arrecadador, fiscal, escravo de dívidas externas e por elas mantido, vai continuar até que nada mais exista a expropriar do povo brasileiro e caiamos na cilada da estagnação total e final. Este seria o destino dos demais povos do Terceiro Mundo do endividamento, uma nova forma de neocolonialismo.

Como se livrar desses mecanismos de autodefesa do Estado, que mantem o indivíduo preso a essa cadeia de submissão através de um contrato social toda hora rompido, em que a cobrança de impostos é a forma de transformar qualquer cidadão em contraventor. Como fazer diante um desgoverno em que seus componentes entraram em acordo mútuo para manter a máquina do poder controlada por eles.

Esta servidão só seria quebrada pela chamada DESOBEDIÊNCIA CIVIL, de que foram líderes máximos na modernidade Marthin Luther King e Mahatma Ghandi, que seriam atos ilegais, mas públicos e simbólicos, para demonstrar que a população está definitivamente cansada de atos do Governo e que não mais quer submeter-se a ele. Para isso são necessário 6 elementos básicos:

1. Uma infração consciente e intencional, como os negros ao ocuparem espaços somente permitidos a brancos, nos Estados Unidos (Luther King), ou o ato simbólico de ir ao mar para produzir sal, um monopólio inglês,na Índia (Gandhi).
2. A luta pela modificação de uma regra ultrapassada.
3. A luta por princípios fundamentais constitucionais.
4. Ser um movimento coletivo atingindo todos os níveis da população.
5. Comunicação prévia às autoridades, para que saibam do desgosto popular.
6. Que o ato seja público.

O brasileiro está cansado de ser explorado por seus governantes, que acham estar governando um país de gente dominada e não de cidadãos livres. Os impostos acabam inviabilizando os pobres. Com eles só ganham, cada vez mais, os governantes e seus aliados, a nomenklatura.


Antonio José Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.




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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Aristóteles e as diferenças entre Poesia e História

Aristóteles representado na pintura A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio.

Aristóteles, um dos pais da Filosofia Ocidental, abrangia em seu pensamento conhecimentos em Física, Retórica, Poesia, Ética, Artes, Biologia etc. Nesse texto, especificamente, iremos conhecer um Aristóteles que formulou leis para a arte poética, largamente utilizada por filósofos, dramaturgos e outros intelectuais de sua época. Mas, antes de formular tais leis, era preciso distinguir esse gênero literário de outro também bastante em voga: o gênero histórico. A diferença entre esses dois gêneros é traçada na obra Poética, pioneira na distinção entre o real e o fictício. Para melhor compreendermos, irei utilizar recortes desse livro.

"É claro, depois do que foi dito, que a característica do poeta não é de relatar o passado real, mas antes o passado possível, levando em conta as possibilidades dos acontecimentos segundo as verossimilhanças e a necessidade dos encadeamentos. O historiador e o poeta, com efeito, não diferem pelo fato de um narrar em verso e o outro em prosa - poder-se-ia ter transcrito em versos a obra de Heródoto e ela não seria menos história em verso do que em prosa. A verdadeira distinção é a seguinte: um narra o que aconteceu, o outro aquilo que poderia ter acontecido".

O poeta e o historiador não se distinguem pela forma como escrevem, um em verso e o outro em prosa, respectivamente. O historiador narra eventos que aconteceram, fixo em um tempo, enquanto o poeta escreve sobre aquilo que poderia ter acontecido, tendo liberdade para criar seus eventos, pois este tira a inspiração da natureza e do mundo a sua volta.

"Além disso, a poesia é mais filosófica e de um gênero mais nobre que a história, pois a poesia se eleva até o geral, enquanto que a história não é senão a ciência do particular. O geral, aquilo que este ou aquele tipo de homem faria ou diria segundo toda verossimilhança ou necessidade: é a isto que visa a poesia, embora dando nomes individuais aos personagens. O particular, é o que fez Alcibíades, ou aquilo que lhe aconteceu".

A poesia é produzida seguindo a lógica e um fim específico determinado por seu autor, que como já foi dito, tem a "liberdade criativa". A poesia, que valoriza os sentimentos humanos e as ações destes, pende para o dramático. A narrativa histórica não é determinada pelo historiador, mas sim pelo tempo e uma sequência de eventos nele inseridos. Juntamos a isso o fato de que o historiador narra as ações de Alcibíades no tempo, não importando seus sentimentos.

"Inteiramente diversos são os relatos históricos habituais, nos quais, necessariamente, não se trata de mostrar uma unidade de ação, mas somente uma unidade de tempo, juntando todos os acontecimentos, os quais, num determinado tempo, interessaram um ou mais homens e que não mantêm entre si senão uma relação casual".

O elemento primordial na narrativa histórica é o tempo, no qual estão diferentes eventos, estes sem ligação causal ou fim determinado. A poesia é composta de forma harmônica, para que todos os "fatos" inspirados do poeta tenha uma conexão entre si e componham um todo. Como exemplo temos o poema épico Odisséia, no qual a abordagem é o regresso de Ulisses para Ítaca, que levou cerca de 17 anos, terminando com sua chegada e o restabelecimento da ordem na mesma cidade.

Portanto, percebemos que as diferenças estabelecidas por Aristóteles em sua obra Poética, não se referem à forma da escrita, mas ao pano de fundo e da forma como narram ou relatam cada um dos profissionais dos dois gêneros. O poeta tem a liberdade de criar e imitar o mundo à sua volta. O historiador é rigoroso ao narrar os eventos que já aconteceram e estão fixos no tempo, se possibilidade de alterá-los. A poesia é escrita com o objetivo de proporcionar prazer aos leitores, enquanto o relato histórico é produzido para fins de registro de fatos ou eventos memoráveis, como escreveram autores clássicos como Heródoto e Tucídides.


FONTES:

ARISTÓTELES, Poética, 1451 a 36; 1451b, II; 1459 a 21-24. In: PINSKY, Jaime. 100 textos de História Antiga. 4° ed. São Paulo: Contexto, 1988, p.144.

MACHADO, Ronaldo Silva. História e Poesia na Poética de Aristóteles. Mneme, Revista de Humanidades. Vol I, n.1. - ago/set. de 2000. Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


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sábado, 6 de fevereiro de 2016

O relato de Machado de Assis sobre o Carnaval no Rio de Janeiro Imperial

Entrudo Familiar, 1822. Augustus Earle.

"Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d'água, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores.

'Dois dias antes de chegar o entrudo já a família de D. Angélica Sanches estava entregue aos profundos trabalhos de fabricar limões de cheiro. Era de ver como as moças, as mucamas, os rapazes e os moleques, sentados à volta de uma grande mesa compunham as laranjas e limões que deviam no domingo próximo molhar o paciente transeunte ou confiado amigo da casa.'...

... 'No momento em que tomamos conhecimento com a família Sanches estão eles em boa harmonia despejando cera dentro das fôrmas de limões ou enchendo os que já estão prontos com água de cheiro....Vinham para a mesa as caçarolas cheias de cera derretida, e todos aqueles operários mergulhavam nelas os limões e as laranjas, ou despejavam cera dentro de fôrmas de pau."

Um dia de entrudo, Machado de Assis. 1874.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Estudos sobre o Mundo Grego - da Antiguidade ao século XVIII

Via Appia. Frontispício do segundo tomo de Antiguidades Romanas (1756) de Piranesi.

A Grécia Antiga, região geográfica compreendida pelo sul dos Bálcãs (Grécia Continental), a Península do Peloponeso (Grécia Peninsular), as ilhas do Mar Egeu (Grécia Insular) e as colônias estabelecidas na Ásia Menor e Península Itálica (Magna Grécia), sempre despertou a curiosidade de especialistas e amadores, seja por suas fantásticas ruínas históricas, ainda visíveis em algumas cidades da Europa, a língua, a Filosofia e a literatura, que influenciaram fortemente desde sábios da Idade Média até autores contemporâneos. Os romanos, conquistadores dos territórios gregos, demonstraram um forte interesse por essa sociedade.

Antes de incorporar os territórios gregos ao seu império, Roma já possuía uma forte influência da cultura helênica, transmitida através de trocas comerciais e de batalhas travadas entre o Império e diferentes cidades-estado gregas. A conquista apenas veio para consolidar um processo que já estava há muito tempo em andamento. Como Roma preservava a língua, a religião e algumas instituições políticas dos territórios que conquistava, o helenismo sobreviveu e passou a fazer parte da sociedade romana. Artistas, médicos, professores de Filosofia e Retórica, alguns como escravos, ensinavam romanos abastados. Atenas permaneceu com a sua posição de centro intelectual; e os romanos cultos dominavam e liam a língua grega. Os deuses romanos eram semelhantes às divindades helenas, diferenciando-se apenas nos nomes.

Foi ainda na Antiguidade que surgiram os primeiros estudos sobre a Grécia, estes produzidos por romanos e gregos de cidadania romana. Plutarco (46 d.C. - 120 d.C.), um grego de cidadania romana, viajou por muitas cidades gregas sob jugo romano, produzindo uma obra variada, destacando-se Vidas Paralelas, um compêndio de biografias de grandes personagens greco-romanos. Ao abordar a vida dos personagens espartanos Licurgo, Lisandro, Agesilau, Ágis e Cleômenes, Plutarco nos apresenta a evolução histórica da cidade de Esparta dos tempos arcaicos até o helênico¹.

O geógrafo e viajante grego Pausânias (c, de 115 d.C. - c. de 180 d.C.) elaborou um Guia da Grécia, no qual descreve monumentos, templos, obras de arte, história, geografia, costumes e mitos da Grécia Continental e do Peloponeso. Além de visitar pessoalmente cada uma dessas cidades, Pausânias teve como fontes relatos de viagem e autores gregos anteriores. Sua obra é dividida em dez livros: 1-Ática e Megárida, 2-Corinto, 3-Lacônia, 4-Messênia, 5 e 6-Élida, 7-Acaia, 8-Arcádia, 9-Beócia, 10-Fócida e Lócrida Ozoliana.

Durante o período que ficou conhecido como Humanismo, uma transição da baixa Idade Média para a Idade Moderna (séculos 14 e 16), intelectuais das cidades-estado italianas, enriquecidas pelo comércio e politicamente instáveis, viram na cultura-greco romana modelos artísticos e políticos a serem seguidos. Patrocinado por nobres italianos e pelo Papa Eugênio IV, o humanista, arqueólogo e viajante Ciríaco de Ancona (1391-1455), ao estudar inscrições gregas em monumentos, inaugura uma nova ciência auxiliar da História, a Epigrafia. Além de estudar inscrições, Ciríaco foi um grande colecionador de relíquias, códices e documentos clássicos, compilados em obras como Comentários, dividida em 6 volumes, arruinados em 1514; Itinerário (1742); e Epigramas encontrados em Ilírico por Ciríaco de Ancona (1664).

Um desenho de Ciríaco representando uma antiga tumba romana.

Na época de Ciríaco, os monumentos e templos gregos tinham ganho outras funções: Mansões, Castelos particulares, fortalezas, estábulos e igrejas. Muitos escritos, cópias e obras de autores gregos se encontravam preservadas em mosteiros e abadias, onde eram recopiados e estudados por sábios. No século 18, as ruínas eram um prato cheio para saqueadores vindos da França, da Inglaterra e de cidades do Oriente, patrocinados ou interessados nos ganhos vindos com a venda das peças. O contrabando era destinado para coleções particulares, muitas das quais podem ser vistas hoje em museus da Europa e em alguns da América do Norte. Eruditos iluministas, patrocinados ou independentes, passaram a fazer pesquisas e escavações em antigas cidades gregas. O arqueólogo alemão Johann Joachin Winckelmann (1717-1768) era especialista em História da Arte, defendendo, em suas obras, os princípios e a superioridade das técnicas, do ideal de beleza das artes gregas. Sua obra magna é História da Arte Antiga (1764).

O desenho que ilustra o início desse texto é de autoria de veneziano Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), gravurista, arquiteto, engenheiro e arqueólogo italiano. Ainda jovem, teve contato, no Sul da Itália, com inúmeras ruínas gregas, das quais fazia reconstituições, desenhos e tirava modelos para obras arquitetônicas e paisagísticas. Seus desenhos e estudos de arte clássica, além de preservarem o conhecimento da Grécia Antiga, influenciaram diversos artistas Neoclássicos pela Europa, que buscavam um movimento em oposição ao rococó. Antiguidades Romanas (1756) reúne mais de uma centena de águas-fortes (técnica gravurista) dos monumentos de Veneza, Roma e cidades do Sul da Itália.


¹ SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco historiador: análise das biografias espartanas. São Paulo: Edusp, 2006. p. 186.


FONTES:

Atlas of the Greek World. Grandes Impérios e Civilizações - Grécia, berço de Ocidente Vol I. Tradução de Ana Berhan da Costa. Rio de Janeiro: Edições del Prado, 1996.

Grécia Antiga - Disponível em: http://greciantiga.org/


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Os Evangelhos

Por Antonio José Loureiro


As quatro criaturas aladas que simbolizam os Quatro Evangelistas - Anjo (Mateus), Leão (Marcos), Touro (Lucas) e Águia (João) - ao redor do Cristo em Glória, na Igreja de São Trofime, em Arles.

O Novo Testamento está constituído por quatro Evangelhos, sendo três sinóticos, muito semelhantes entre si, e o de João Evangelista, mais profundo.

O mais antigo deles seria o de Marcos, escrito entre os anos de 65 e 70 da nossa era, interpretando os conhecimentos de Pedro. O autor acompanhou Paulo, na sua primeira viagem, visitando Chipre e Roma, onde os seus escritos foram muito difundidos entre os convertidos de origem romana. Marcos é representado por um leão, símbolo do elemento fogo.

Simbolizado pelo homem, Mateus é o elemento água. Foi um coletor de impostos, em Cafarnaum, sendo o mais judaico dos quatro autores, e talvez por isso se diga: Mateus, primeiro os meus...Escreveu a vida de Cristo, entre os anos de 75 e 80. Para ele Jesus seria um novo Moisés. Lucas, o touro, a terra, foi um médico acompanhante de Paulo em suas viagens. Talvez tenha nascido em Antióquia, sendo um judeu helenizado, daí o seu Evangelho tornar-se o mais querido dos gregos. Foi escrito entre 75 e 80 d. C. e difundiu a Ressurreição e a opção pelos pobres e humildes.

João Evangelista, a águia de Cristo, o ar, terminou de escrever o Evangelho especial, no ano 95. Pregou em Éfeso, sendo influenciado pela filosofia grega e pelo gnosticismo pré-cristão. O seu Evangelho é o mais esotérico de todos, talvez por ter sido escrito em uma época posterior aos demais.

João também foi o autor do Apocalipse, compêndio escatológico tratando dos últimos dias, do Juízo Final, da volta de Cristo e da Jerusalém Celeste, escrito entre 90 e 95, e dirigido às Sete Igrejas da Ásia Menor, um livro rico em alegorias, simbolismos e numerologia, com aterrorizantes quadros e um fortíssimo chamamento para a regeneração. O seu primeiro versículo por muito tempo abriu as sessões da Maçonaria.

Além desses quatro Evangelhos muitos outros existiram, suprimidos com o tempo, a medida que a religião evoluía, ou quando considerados sem sustentação. São os chamados Evangelhos Apócrifos, alguns perdidos, outros reencontrados entre os coptas do Alto Egito, restos de uma tradição que permanece viva, coexistindo com islamismo, naquele país. Outros desapareceram na luta entre as igrejas de Pedro-Paulo e a dos dois Joões.


Antonio José Loureiro, 75, é escritor, médico reumatologista e historiador. Nasceu em Manaus, em 06 de junho de 1940. Formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. É membro (Presidente) do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas (IGHA), da Maçonaria do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras e da Academia Amazonense de Medicina. É autor de Amazônia 10.000 anos, 1972; Síntese da História do Amazonas, 1978; A Gazeta do Purus, 1981; A Grande Crise, 1986; O Amazonas na Época Imperial, 1989; Tempos de Esperança, 1994; Dados para uma História do Grande Oriente do Estado do Amazonas, 1999; História da Medicina e das Doenças no Amazonas, 2004; O Brasil Acreano, 2004; e o Toque de Shofar.



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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A Historiografia da Conquista II - Mestiços e Indígenas na América Espanhola

Cena da primeira página do Códice Mendoza, representando a fundação da cidade de Tenochtitlan.

No primeiro texto, vimos como portugueses e, em especial os espanhóis, produziam historiografia sobre o Novo Mundo. Agora, nessa segunda parte, vamos entender como mestiços e indígenas passaram a escrever suas histórias após o contato com os espanhóis.

Os nativos, ao contrário do que alguns historiadores espanhóis acreditavam, tinham consciência de seu passado histórico e sabiam ordená-lo: dividiam seus escritos entre os destinados à realeza e os destinados à população comum; separavam fontes orais de escritas e pictóricas; e cronistas de historiadores. Dos espanhóis, os mestiços e indígenas utilizaram a língua, os gêneros de escrita e a cronologia cristã.

Um dos primeiros autores nativos a mesclar tanto conhecimentos históricos indígenas com europeus foi o nobre asteca Chimalpahín, autor de Relaciones ou Anais. Em seu livro, ele usa tanto a datação do calendário cíclico asteca quanto a datação cristã Anno Domini. Ele cobre períodos anteriores e posteriores à conquista espanhola, reis antigos do México, Listas de arcebispos, etc; consultando para tal os testemunhos de anciãos. Ele também aborda eventos ocorridos na Europa, como o assassinato do Rei Henrique IV da França, em 1610. A escrita de Chimalpahín era em Nahuatl, com o uso de algumas palavras em espanhol.

O mestiço Alva Ixtlixóchitl escrevia tanto em espanhol quanto em Nahuatl. Criticou os excessos espanhóis contra os nativos e elogiou a introdução do Cristianismo na região. Como fontes, usa os códices indígenas e os relatos dos anciãos. Sua história, além de abordar a conquista, também cobre o período antigo do México, como o governo dos olmecas.

O aristocrata mestiço Garcilaso de la Vega e o nativo andino Felipe Guaman Poma de Ayala são os dois maiores exemplos da nova geração de historiadores da América Espanhola (séculos 16 e 17), que passaram a utilizar conhecimentos europeus e nativos para produzir suas obras. Garcilaso, que passou boa parte de sua vida na Europa, escrevia seus trabalhos em forma de prosa e em castelhano. 

Garcilaso usava discursos inventados (afirmava que os nativos tinham se convertido voluntariamente ao Cristianismo) e informações de historiadores espanhóis antigos como Gómara, José de Acosta e Cieza de León. Apesar de criticar as ações espanholas no Peru, Garcilaso tenta conciliar esses dois povos, dizendo que estes tem muito em comum. Da sua origem inca, teve muitas informações orais a sua disposição, bem como materiais escritos. Escreveu Comentários Reais (1609); a Flórida de Inca (1605), relato sobre uma expedição espanhola no que é a atual região da Flórida e a Costa do Golfo; e História Geral do Peru (1617).

Guaman Poma de Ayala, nativo andino de origem humilde, dominava o quíchua e o castelhano. Escreveu Primeira Nova Crônica e bom governo, utilizando informações de historiadores antigos como Las Casas, Acosta e Zárate. Seu livro traz muitos elementos da cultura nativa. O índice de conteúdos e dividido de acordo com o sistema decimal andino;e a narrativa é empregada para explicar as figuras. Seu livro inicia com uma descrição do Peru, depois uma história bíblica sobre os incas; passando para o governo espanhol no Peru, no qual temos críticas ao governo, aos clérigos e aos pecados de nativos e estrangeiros

Em síntese, temos como características da historiografia nativa e mestiça: uso de conhecimentos europeus como a língua espanhola, a cronologia cristã e os gêneros de escrita (anais, crônicas e histórias); uso de conhecimentos indígenas (códices, relatos de anciãos e cronologia como o quipo ou o calendário cíclico) e defesa do ponto de vista do conquistado.


FONTES:

WOOLF, Daniel. Uma História Global da História. Tradução de Caesar Souza. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.


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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Historiografia da Conquista I - Portugueses e Espanhóis entre 1450 e 1800

Conquista de México por Cortes.

 “A maior coisa depois da criação do mundo, tirando a encarnação e a morte de quem o criou, foi o descobrimento das Índias” - Fernando López de Gómara, em História General de las Indias (1552)


Podemos perceber, através dessa frase do padre e historiador espanhol Fernando López de Gómara, como a descoberta das Américas, empreendida por Colombo em 1492, teve um grande impacto na Europa. Novos povos, costumes e crenças eram apresentados à Europa cristã, que rapidamente tentou interpretá-los através de uma ótica clássica, mesmo percebendo, de início, que não seria uma tarefa fácil. A historiografia do primeiro século de ocupação europeia seria dominada por autores ligados ao poder eclesiástico e imperial, surgindo mais tarde escritores mestiços e nativos. Nosso primeiro foco de análises vão ser os escritores portugueses e espanhóis.

Portugueses e Espanhóis

Os pioneiros nos descobrimentos além-mar foram os portugueses, que conquistaram Ceuta, cidade do Norte da África, em 1415. Fernão Lopes é considerado um dos principais cronistas-historiadores de Portugal. Antigo guarda-mor da Torre do Tombo e Tabelião do reino, teve farta fonte documental para a elaboração de seus escritos. Na África, na Ásia e no subcontinente indiano, os historiadores portugueses, assim como os espanhóis, na América, se viram frente a frente com novas formas de contagem de tempo, mitos, lendas e histórias fundadoras. Com dificuldades para analisá-las sob a perspectiva cristã ou sem bases documentais, muitos desses autores se viram utilizando os conhecimentos dos nativos em suas obras.

Nas Américas Andina e Caribenha, áreas de interesse da Coroa Espanhola, existiam os historiadores ligados ao clero e aqueles relacionados à máquina administrativa e militar. As primeiras obras sobre a América foram escritas por autores humanistas que nunca estiveram ou passaram pela região. Pedro Mártir de Anglería, italiano que viveu boa parte de sua vida na Espanha, produziu, com conhecimentos geográficos da Antiguidade, provenientes de Plínio, e a divisão por décadas, de Tito Lívio, a primeira grande obra sobre o descobrimento da América, intitulada Décadas sobre o Novo Mundo. Outros humanistas que se dedicaram a escrever a história do continente, mesmo sem ter contato com este, foram Antonio de Herrera y Tordesillas, Pedro Sarmiento de Gamboa e Francisco López de Gómara. Enquanto alguns historiadores davam uma introdução geral sobre a origem do mundo e dos povos (segundo a Bíblia), outros preferiam dividir seus livros em capítulos sobre Geografia, Economia, Religião e História. Eles saem do marasmo cronológico humanista e abordam outros conhecimentos, como Heródoto fez em suas Histórias.

O primeiro historiador a colocar os pés no Novo Mundo foi Gonzalo Fernández de Oviedo, representante da Coroa. Suas principais obras, Sobre a História natural das Índias e História Geral das Índias, foram as primeiras escritas em espanhol. Abordando história natural e outros aspectos do continente, a história começava a partir do descobrimento de Colombo, em 1492. De sua experiência como romancista, Oviedo evoca a figura de Júlio César em referência ao conquistador espanhol Cortés. Gómara, que como já foi dito, não esteve na América, escreveu a História da Conquista do México e História Geral das Índias, através de relatos de Cortés, a quem serviu como capelão. Cronologicamente, a obra se inicia com as conquistas de Cortés e termina com sua morte, em Sevilha, na Espanha.

No século 17, os historiadores da América Espanhola estavam relutantes em utilizar fontes orais vindas dos nativos. Isso se deve ao fato de que as obras eram patrocinadas por particulares e pela Igreja – os primeiros interessados em informações de fácil acesso e entendimento, e o segundo em inserir os nativos na cultura cristã. Com o surgimento de uma nova vertente do Cristianismo, o Protestantismo, a Igreja Católica se viu incumbida de absorver o passado desses povos para a religião considerada a correta, o Catolicismo. Os historiadores ligados à Igreja, escreviam sobre a história do continente sob a ótica de suas ordens religiosas: Dominicana, Jesuíta e Franciscana.

Os historiadores clericais que se destacam são Bartolomé de Las Casas, José de Acosta e Bernardino de Sahagún. Las Casas se destacou por sua defesa aos nativos, muitas vezes vistos com inferioridade por outros autores e, desde sempre, massacrados pelos conquistadores. Seu livro História das Índias, dividido em décadas, vem com um prólogo explicando o que é História, a lembrança a historiadores clássicos e a motivação para a escrita. Analisava os indígenas americanos em comparação a gregos e romanos. José de Acosta, Jesuíta, escreveu a História Natural e Moral das Índias, na qual articulava, como se pensa na teoria moderna, que os nativos descendiam da Ásia. Acosta, ao narrar a História dos nativos, afirma que isso é importante para facilitar o processo de evangelização. Dividia os povos bárbaros em Civilizados, Semicivilizados e Selvagens. Sahagún foi um proeminente conhecedor das línguas nativas, bem como um destaque entre os demais historiadores, pois sua principal obra História geral das Coisas da Nova Espanha, foi produzida através de muitas informações orais de seus alunos indígenas, que aprenderam latim com ele. É uma grande enciclopédia, com diversos assuntos sobre a região. Foi um escritor bilíngue, escrevendo em Nahuatl, língua geral dos povos da Mesoamérica, e espanhol, a língua do Império.

Em síntese, podemos ter como características dos historiadores do Novo Mundo: Divergências entre autores espanhóis, geralmente em relação ao uso de fontes e de conhecimentos indígenas; A visão de mundo era providencialista, sendo que esses autores viam a Espanha como a realizadora da missão de cristianizar os novos territórios; As línguas europeias e indígenas se hibridizaram, isto é, passaram a trocar influências; Autores da Antiguidade eram evocados, tinham o estilo literário copiado; Por mais que tenha ocorrido algumas tentativas diferentes, o passado nativo era visto sob a ótica da cultura europeia; Uso de conhecimentos indígenas para a produção de livros; Obras controladas politicamente e escritas com objetivos de informação; Autores ligados ao Clero, particulares e Monarquia.


FONTES:

WOOLF, Daniel. Uma História global da História. Tradução de Caesar Souza - Petrópolis, RJ, Vozes, 2014.


CRÉDITO DA IMAGEM:


Library of Congress - www.loc.gov